*(LITERATURA CLANDESTINA REVOLUCIONÁRIA)*MICHEL FOUCAULT LIBERTE-ME.

VC LEU MICHEL FOUCAULT,NÃO?ENTÃO O QUE VC ESTÁ ESPERANDO FILHO DA PUTA?ELE É A CHAVE DA EVOLUÇÃO DOS HUMANOS.HISTORIA DA LOUCURA,NASCIMENTO DA CLINICA,AS PALAVRAS E AS COISAS,ARQUEOLOGIA DO SABER,A ORDEM DO DISCURSO,EU PIERRE RIVIÉRE,A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS,VIGIAR E PUNIR,HISTORIA DA SEXUALIDADE,EM DEFESA DA SOCIEDADE,OS ANORMAIS...EVOLUÇÃO OU MORTE!

Friday, November 30, 2007

quem é Heinz Dieterich? 30/11/07 um novo marx?um novo gênio revolucionário?

(foto Heinz Dieterich.conselheiro do governo e defensor das teses polêmicas do “Socialismo do Século XXI”, uma proposta que, por seu conteúdo, desde seu anúncio, tem perturbado os meios políticos da América Latina.Autor de mais de 30 livros em que debate os problemas do desenvolvimento latino-americano, a sociedade global, a função dos intelectuais, ideologias e paradigmas científicos, Heinz Dieterich apresenta uma incomum carreira acadêmica. Doutorado em Ciências Sociais e Econômicas e alemão de nascimento, adotou a cidadania mexicana e passou a ocupar a cátedra de professor na Universidade Autônoma e Metropolitana do México (UNAM), conhecida por seu envolvimento nas lutas políticas do país. Aliás, sobre as universidades, Heinz Dieterich reserva a crítica de que se transformaram em nada mais que igrejas.Amigo de Hugo Chávez, e um dos poucos intelectuais que se atrevem a traduzir o pensamento do presidente venezuelano, o sociólogo foi recentemente entrevistado por Fernando Fuentes, do diário La Tercera, de Santiago do Chile. No encontro, o professor surpreende mais uma vez ao referenciar a proposta de desenvolvimento estatal chavista nos programas de reformas implementadas, há décadas, por Perón, Getúlio Vargas, Cárdenas e Allende. Também não esconde suas restrições à presidente do Chile, Michelle Bachelet. Da mesma forma mostra certa contrariedade com as políticas de aliança inter-classes de Lula, o dirigente brasileiro, que comemora a entrada do Brasil no seleto clube dos países que atingiram o Produto Interno Bruto (PIB) de mais de um trilhão de dólares. Sobre os parceiros da Venezuela no Mercosul, diz que os novos governos populares-boliviarianos não mais tolerarão a exploração do sub-imperialismo brasileiro e argentino, uma frase carregada de conteúdo que pode soar pesado em um continente onde as notícias voam e a diplomacia nem sempre demonstra paciência.)
``O império soviético faliu porque era, no fundo, uma economia de mercado com forte influência estatal. O risco aqui é o mesmo``Heinz Dieterich
Heinz Dieterich Steffan, professor da progressista Universidade Autônoma Metropolitana (UAM), no México. “A idéia é criar uma sociedade pós-capitalista que ponha fim aos 5 mil anos da economia de mercado”, anuncia o ideólogo. Em entrevista exclusiva ao Correio, Dieterich esclarece os fundamentos de sua teoria, uma combinação de democracia participativa com um sistema econômico não mais regido por preços. “Os produtos terão um valor, baseado no tempo médio gasto em sua produção”, diz. Desde que Chávez chegou ao poder, o alemão se tornou mais que seu companheiro de idéias, tendo assumido, por vezes, o papel de conselheiro informal. “Tenho liberdade para lhe dizer certas verdades e discordar”, comenta Dieterich, buscando se diferenciar dos asseclas subservientes que rondam o mandatário venezuelano. “Chávez acha que Jesus foi o primeiro grande socialista, mas eu já lhe disse que Jesus e a Bíblia não podem aportar nada ao socialismo. Jesus resolvia problemas de falta de vinho ou pão com milagres. Nós precisamos de ciência e tecnologia”, ironiza. Puxões de orelha como esse são freqüentes, embora pouco eficazes. As nacionalizações anunciadas por Chávez nesta semana, por exemplo, representam um risco para o projeto socialista. “São medidas para recuperar as forças produtivas. Isso não é o socialismo, mas o tradicional nacional-desenvolvimentismo de Juan Perón (Argentina), Getúlio Vargas (Brasil) e Lázaro Cárdenas (México).” Dieterich acredita que a Venezuela vive um processo histórico de transição, durante o qual são necessárias doses cavalares de perseverança e lucidez: “Neste ano, veremos se há vontade política para mudar ou repetir o passado”. Em 2004, ele acompanhou Chávez em um encontro com Lula, em Manaus. “Infelizmente não chegamos a conversar”, lamenta.
Em que consiste o socialismo do século 21? O conceito foi formulado por mim em 1998, na busca por um modelo alternativo à economia de mercado. A idéia é criar uma sociedade pós-capitalista, que ponha fim a esse ciclo de 5 mil anos, levando em conta a intenção humanista do socialismo histórico, mas com diferenças qualitativas. Há dois elementos principais. O primeiro se baseia na economia de equivalência, de valores, já discutida por Karl Marx e David Ricardo. Quero dizer que a economia deve operar sobre valores, não mais sobre preços. O segundo é a ampla participação dos cidadãos no processo decisório, seja político, econômico ou social. O cidadão comum participará na aprovação do orçamento federal, decidirá se o país deve ir à guerra. Participará em questões federais, municipais e empresariais, podendo decidir sobre investimento e jornada de trabalho. O Legislativo é dispensável? Não. Essa participação popular deve ser gradual. Trata-se de um longo processo de transição, que requer aprendizagem. Para decidir sobre orçamento, o povo precisa saber de economia. Num primeiro momento, por exemplo, se poderia submeter a consulta popular eletrônica 10% da lei do orçamento, enquanto 90% seriam decididos normalmente, pelos parlamentares. Tudo isso implica conflito de interesses. Os ministérios não vão querer ceder no orçamento, as elites econômicas não aceitarão um referendo em que se decida um aumento de impostos. É um conflito normal da democracia. Poder popular e poder de Estado precisam coexistir. Explique a questão dos preços. Eles serão abolidos? Toda economia precisa de um sistema para medir e expressar o valor de um produto. Na de mercado, esse sistema é o preço, que expressa a correlação de poder entre dois sujeitos econômicos. Não se trata apenas de poder econômico, mas militar, cultural e político. E isso explica por que esse princípio de regulação opera em benefício do poderoso. Os bancos definem os juros, o empresário define os salários e o dono do mercado, seus preços. Uma sociedade diferente precisa de uma economia qualitativamente diferente. Os produtos terão um valor, baseado no tempo médio gasto em sua produção, ou time-imput. Se um aparato de medicina de Cuba representa 100 horas de trabalho, e o mesmo ocorre na produção de 500 barris de petróleo, podemos trocá-los de forma justa. O Estado será o gestor econômico? Ele terá a responsabilidade de elaborar a escala de valores, e planejar a economia sobre o valor dos produtos. Uma economia planificada democraticamente é um problema de tecnologia. Num país grande, como o Brasil, se tomam bilhões de decisões econômicas num dia. Processar essas informações é complicado, requer o uso de informática e internet. A Venezuela está avançando? Há um grande avanço no convencimento da maioria dos cidadãos. Há confiança de que o presidente não vai instalar uma tirania, e que a qualidade de vida vai seguir avançando. Com as reformas educacionais, o nível de educação e de discussão política é hoje muito superior ao de há cinco anos. O confronto com os Estados Unidos também serviu para criar consciência política na sociedade, especialmente na classe média. O crescimento econômico permite que as pessoas se concentrem nesse projeto histórico. Há as condições ideais para a transição ao socialismo, mas há um problema. Muita gente do governo Chávez ainda não está ciente do que consiste a economia do socialismo do século 21. Alguns apostam no escambo, outros na expropriação da propriedade privada. O cidadão deve ser aliado e fiscalizador do governo, pois há risco de corrupção e da soberba de funcionários do Estado. As nacionalizações não são parte do socialismo? São medidas para recuperar as forças produtivas. Isso não é o socialismo, mas o tradicional nacional-desenvolvimentismo de Juan Perón (Argentina), Getúlio Vargas (Brasil) e Lázaro Cárdenas (México). É importante que alguns setores fiquem na mão do Estado, como energia, segurança aérea e administração de aeroportos. Mas isso não muda a lógica do comportamento de mercado, e a nacionalização indiscriminada pode comprometer a eficiência econômica. O império soviético faliu porque era, no fundo, uma economia de mercado com forte influência estatal. O risco aqui é o mesmo. Pode estatizar, criar cooperativas. Se for baseada no preço, a economia não deixa de ser capitalista. Chávez está traindo os princípios do socialismo? Não. Creio que há um esforço consciente no desenvolvimento e na blindagem do governo. Mas o socialismo do século 21 só começará na Venezuela quando Chávez instituir a contabilidade do valor no Estado e nos três principais setores econômicos: a PDVSA (petroleira estatal), a Corporação Venezuela de Guayana (indústria básica de energia) e as cooperativas. Isso se faz paralelamente à contabilidade normal. A PDVSA continuará negociando com o mundo em preços. No início, será um modelo híbrido. Os pequenos empresários e as cooperativas começam a adotar o sistema do valor, ampliando o circuito não-capitalista. Depois a prática se estende ao exterior, via Cuba, Bolívia e Nicarágua. Quando Chávez se interessou por sua teoria? Eu o conheci em 1999, quando ele tinha três meses de governo. Estava num hotel em Caracas, e ele me ligou: “Heinz, estou em grande dívida contigo”. E explicou que uma amiga lhe havia dado de presente, quando ele estava na prisão, um livro meu sobre Manuela Sáenz, filha de Simón Bolívar. “Esse livro foi muito importante para mim”, me disse. Fui ao Palácio de Miraflores e passamos a noite conversando, ficamos amigos. Chávez é muito inteligente e um humanista autêntico. Um dia lhe falei do socialismo do século 21 e da teoria do bloco regional de poder. Não sou assessor de Chávez, mas acho que meus conselhos são importantes. Uma vez, Marta Harnecker lhe sugeriu que governasse sem partidos políticos. Eu disse que era um absurdo, pois eles são a base do sistema burguês, e a Venezuela tem uma superestrutura burguesa. Talvez daqui a 50 anos, mas por enquanto é necessário.
O guru de Chávez:O cientista político alemão Heinz Dieterich começou sua vida política correndo da polícia nas ruas de Frankfurt. Nos idos de 68, ao lado do hoje ministro alemão Joschka Fischer e no mesmo time de ninguém menos que o franco-alemão e ex-agitador-mor Daniel Cohn-Bendit, Dieterich erguia barricadas, desafiava a polícia e tirava o sono das ordeiras autoridades germânicas. Enquanto seus companheiros "adaptaram-se" ao etablishement e tornaram-se dedicados políticos e até ministros de estado, Dieterich preferiu evoluir com seus estudos e seguir o caminho acadêmico, ao mesmo tempo que partia para o continente que então mais despertava as atenções do mundo: América Latina. Discípulo de Adorno, Habermas e da vanguarda intelectual que sacudiu a Europa naqueles idos, Dieterich formou-se em Ciências Políticas seguindo depois para o México, em um programa de intercâmbio acadêmico. Ficou, aprofundou-se em seus estudos e tornou-se professor da Universidade Autônoma do México, ao mesmo tempo que, para não perder o lado prático, liderava iniciativas de apoio e solidariedade à Nicarágua, Cuba e Chile.Hoje Heinz Dieterich é um dos mais respeitados teóricos da nova esquerda e o papa da "quarta via", o caminho político defendido por ele e principal foco de discussões da, após a queda do muro, ainda perdida intelectualidade mundial. O cientista com queda para o lado prático, que tem sido alvo de calorosos debates da intelectualidade européia, possui pelo menos um seguidor que tem tirado o sono de alguns governantes do hemisfério norte: O venezuelano Hugo Chávez.
O vanguardismo político da América Latina está renascendo Foi na prisão, em 1992, que Chávez teve o primeiro contato com Dieterich, ao ler seu livro sobre Simon Bolivar e Manuela Saenz. Pessoalmente os dois somente vieram a conhecer-se em 1998, após a vitória eleitoral de Chávez. A partir daí passou a se processar uma metamorfose ideológica no político venezuelano, até então mais um caudilho cheio de bravatas, que não incomodava além de seus próprios opositores locais. A amizade entre os dois tornou-se uma união ideológica que vai além dos encontros pessoais. Dieterich é o principal responsável pela simpatia que Chávez possui na Europa, principalmente na França e Alemanha. Uma simpatia cada vez mais necessária diante da crescente animosidade do governo de Bush. Heinz Dieterich, que é o mais traduzido autor em Cuba e tem seus artigos publicados em muitos países do ocidente, considera que o caminho de uma política própria e independente de potências como os EUA seja o principal canal para que a América Latina consiga o desenvolvimento tanto econômico quanto político. Os povos latinoamericanos possuem, em sua tradição e história, a impetuosidade política que sempre preocupou o imperialismo e sempre foi sufocada à bala pelas potências dominantes. Trata-se de uma guerra na surdina, que sempre foi vencida no plano político com tiros, golpes (miltares e correlatos), embargos e boicotes pelas forças dos interesses da dominação colonialista. A América Latina somente unida e desprendida dos demais blocos, fechada em si na quarta via, fazendo-se respeitar e defendendo seus interesses monoliticamente, conseguirá prosperar socialmente. Os princípios da libertação não mudaram através dos séculos, como não mudaram os problemas em si. O vanguardismo latinoamericano nasce em ciclos periódicos desde os tempos dos navios negreiros, da mesma forma que suas derrotas. Bush non pasará e a revolução continua
É também atribuído a Dieterich o rompimento de Chávez, em 1999, com o neofascista argentino Noberto Ceresole, espécie de assessor especial do venezuelano, defensor de princípios de extrema-direita. Ceserole foi expulso sumariamente do país.Ainda muito por trás do palco, por seu voluntário recatamento e concentrado em seus estudos, o cientista político alemão com coração latino passa a maior parte de seu tempo na capital mexicana em seu pequeno apartamento no campus da universidade.Ele foi um dos primeiros que percebeu os passos do governo norte-americano na invasão do Iraque e, talvez por ter fidedígnas fontes de informação em estratégicos governos europeus, vem há muito alertando Chávez, seja pessoalmente, seja em seus artigos, sobre a tendência do governo Bush de interferir internamente na Venezuela. "A única forma de defender-se do militarismo ianque ou seus fantoches locais é, idem, militarmente", defende Dieterich. Ele prega o armamento popular para o caso de uma "guerra assimétrica" contra os EUA, como os exemplos do Iraque e Vietnã. Pelo menos nisso ele tem razão.Talvez ele possua informações privilegiadas, talvez tenha em sua análise componentes de um cientista político formado sob a ótica do detalhismo alemão ou, como não-latino, perceba movimentos que fogem à percepção de quem está na roda. Para todos os efeitos, Dieterich não se deixa levar apenas pela teoria. A exemplo de seus ex-companheiros de lutas nas ruas de Frankfurt, ele não abandona a efetividade da militância. A diferença, segundo ele próprio, é que alguns, como o ministro do exterior alemão Fischer, mudaram de lado.A revolução continua e ele não prescinde da forma mais moderna e prática de defendê-la: O site http://www.rebelion.org/ é o seu bastião para propagar sua coalizão pela América Latina: Non Pasarón, diz com seus botões. - Bush que se segure.
LT – Você é catalogado como um dos assessores mais próximos a Hugo Chávez. Como se desenvolve a relação entre ambos? HD - Sou amigo do presidente, não assessor, desde que o conheci pessoalmente em 1999. Desde o primeiro momento em que nos vimos no Palácio de Miraflores, tive a impressão de que se tratava de uma pessoa honesta e capaz, que merecia o apoio internacional. Apoiei Hugo Chávez, como apoiei, em seu momento, Salvador Allende, os sandinistas, Cuba e a revolução vietnamita. Até o dia de hoje considero que este julgamento foi correto.Além do pessoal, pensei que seu projeto histórico era a melhor esperança para as maiorias e a Pátria Grande, nas condições contemporâneas da América Latina. Tampouco me equivoquei nesse ponto. Trata-se do desenvolvimentismo estatal europeu-asiático, inventado pelos britânicos há 200 anos, seguido pela Alemanha, Japão, os Tigres asiáticos e a China. Na América Latina, é o modelo de Perón na Argentina, de Getúlio Vargas no Brasil, de Lázaro Cárdenas no México e de Salvador Allende no Chile.LT - Em 2005, você afirmou que a implantação do Socialismo do século XXI "não enfraquecerá a empresa privada". Como se entende então o processo de nacionalizações empreendido por Chávez?FD - Todas as economias existentes são economias mistas, com três formas principais de propriedade: a privada, a estatal e a social. E, em todas essas economias, o Estado tem o direito constitucional de adquirir, expropriar, confiscar ou nacionalizar propriedades privadas ou sociais, quando o bem da comunidade assim o requer, e quando o procedimento respectivo se realiza dentro da lei e com a devida indenização. Todas essas determinações jurídicas têm sido cumpridas rigorosamente na Venezuela.Do ponto de vista da ciência econômica, uma estatização de outras formas de propriedade tem sentido em quatro casos: 1. para fomentar a integração e o desenvolvimento da nação; 2. para permitir ao governo ingressos que são necessários para financiar o Estado de bem-estar; 3. por razões de segurança nacional e, 4. quando uma empresa viola repetidamente as leis ou foi mal havida. Todas as estatizações na Venezuela obedecem a essa lógica da economia de mercado.No tão trombeteado caso da empresa de mídia RCTV e seu dono Marcel Granier, trata-se de um delinqüente empresarial, que participou no golpe militar contra o governo constitucional de Hugo Chávez, em 11 de abril de 2002, que há anos não paga impostos e que, em sua soberba, agora pretende desconhecer a base jurídica da economia de mercado: a diferença entre a propriedade e a posse de um ativo econômico. Detém, na forma de arrendamento (leasing) um bem do Estado (o espectro eletromagnético), e, ao terminar o contrato, pretende se apropriar ilegalmente dele, esperando que o apoio de Washington, da SIP e dos meios oligárquicos lhe permitam essa operação de enriquecimento ilegal.LT – Qual a sua opinião sobre Kirchner, Lula e Bachelet?
FD - Kirchner perdeu a hegemonia do processo argentino. Não conseguiu construir uma base social comprometida com ele, e está sendo desmontado passo a passo pela oligarquia por meio de uma série de micro-golpes, como o desaparecimento de Julio López e a paulatina destruição da base sindical do “Negro” Moyano, único apoio social orgânico que tem. Duvido muito que alcançará êxito a tentativa de última hora de mimetizar a corrente bolivariana hemisférica, de converter a senadora Cristina Kirchner em uma espécie de Evita Perón-Manuel Sáenz renascida, e se apoiar na comunidade judaica internacional.Lula aproveitou com enorme êxito a escassa margem de manobra que a grande burguesia paulista lhe concedeu há quatro anos, e tem, agora, mais poder político que qualquer um de seus antecessores nos últimos vinte anos. Terá que controlar as forças anti-bolivarianas dentro e fora de seu governo e ser muito hábil, porque os novos governos populares-bolivarianos não tolerarão mais a exploração do sub-imperialismo brasileiro - nem tampouco do argentino-, por exemplo, através de Yaciretã, Itaipú e Petrobras.
Entretanto, Lula está forte e aproveita que o Brasil é o único país latino-americano com tecnologias de ponta, um poder territorial-demográfico-militar considerável, uma Argentina desaparecida da política internacional, e uma posição singular frente a Washington. Podemos esperar mais protagonismo latino-americano e latino-americanista e uma política desenvolvimentista com maior componente popular, para equilibrar o poder esmagador da grande burguesia.Michelle Bachelet é uma pessoa respeitável, mas não tem poder. No Chile governam as três forças hegemônicas de sempre: a elite econômica, a Força Armada e o alto clero. Dói dizê-lo com uma paráfrase econômica, e o digo sem a intenção de ferir ninguém, mas é o mais exato: Michelle Bachelet não é o Chief Executive Officer (CEO) da empresa, mas sim, essencialmente, uma imagem corporativa.LT – No ano passado, você denunciou que militares chilenos estavam envolvidos em uma eventual conspiração contra Evo Morales. Posteriormente, afirmou que o Chile era o "peão na subversão de Bush contra Chávez e Morales". Por que o Chile merece uma análise tão negativa de sua parte?FD - O Chile é um país do qual gosto muito e, sem dúvida, não merece uma análise “negativa”. Não, minha análise se refere a um sistema político que persegue brutalmente os donos originais da terra, os mapuches, ao mesmo tempo que permitiu que um genocida como Pinochet morresse na cama, e que o exército lhe destinasse uma despedida “na qualidade de comandante-em-chefe benemérito”.Um enterro, no qual o chefe do Exército, o general Oscar Izurieta, manifesta a crença em que a morte de Pinochet ajude a mitigar "as paixões que geram sua vida e obra". "Deixemos para a história um exame objetivo e justo em relação a seu protagonismo nos processos políticos, econômicos e sociais nos quais lhe coube participação", afirmou Izurieta. Em outro momento de sua intervenção, disse que as violações de Direitos Humanos foram o aspecto mais "controvertido" da gestão de Pinochet.
“Paixões”, “exame objetivo” e aspectos “controvertidos”. A linguagem delata a apologia do terrorismo de Estado. E é o mesmo general que apresentou, em 17 de agosto de 2006, ao então Comandante-geral do Exército de Bolívia, Freddy Bersatti, “a oferta do Exército de Chile de abrir suas escolas ao Exército boliviano e a seus integrantes". E o que os militares chilenos vão ensinar a seus homólogos do altiplano? O que, sim, aprenderam com Pinochet: desde a Operação Condor até a colaboração com as forças militares da OTAN na guerra das Malvinas.Então, não se trata, de nenhuma maneira, de uma análise “negativa” do país irmão e do povo chileno, mas, sim, da constatação de determinadas políticas de instituições da ditadura militar na revolução latino-americana que vivemos. Nesse contexto seria bom que a presidente Bachelet mandasse investigar uma visita de dois generais do Exército chileno a La Paz, umas três semanas antes do pretendido golpe militar de 11 de outubro, contra Evo Morales, e que se deslocaram até o centro da conspiração, Santa Cruz, para se reunir com o Comitê Cívico e o prefeito faccioso do Departamento de Santa Cruz.LT - O avanço da "Revolução Bolivariana" e o "Socialismo do Século XXI" não admitem que haja outro tipo de projetos na região, como o de Uribe na Colômbia, o de García no Peru e o de Bachelet no Chile, o "Eixo do Mal do Pacífico", como você o chamou?FD - Sim, existem projetos diferentes. Sua viabilidade depende, em grande medida, de como e quando os Estados Unidos consigam sair do Iraque e Irã. O projeto de Uribe está seriamente debilitado por quatro razões: a) o fracasso de seu plano de contra-insurgência contra as FARC; b) sua vinculação com os narco-paramilitares; c) a aparição do Pólo Democrático Alternativo e, d) sua crescente conversão a uma hipoteca para o império, que poderia prescindir de seus serviços em determinado momento, como ocorreu com Pinochet.Alan García não tem um projeto, além do próprio poder. Chegou ao governo pelo medo de Bush e da oligarquia peruana a Ollanta Humala. Bateu em Chávez para subir e agora busca seu apoio para se manter em pé, porque Bush e a oligarquia não lhe dão o que necessita. É débil e patético.Bachelet também é débil, mas estável, porque: a) não disputa o poder com os amos do país; b) porque não existe uma alternativa popular-bolivariana ou socialista do Século XXI na pátria de Neruda e Allende, nem no coletivo, nem entre as lideranças individuais e, c) tem uma economia competitiva em alguns nichos do mercado mundial. Seu governo será, lamentavelmente, um governo sem registro nem glória.LT - Tanto Chávez como Rafael Correa (presidente de Equador), utilizam, freqüentemente, seu conceito de "Socialismo do Século XXI". Como poderia resumir esse conceito?FD - O ser humano existe dentro de quatro relações sociais básicas: a econômica, a política, a militar e a cultural. “Socialismo do Século XXI” ou “Democracia Participativa”, que são sinônimos em minha teoria da civilização global pós-capitalista, significam que as maiorias tenham o maior grau de decisão historicamente possível nas instituições econômicas, políticas, culturais e militares, que regem sua vida. No econômico, significa a substituição da economia de mercado voltada ao dinheiro por uma economia política sustentável, orientada para as necessidades básicas da população; o valor (time inputs) como princípio operativo e de contabilidade; a equivalência como sistema de troca e a incidência real dos cidadãos e trabalhadores em nível macroeconômico (nação), mesoeconômico (município) e microeconômico (empresa).LT - Você disse que na Venezuela "criaram-se condições para construir o Socialismo do Século XXI". Quais são essas condições? Acredita que possam ser replicadas em outros países da região?FD - Menciono só algumas. Quase dois terços da população votaram pelo presidente em dezembro de 2006, com pleno conhecimento de sua intenção de chegar ao Socialismo do Século XXI. Esse é um mandato substancial e um voto de confiança para a bandeira política do presidente, de parte dos cidadãos. O parlamento, solidamente, respalda o presidente, graças ao autismo subversivo da oposição. Os avanços do sistema educativo, da saúde, da economia -- três anos de crescimento do PIB de 10 por cento -- do combate à pobreza e da consciência do povo, foram notáveis.Existe também uma cultura de debate político entre os cidadãos que há cinco anos era impensável. A criação dos conselhos comunitários é um passo extraordinário para envolver as maiorias na administração da riqueza social da nação. A integração econômica e política latino-americana já parece irrefreável e a destruição da Doutrina Monroe é uma possibilidade real, pela primeira vez em 200 anos. As forças armadas agora são confiáveis e a capacidade de defesa militar convencional e irregular deu um salto qualitativo. Vários setores chaves da economia nacional estão em mãos do Estado ou de cooperativas, entre eles: o próprio Estado; PdVSA; CVG; CANTV; o Banco Central; a distribuidora Mercal e mais de cem mil cooperativas.Criar as circunstâncias para iniciar a transição ao Socialismo do Século XXI requer duas condições: a) um projeto histórico encabeçado por um líder popular que alcance a legítima adesão das maiorias e, b) uma democracia burguesa constitucional na qual não haja golpes militares. Em todos os países latino-americanos onde ocorrem as duas condições podem se desenvolver projetos do tipo de Hugo Chávez ou de Rafael Correa.
http://www.marxists.org/portugues/index.htm

Thursday, November 29, 2007

Onde começam os erros de Lacan 29/11/07 por Peter Sloterdijk

http://www.petersloterdijk.net/
A ênfase na imago das teorias psicanalíticas do relacionamento, problemática desde o início, foi levada ao extremo por Lacan, com seu lendário teorema do “estágio do espelho como formador da função do Eu”1, de 1949. Lacan pressupõe uma situação infantil primitiva que, desde sempre, foi combalida pela impossibilidade de se sustentar a si mesmo. Para Lacan, cada lactente é despedaçado pelos estados de aniquilamento
incuráveis. Desde o início e de forma inevitável, a psicose é sua verdade e realidade. Ele é lançado ao mundo, impotente e atraiçoado, como o já sempre despedaçado corpo, que dificilmente pode manter unidos seus fragmentos. A verdade seria que o despedaçamento precederia a totalidade e que a primeira palavra pertenceria, por toda
parte, a uma psicose originária. É compreensível – caso sigamos por um momento as sugestões do analista francês – que, para um ente tão dissociado no seu fundamento,fervendo na sua perdição, a visão da sua própria imagem, de perfil estável, lá no espelho deva ser sumamente edificante, já que o sujeito poderia finalmente, pela primeira vez,perceber-se naquele lá imaginário com a forma de um todo, sem fenda e sem mácula.Aqui, a auto-imagem no espelho entraria em jogo como libertadora de um sentimento de si mesmo insuportável. Somente a imagem lá no espaço do espelho me provaria, contra meu evidente sentimento de mim mesmo, que eu não sou nenhum monstro, mas uma criança humana bem sucedida, dentro dos belos limites da sua forma orgânica.Reconhecer-se no espelho como “isso, sim, sou eu mesmo” significaria, portanto: rir
para uma imagem subitamente reluzente, sentir sua integridade como uma mensagem da
salvação e ascender, em júbilo e liberto, a um céu imaginário de imagens totais, no qual a anterior dilaceração real e verdadeira nunca mais necessitaria ser confessada.Finalmente o infans poderia deixar para trás seu despedaçamento humilhante e sua impotência furiosa; ser-lhe-ia dada, de repente, a possibilidade de, recém-invulnerável,atravessar flutuando o vidro do espelho, chegar ao espaço de imagens e ingressar, tal como um herói transfigurado, no reino de uma integridade demente – radiante, salvo da miserável condição primária, para a qual ele, de agora em diante, pensa nunca mais ter que voltar, supondo que o escudo onírico da imagem do eu incorruptível se afirme contra todas as perturbações posteriores. De acordo com isso, o desenvolvimento do eu deveria iniciar-se, sempre e inevitavelmente, com um auto-desconhecimento salvador: a aparição imaginária lá fora e do outro lado – minha imagem como sã, total, libertadora –tirou-me, enquanto eu a admito radicalmente no meu lugar, do inferno sem imagens de minha vida inicialmente sentida e me oferece a promessa maravilhosamente enganosa de eu sempre poder, no futuro, viver dessa imagem – como sob uma proteção ilusória.
Minha imagem ilusória de mim lá fora na visibilidade – no imaginário ou no visual transfigurado – seria, pela sua boa forma e totalidade, como que um evangelho escrito só para mim, seria uma promessa que me antecipa e me consolida. Assim que eu a recebesse em mim, ela repousaria no fundamento de mim mesmo como a feliz mensagem de minha ressurreição do aniquilamento inicial. Minha imagem, meu engano originário, meu anjo da guarda, minha loucura.É possível mostrar sem muito esforço que este inicial e mais famoso fragmento teórico do corpo da doutrina lacaniana apresenta uma brilhante construção enganosa que se erige na base da voluntariosa e patética falsa avaliação da comunicação inicial diádica entre a criança e seu acompanhante-complemento, o qual via de regra é a mãe,sem falar nos meios de complementação pré-natais. A imagem própria especular, como tal, não pode acrescentar à “auto”-averiguação da criança nada que não estivesse plantado desde há muito no nível dos jogos de ressonância vocais, táteis, interfaciais e emocionais e dos sedimentos internos destes. Antes de todo e qualquer encontro com a própria imagem no espelho um infans não descuidado “sabe” muito bem e com precisão
o que significa viver de maneira não traumatizada no interior de uma dualidade continente e sustentadora. Numa estrutura psíquica de dois-em-um, suficientemente bem sucedida, emerge a percepção imaginal de si mesmo na criança que nota,ocasionalmente, seu reflexo num meio vítreo, metálico ou aquático, como uma camada perceptiva adicional que diverte e atiça a curiosidade sobre um tecido de experiências de ressonância já espesso e confiável; a imagem no espelho não surge de forma alguma como a primeira e abrangente informação sobre o próprio poder-ser-total; ela dá,
contudo, uma indicação inicial da sua entrada em cena como corpo coerente entre corpos coerentes no espaço visual real. Mas este ser-corpo-imagem integral não significa quase nada perante as certezas pré-imaginárias, não-eidéticas, da integridade dual emocional e sensível. Uma criança que cresce em um contínuo suficientemente bom é, há muito, bastante instruída a partir de outras fontes sobre os fundamentos da sua continência numa forma de realização. Seu interesse pela coerência é mais ou
menos satisfeito muito antes da informação eidética especular. Mediante sua imagem
vista no espelho ela não vem a conhecer nenhuma possibilidade de ser ou de felicidade
radicalmente nova, fundada exclusivamente no imaginário visual. De resto, cabe notar que – como observado anteriormente2 – antes do século XIX a maioria dos lares da Europa não possuía espelho, de forma que já sob o mais simples aspecto históricocultural,o teorema de Lacan, apresentado como um dogma antropológico válido atemporalmente, é vazio de conteúdo.
Decerto, se o jogo de ressonâncias entre a criança e seu contraposto complementar é carregado de ambivalências, descuidos ou sadismos, abrir-se-á na criança, naturalmente, uma inclinação a se apegar aos magros momentos positivos de experiência de complementariedade – sejam as precárias amabilidades das pessoas com as quais se relaciona, os sonhos auto-eróticos regressivos ou as identificações com os heróis invulneráveis das lendas e dos mitos. Do ponto de vista empírico permanece sem qualquer esclarecimento a pergunta de saber se a visão precoce da própria imagem no espelho realmente ajuda as crianças psicóticas, que estão no limite entre o estágio de lactente e o da primeira infância, nas ressurreições imaginárias mediante fantasias de
integridade embasadas ópticamente. O caso particular, exagerado por Lacan, de que o sujeito em desenvolvimento se lança para fora de si, na imagem, a fim de evitar a desproporção sentida na própria pele despedaçada e tornar-se, no mundo-da-imagem,uma totalidade ilusória, apresenta, em todo caso, se é que possui uma realidade casuística, tão somente um significado patológico. Este caso poderia ter seu lugar na vida somente no meio e na estrutura familiar empobrecidos com uma inclinação para o malcuidado crônico do lactente. De fato, para toda fundação do eu que foi realizada assim, mediante a fuga para a ilusão imaginal de totalidade intacta, poder-se-ia prever aquela labilidade paranóide que Lacan, partindo da sua auto-análise, pretendeu
explicitar ilegitimamente como marca distintiva universal da psique nas culturas de todos os tempos. Ainda assim, se no fundamento de um si mesmo fosse possível,efetivamente, encontrar um imaginário auto-ofuscante desse tipo, também seria esclarecido porque o sujeito em um universo lacaniano poderia encontrar sua salvação ou, ao menos, sua ordem, somente no simbólico. Somente a submissão à lei simbólica salva da psicose constitutiva. Mas, o que é isto senão a continuação do catolicismo por meios aparentemente psicanalíticos? Com certeza, ninguém irá farejar com tanta clareza furiosa as feridas vindas de toda parte como aquele sujeito que tornou o seu poder-sertodo dependente da defesa das imagens do próprio eu, ofuscantes e exageradas fantásticamente; contudo, a afirmação de que as formações egóicas básicas no
imaginário seriam, dessa forma, a regra universal, só pode ser sustentada por alguém que apoia uma extravagância em uma outra. Isto significa colocar a própria psicologia a serviço da psicose. Já no início, o próprio Lacan entregou-se a um dogmatismo da psicose originária, cujos motivos não eram psicanalíticos, mas provenientes de interesses cripto-católicos, surrealistas e para-filosóficos. De acordo com sua tendência e tonalidade, o estupeficante teorema de Lacan do estágio do espelho é uma paródia da doutrina gnóstica da libertação através do auto-conhecimento; de acordo com esse paradigma problemático, aqui o pecado original fica substituído pela ilusão original,sem que jamais fique claro se a ilusão seria algo a conservar ou a ultrapassar. Trata-se,em todo caso, do desconhecimento inicial de si mesmo que proporciona aos sujeitos as tão indispensáveis quanto fatais imagens enganosas – Lacan fala ocasionalmente da
função “ortopédica” da imagem enganosa primária. Quem poderia, portanto, sem esse esteio da auto-ilusão sobreviver psiquicamente íntegro – e quem deveria ter interesse em quebrar essa ilusão ao sujeito? Ao mesmo tempo, porém, a ilusão deve ser o que ela é –uma imagem enganosa que tem que ser desfeita à medida em que partem dela as atrações fatais. Conhecer-se ou não a si mesmo – essa é a questão aqui. Pior para aqueles aos quais nunca adveio, de um pretenso imaginário – e, muito menos ainda, de um amor verdadeiro –, a imagem confiável do próprio poder-ser-total.

Wednesday, November 28, 2007

PT versus PSDB 28/11/07 por ranato janine ribeiro

(esse cartaz é do pt no passado.obs:no site do pt tinha uma bandeira dos estados unidos junto com a do brasil,onde estava escrito, amigos do pt.agora eles modernizaram o site e tiraram a bandeira americana,finalmente,eu achava um absurdo aquilo.)As eleições no Brasil marcaram uma mudança significativa na relação entre os dois melhores partidos brasileiros, que são o Partido dos Trabalhadores (PT), que agora alcançou a presidência, e o Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), que a deixa depois de oito anos no poder. É bom lembrar que após o impeachment de Fernando Collor, em 1992, muitos simpatizantes e mesmo membros dos dois partidos quiseram uma aliança entre eles. Por que não foi feita, pertence em parte à petite histoire , mas o fato é que, de 1994 para cá, a distância entre os dois partidos aumentou muito. Antes, ambos pertenciam ao arco mais de esquerda das forças anti-ditatoriais. Mas a aliança do PSDB com o PFL, que apoiara a ditadura até um ano antes de seu fim, bem como a adoção de uma política econômica vista por muitos como neoliberal, tornou difíceis suas relações. Mesmo assim, o país se beneficiou de ter, estes anos, como cabeças de chapa dos dois lados da política, gente dos melhores partidos, os menos fisiológicos, os mais ideológicos, se podemos usar esse termo no sentido positivo.
Costumo dizer que a boa política de nossos tempos, a que o século XX legou aos tempos presentes, se dá em torno de quatro linhas-mestras, que são os temas da república, da democracia, do socialismo e do liberalismo. Esses ideais são divergentes e às vezes (é o caso dos dois últimos) até mesmo antagônicos, mas não importa: toda boa política, hoje, tem de dosar de algum modo os quatro. (Inversamente, a má política de nossos tempos tem por principais tópicos o totalitarismo e o racismo).

Por democracia , devemos entender a idéia grega de que o poder é do povo. Mas entre os gregos, tanto os defensores quanto os detratores da democracia compreendiam por povo hoi polloi, a multidão, isto é, os pobres; e por isso os inimigos da democracia viam nela o perigo de que os sem-tudo invejassem os mais ricos. Essa dimensão da democracia – seu apelo à massa que deseja ter, e ser, mais do que tem e é – foi ignorada no Ocidente quando se ressuscitou esse regime, no século XVIII, cuidadosamente privado do alcance social que tinha já entre os gregos. Mas, se considerarmos cada regime, não tanto em suas instituições, mas no modo como conquista apoio e adesão do povo (isto é, o se vemos não de cima para baixo, mas de baixo para cima), a democracia atrai na medida em que aposta no que hoje podemos chamar a afirmação de si, o desejo de ter e ser. Por isso, a democracia é um regime do desejo, da cidadania como desejo.Já por república, devemos entender a idéia romana de dar destaque ao bem comum, sobre os interesses privados. A defesa da coisa pública prevalece também sobre os desejos: é um regime da contenção, da força de vontade. E por isso, se toda política decente hoje é republicana e democrática, há tensão entre suas duas identidades, porque a massa só a apóia se ela lhe satisfizer desejos – e ela só funciona e subsiste se o espírito da coisa pública levar a uma certa renúncia aos desejos e interesses. Daí, certas dificuldades da política numa época em que, pelo menos no Ocidente, a renúncia ao desejo parece algo que não se pode pedir ao povo. Contrastem o sacrifício de suas vidas que os terroristas de 11 de setembro fizeram, com a mobilização proposta por Bush dias depois e que não só apelava a soldados que não são mais conscritos, porém profissionais (o recrutamento universal está desaparecendo no Ocidente), como pedia à população como um todo, pela primeira vez na história do mundo em tempo de guerra, não que poupasse, mas que consumisse. O consumo é um dos melhores sinais do desejo de ter.Sustento que o PT expressa, na política brasileira, a vertente democrática, e o PSDB, a republicana. Nessa diferença se dá o seu conflito. O apelo do PT a seus simpatizantes, o que acaba de levá-lo a ser o partido mais votado do Brasil, provém de legitimar seu anseio por igualdade, o que em termos práticos quer dizer que a enorme massa de sem-terra, sem-teto, sem-emprego vê nele as chances de ter mais bens, e de ser mais respeitada. O problema, aqui, é que numa sociedade complexa como a moderna não existe mais um demos único, um povo como aquele com quem sonharam os românticos e os marxistas, mas uma série de pequenos demoi, de sub-povos. Cada um deles – sem-terra, feministas, gays, desempregados, funcionários públicos, comunidade acadêmica – mobiliza-se com uma intensidade e mesmo organicidade comparáveis às do antigo demos grego, mas o problema é que cada um deles é uma parte, e nem mesmo sua soma faz algo que possamos chamar o povo.
(senador Arthur Virgílio.kkkkk)


Já o discurso do PSDB, estes anos em que esteve no governo, era o da governabilidade. Certo dia, quando o Supremo Tribunal Federal deu ganho de causa a funcionários que reclamavam uma reposição salarial, o presidente Fernando Henrique teria dito: "Eles não pensam no Brasil". Essa preocupação com o todo, com a res publica, marcou o discurso tucano. Levou-o, porém, a dois problemas cruciais. O primeiro: ele passou a sistematicamente desqualificar a prática democrática realmente existente, isto é, a dos movimentos sociais, os sub-povos de que falei e entre os quais o PT navega como peixe n’água. Uma clara ruptura se inscreveu assim entre o PSDB e os movimentos que são realmente sociais e democráticos, os quais ele denunciou, o tempo todo, como corporativistas. Não fez então o que podia e devia ter feito, e que o PT deverá fazer, isto é, apostar na mobilização popular e procurar melhorá-la: só tentou acabar com ela, desde a greve de petroleiros que iniciou o governo FHC e que este fez questão de quebrar.
Segundo problema tucano: na ausência de apoio dos movimentos sociais de perfil democrático, a racionalidade que ele assumiu como discurso republicano foi a do capital. Os mercados passaram a ser o sujeito mais respeitado nas preocupações economicistas do governo. Só vale a pena notar que nos últimos meses, quando a derrota nas eleições presidenciais parecia se consolidar, até o presidente e o ministro da Fazenda começaram a criticar os mercados, dizendo-o irracional. Antropomorfizaram-no, chamando-o de nervoso, mas mesmo assim continuavam considerando legítimo acalmá-lo, ainda que a alto custo para o país.



O que estou chamando de ponto de vista republicano, à diferença do democrático, alguns ideólogos tucanos preferiram entender, ou subentender, segundo uma linguagem hegeliana. O que denomino res publica seria, então, o universal; já os movimentos sociais se condenariam à particularidade. Se quiséssemos usar essa terminologia, o que diríamos é que os tucanos acabaram chamando de universal também uma particularidade, até menos legítima que a das corporações mobilizadas, que é a do capital, em especial financeiro. E terá sido essa a causa de seu fracasso. Ou seja, os temas republicanos ficaram mais no discurso do que na prática. Enquanto o PT, do lado da oposição e em seus governos locais, de modo geral apostou numa real prática democrática (mobilizando os desejantes em torno de seus anseios), o PSDB, nos governos mais poderosos, não chegou a resgatar a política e a sociedade brasileiras da hipoteca do capital financeiro.
É essa diferença que explica o antagonismo de nossos melhores partidos. Muitos de nós lastimamos, desde 1994, que eles ficassem em campos opostos – até porque, se nas eleições federais o centro (o PSDB) se aliava com a direita (o PFL que rompeu com a ditadura bem no final, mas também o PPB dos ditatoriais não arrependidos), no segundo turno das eleições estaduais e municipais houve muitas vezes a tendência de se repetir o arco de alianças da época da ditadura, isto é, a direita de um lado, o centro e a esquerda de outro . Na eleição para a presidência, na qual o principal tema é a economia, o centro e a direita se uniram desde 1994 em torno de uma agenda liberal, ao passo que nas formas de sociabilidade mais imediatas, visíveis nos planos estadual e municipal, demarcam-se nitidamente as convicções da direita, por um lado, e do centro e da esquerda, por outro. Por isso mesmo, muitos acreditavam que o ideal para a esquerda era ir comendo o mingau pelas bordas – isto é, eleger mais e mais prefeitos e governadores de Estado, formando uma aliança on the spot com o centro, treinando administradores e políticas públicas, para então (em 2006) lançar-se à presidência, partindo de um patamar mais consolidado. Não foi o que aconteceu. A estratégia de Lula deu certo, unindo os descontentes por seus desejos. Aliás, a impressão durante a campanha era que, para tanto, o PT sacrificara seus outros candidatos; vimos que não foi isso o que aconteceu, porque ele terminou por formar a maior bancada federal , por ser o único partido presente em todas as assembléias estaduais e por concorrer com chances razoáveis a vários governos de Estado.
Se podemos fazer prognósticos (podemos, claro; a dúvida é se eles terão algum sentido), serão os seguintes. O grande desafio do PT será totalizar os desejos dos vários sub-povos em que se divide uma sociedade complexa. (Foi a incapacidade do partido para conciliar os desejos dos trabalhadores dos transportes coletivos e os da população que levou o PT a perder a prefeitura de São Paulo para Maluf, em 1992, iniciando oito anos de péssima gestão da direita na maior cidade brasileira). Precisará postergar a satisfação de desejos, deverá forjar um discurso republicano que, até agora, foi a marca registrada mais do PSDB do que a sua.
Por outro lado, a direita nostálgica da ditadura sofreu um rude golpe, com a derrota de Maluf em S. Paulo, que nem chegou a ir para o segundo turno. Líderes importantes da direita, como ele e o baiano Antonio Carlos Magalhães, desde algum tempo já não têm dimensão nacional, mas apenas estadual. A direita nem teve candidato à presidência, este ano. E tanto no Brasil quanto em seu Estado mais rico, para não dizer em outros, a oposição relevante passou a ser entre PT e PSDB (no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, o PMDB local está mais próximo da seriedade tucana do que do condomínio de interesses regionais em que o grande partido da resistência à ditadura se converteu no país afora). É claro que isso tende a afastar nossos dois melhores partidos, mas por outro lado fez e talvez continue fazendo que os dois lugares principais do espectro político sejam ocupados por lideranças de melhor qualidade que as outras. De passagem, cabe notar que em 2000 alguns comentadores incluíam o PFL entre os partidos de real perfil ideológico e de forte presença política. Nos dois últimos anos, uma sucessão de trapalhadas levou, primeiro, seu cacique Antonio Carlos Magalhães a perder a influência nacional e, depois, sua governadora do Maranhão, Roseana Sarney, a perder a candidatura à presidência. Mas estas circunstâncias provavelmente não foram causa, mas sintoma, de estar esse partido, liderado por oligarquias regionais, perdendo o pé na política brasileira. Em suma: se não houver desastres econômicos, o que infelizmente depende relativamente pouco de Lula, porque nisso é enorme a influência internacional e especulativa, os próximos anos podem ser muito ricos para a democracia brasileira.



Tuesday, November 27, 2007

entrevista Lee Smolin 27/11/07

Pergunta: Em seu livro você diz que o pessoal da Teoria de Cordas controla perto de 95% das posições acadêmicas nos Estados Unidos. Contabiliza que oito das nove premiações do MacArthur Fellowship desde 1981 foram para teóricos de cordas. E que 20 entre 22 professores efetivados em Harvard, Berkeley, Caltech, MIT, Princeton e Stanford após 1981 são da ala das cordas. Como você avalia esse controle? Smolin: A palavra controle é muito forte. Mantenho a precisãodesses números citados no meu livro. Mas controle é uma palavra forte porque os departamentos votam nas indicações e nesses casos os experimentalistas geralmente dominam. Portanto a avaliação é que eles influenciam, não controlam. Pergunta: Essa tendência é mundial?Smolin: Não, não é a mesma mundialmente. É diferente em países diferentes. Na América Latina há uma boa diversidade de teóricos e algumas pessoas muito boas produzindo.Pergunta: Esse é um cenário para a teoria de altas energias ou abrange também outros ramos como a física experimental, física matemática ou matéria condensada? Smolin: A questão que levanto refere-se apenas à teoria de alta energia. Não conheço outras áreas o suficiente para comentar.


Pergunta: Você acha que as universidades deveriam adotar algum tipo de “ação afirmativa”, como o sistema de quotas para minorias discriminadas, para restaurar a diversidade na física teórica? Smolin: Ação afirmativa não seria o termo adequado. Melhor dizer que o objetivo seria diversificar potencializar os investimentos de riscos na vanguarda da ciência. É preciso um análogo do capital de risco que deliberadamente apóie direções novas e emergentes na pesquisa. Pergunta: Porque você argumenta em seu livro que o impasse teórico da física é uma questão democrática? Smolin: Porque a comunidade científica é um modelo para a sociedade governada por argumentos racionais originário das evidências. Isso é análogo à democracia. Por exemplo, ambas exigem agir em boa fé dentro das regras de evidência e respeito aos que discordam de você. Pergunta: Você vê esse tipo de comportamento nos grandes centros experimentais como o CERN ou o Fermilab?Smolin: Não, os grupos teóricos nesses casos são orientados para a fenomenologia, como deve ser. (No enfoque fenomenológico os cientistas estão focados em abordagens específicas e não teorias gerais) Pergunta: Você tem esperanças de que essas experiências fenomenológicas no Grande Colisor de Hadrons (o LHC) a partir do ano que vem resolvam as diferenças com a Teoria de Cordas?Smolin: A teoria de cordas não faz previsões definidas para os resultados do LHC, portanto eles não vão dar evidências diretas contra ou a favor desse enfoque. Como eu argumento no meu livro a Teoria de Cordas tem algumas características gerais compartilhadas com outras teorias que podem ser descobertas no LHC. A supersimetria, por exemplo. Também há a possibilidade de detectar evidências de outras dimensões. Como esses aspectos são compartilhados com outras teorias e porque a Teoria de Cordas não faz nenhuma previsão definida, o LHC não vai fornecer a confirmação ou falsificação da Teoria de Cordas. Pergunta: A teoria da Gravitação Quântica de Laços que você desenvolve poderá se revelar nos experimentos do LHC? Smolin: Não. Pergunta: O livro Universo Elegante, de Brian Greene, o principal divulgador da Teoria de Cordas para o público em geral, foi um best-seller o Brasil, vendido como divulgação das fronteiras da ciência em não como proselitismo da teoria de cordas. Ele é acusado de ser o principal difusor do que seria um modismo intelectual. Como você avalia a obra de Greene, que vendeu mais de um milhão de livros no mundo todo? Smolin: É um livro muito bom. A única falha é que ele não tem um retrato verdadeiro das pesquisas, por não mencionar as abordagens da gravidade quântica. Seu segundo livro (O Tecido do Cosmo) é bem melhor nesse aspecto.Pergunta: Alguém citado anonimamente em seu livro diz que possivelmente os humanos não estariam equipados para entender o sentido da Teoria de Cordas tanto quanto cães não poderiam aprender mecânica quântica. Porque você tem esperanças de que nossos cérebros sejam adequados para essa empreitada? Smolin: Penso que nossos potenciais racionais são genéricos. Qualquer coisa que seja logicamente estruturada está aberta ao nosso entendimento.



entrevista Richard Ellis 27/11/07

Amazon.com: Diga-nos como você se interessou pela primeira vez por biologia marinha. Você por acaso gastou muito tempo na praia quando era garoto? Ou em barcos? Richard Ellis: Eu cresci na praia em Long Island, em New York, portanto passei muito tempo na praia. Eu sabia que existiam lá fora peixes, tubarões, mães-d’água, etc., mas eu não desenvolvi um interesse profissional em biologia marinha até ter saído do Exército (no Havaí, onde também havia muitas praias) e ter ido trabalhar na Academia de Ciências Naturais (Academy of Natural Sciences) da Philadelphia. Eu era designer de exposições, e fazia um pouco de tudo, inclusive pesquisa e textos para as exposições. Amazon.com: Você sai muito em trabalhos de campo hoje, ou a maior parte do seu trabalho é feita em bibliotecas e coleções de museus? Ellis: Eu “saio a campo” atualmente, mas não da maneira que você poderia imaginar. Eu hoje sou pesquisador assistente no Museu Americano de História Natural (American Museum of Natural History), em New York, e, entre outras coisas, eu sou palestrante nas viagens que o museu chama de “Turnês de Descoberta”. Nos últimos anos, eu fui à Antártica três vezes, ao Pólo Norte, Islândia, Baixa Califórnia, Alaska, Austrália, etc., e, no mês passado, liderei uma viagem do Museu para as Ilhas Kurie, o Kamchatka as Aleutas. No ano que vem, irei para o Mar de Berings e os Pribilofs. Eu acabo vendo muito da vida marinha nestas viagens, mas a pesquisa que fiz de fato para o Aquagenesis foi conduzida em bibliotecas e online. Amazon.com: Suas maravilhosas ilustrações científicas enfeitam as páginas de Aquagenesis. Quando e como você se tornou um artista, além de um cientista? Ellis: Eu sempre ilustrei os livros que escrevi. Meu primeiro livro foi “O Livro dos Tubarões” (The Book of Sharks), publicado em 1976, e eu fiz uma série de pinturas coloridas de diversas espécies de tubarões. Para os livros “O Livro das Baleias” (The Book of Whales, 1980) e “Golfinhos e Botos” (Dolphins and Porpoises, 1982), eu fiz pinturas coloridas e também todos os desenhos em preto-e-branco que foram necessários. Sempre que eu penso que uma ilustração pode ajudar a explicar um ponto específico, ou mostrar como um animal se parece, eu faço o desenho. Em muitos dos meus livros mais recentes, como “Monstros do Mar” (Monsters of the Sea), “Imaginando Atlantis” (Imagining Atlantis) e “Em Busca da Lula Gigante” (The Search for the Giant Squid), parecia ser mais adequado usar gravuras anteriores ou fotografias de outros autores. Para minha “Enciclopédia do Mar” (Encyclopedia of the Sea, 2000), eu enlouqueci e desenhei cerca de 450 animais diferentes: tubarões, baleias, focas, leões marinhos, lulas, polvos, anêmonas marinhas, pinguins, corais, albatrozes, gaivotas, tartarugas marinhas, etc., etc. Os desenhos de Aquagenesis foram particulamente difíceis, porque muitas das criaturas extintas são conhecidas apenas pelos fósseis, e eu precisava reconstruí-las de modo que parecessem animais vivos. Amazon.com: Qual é a relevância do estudo da evolução vida marinha para os organismos terrestres? Será que a perda de biodiversidade sobre a terra também ocorre no mar? Ellis: A evolução da vida marinha está direta e inequivocamente conectada com a evolução dos animais terrestres, pois todas as criaturas terrestres podem buscar seus ancestrais nos animais marinhos. Mas Aquagenesis, além de ser um livro sobre esta seqüência evolutiva, também é sobre as impressionantes mudanças de rumo em toda a história evolucionária. Muitas criaturas, tendo abandonado a água, por assim dizer, reverteram o processo e voltaram para a água. Baleias, golfinhos, focas, manatis, pinguins, tartarugas marinhas e cobras d’água são todos descendentes de antepassados terrestres, e a sua anatomia prova isso. Há até uma teoria de que o Homo sapiens passou por uma fase aquática antes de se desenvolver como estas criaturas sensíveis e maravilhosas que somos hoje. Quanto à redução da biodiversidade, ela afeta tanto as criaturas marinhas quanto as terrestres; a única diferença é que muitas daquelas estão fora de nossa visão.
Amazon.com: Você descreve alguns fósseis, como o Dickinsonia, que ainda intriga os cientistas. Porque estes fósseis são tão difíceis de classificar? Ellis: Dickinsonia, um membro de uma fauna de 500 milhões de anos que é conhecida por Ediacaran, é apenas um dentre vários fósseis que não podem ser facilmente comparados com nada do que conhecemos hoje. Ele era algo como uma panqueca (ou um capacho), sem cabeça ou cauda, mas não era uma planta e tinha quase um metro de diâmetro. Amazon.com: Um dos mais esquisitos fósseis que me vem à mente em Aquagenesis é o Helicoprion, o tubarão com um misterioso aparelho dentário. Qual é o mais maravilhoso e estranho animal que você encontrou, extinto ou remanescentes? Ellis: Bem, o Helicoprion, com seu aparelho dentário, é um deles, mas eu acho que a criatura mais esquisita discutida em Aquagenesis é o Odobenocetops, que era um tipo de baleia com uma única presa com um metro e meio de comprimento e que apontava para trás. Era como um narval, que ainda existe hoje, mas este tem um único corno de marfim que aponta para frente. Maravilhoso e estranho são duas coisas diferentes, é claro. Pense nas modificações evolucionárias que tiveram de ocorrer em um animal terrestre, de modo que ele se tornasse um golfinho-de-nariz-de-garrafa, sem qualquer vestígio de pernas, seu orifício nasal no topo da cabeça, capaz de mergulhar a até 300 metros, e com um sistema de comunicação de áudio mais sofisticado do que qualquer coisa que os humanos tenham conseguido produzir até o momento. Amazon.com: Onde você se posiciona no feudo atual entre os teóricos evolucionistas, como tipificado na disputa entre Stephen Jay Gould e Simon Conway Morris? Por que é tão fácil os cientistas que estão em ambos os lados da discussão evolucionária cairem em pura retórica? Ellis: O assunto em questão é saber se os seres humanos teriam evoluído caso houvesse um “soluço” na fita da evolução. Ambos têm ótimos argumentos, mas o fato de que estamos aqui me faz pender para a posição do Conway Morris. Se nós não estivéssemos aqui, quero dizer, se eu fosse uma criatura que se parece com uma panqueca, digitando estas respostas em uma mãe d’água, eu estaria mais inclinado a pensar que os humanos não são o resultado inevitável de 500 milhões de anos de evolução. As discussões sobre a evolução têm acontecido desde que Darwin escreveu “A Origem das Espécies” (The Origin of Species, em 1859) e já que muitos – como eu – acham que as questões sobre de onde nós (e tudo o mais) viemos e para onde estamos indo são questões importantes, ainda ouviremos muitas discussões bem sofisticadas. Amazon.com: A vida se moveu primeiro do mar para a terra, depois fez o caminho de volta. Por exemplo, você mostra no livro que as baleias descendem de algo que se parecia muito com um lobo. Por que retornar para o mar era uma vantagem para estas espécies? Ellis: Eu não faço idéia. Perguntas do tipo “por que” em biologia são geralmente difíceis de responder, exceto em termos tautológicos; ou seja, uma chita é um corredor veloz para que possa perseguir gazelas, e gazelas são rápidas para poderem escapar das chitas. Obviamente, isso não explica “porque” as gazelas são rápidas, mas apenas descreve uma modificação que se mostrou vantajosa. Amazon.com: Em seu livro Aquagenesis, você examina algumas das controvérsias inerentes às exibições, em museus, de criaturas fósseis. Como os curadores de museus decidem como dispor os esqueletos de vertebrados extintos? Ellis: Muitos ossos fósseis têm cicatrizes nos pontos em que os músculos eram ligados e, através da comparação entre os ligamentos de músculos e ossos em animais conhecidos, podemos ter uma noção de como o animal se movimentava. Além disso, um simples análise da estrutura óssea poderá dar alguma noção de que tipo de animal era. Algo construído como um crocodilo dificilmente poderia subir em árvores, e algo que não tenha pernas – como uma cobra ou uma baleia – não seria muito bom em corridas. Amazon.com: Será que os ancestrais dos seres humanos viveram na água por algum tempo? Quais são as evidências mais convincentes a favor e contra a hipótese do macaco aquático? Ellis: A favor: ausência de pêlos, gordura subcutânea, postura ereta, bípede, cérebro grande, nadador natural, capacidade da fala. Nenhuma destas foi ainda explicada. Elas simplesmente aconteceram. Contra: nenhuma, exceto o fato de que muito poucos paleontólogos da linha dominante o reconhecem. Amazon.com: Você claramente tem os cefalópodes em boa conta, animais que muitas pessoas tratam com certo nojo, na melhor das hipóteses. Diga-nos o que há de especial com uma lula. Ellis: A lula, e seus parentes próximos, os polvos, estão entre os mais fascinantes animais na face da Terra. Eles variam de tamanho, da lula gigante de vinte metros (Architeuthis), que ninguém jamais viu ainda viva, até a lula havaiana de cauda ondulada (Euprymna), com pouco mais de um centímetro, que captura bactérias bioluminescentes que fazem com que ela se acenda. No passado, os oceanos eram dominados por cefalópodes gigantes, como as amonitas com conchas de até 2 metros de comprimento, mas todos desapareceram atualmente, e nós não sabemos o que aconteceu com eles. Da mesma maneira que 99,9% de todas as espécies que um dia viveram na Terra também estão extintas – e, exceto nos casos das espécies que foram varridas daqui por asteróides ou por nós –, nós não sabemos o que aconteceu com eles também.

Jesus vai em um Rolls-Royce à igreja do Reverendo Dollar 27/11/07 por Jorge MAJFUD.

Em um movimento político pouco usual, o senador republicano por Iowa, Charles Grassley, iniciou uma investigação sobre possíveis práticas econômicas irregulares dos maiores telepastores dos Estados Unidos. Daí derivou-se o questionamento sobre um costume comum na maioria dos países do continente: as igrejas estão isentas de pagar impostos, enquanto seus líderes, pastores e empresários ficam cada dia mais ricos.
Este privilégio para as igrejas está ampardo, nos Estados Unidos e na América Latina, sob o aceito princípio de liberdade de religião. Não está claro, entretanto, porque o pagamento de impostos por uma igreja poderia significar um ataque à liberdade de culto. A prescrição de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus não ocorre nesses casos. Nem sequer quando o César é o próprio povo que deve trabalhar para manter essas fabulosas estruturas lucrativas. Em uma recente entrevista ao vivo por CNN (7 de novembro), Kyra Phillips e Don Lemon questionaram nosso vizinho de College Park, da Georgia, o multimilionário reverendo Creflo Dollar, por possuir dois Rolls-Royces, jatos privados, casas e apartamentos de vários milhões de dólares cada um, além de uma igreja multimilionária enriquecida pelas doações de ricos e pobres, muitos deles com sérias dificuldades econômicas.
Esses ministérios são qualificados como igrejas, e não estão obrigados a preencher declarações de impostos como sim devem fazê-lo outras non-profit organizations (organizações sem fins lucrativos). A tradição de justificar as riquezas materiais enquanto se predica o desprendimento do mundano para a salvação da alma é muito antiga. A Igreja católica tem sido — com exceções, como os teólogos da libertação e outros “padres de periferia”— há muito tempo, especialista na matéria. No caso das mega-igrejas protestantes, além de uma prática empresarial, a tradição está apoiada pela ética calvinista: a riqueza não é um obstáculo para entrar no Paraíso, mas uma prova das preferências de Deus, que resolveu castigar os pobres por sua pobreza. Este aspecto teológico é muito semelhante ao karma hindu, e seus resultados sociais também: a moral da alta casta é consumida, principalmente, pelas castas mais baixas. Em todo o caso, os pobres servem para que os ricos exerçam sua compaixão pagando periodicamente impostos morais que, mais tarde, servirão para financiar seu descanso no Paraíso.Um dos jornalistas de Atlanta recordou ao reverendo Dollar a recomendação que fez Jesus ao jovem rico que foi lhe pedir conselho, de se desprender de seus bens materiais para entrar no Reino dos Céus. Recomendação que terminou com a tristeza do homem rico e a observação do Mestre sobre a dificuldade que poderia ter para entrar no Céu, como a de um camelo que quisesse passar pelo buraco de uma agulha. Não obstante, o reverendo Dollar argumentou que se isso fosse exatamente assim, nenhum rico poderia entrar no Paraíso. Deste raciocínio se deduz que o Messias devia estar brincando ou talvez exagerasse um pouco. Está correto que o Filho de Deus baixou à terra com um montão de utopias subversivas, mas tampouco era para tanto. Com a realidade não se pode.
Citando artigo e versículo correspondente, o reverendo recordou que, na realidade, Jesus havia dito que para cada coisa que a pessoa se desprendesse receberia um prêmio multiplicado várias vezes. Alguns pensamos que Jesus se referia ainda a um prêmio moral ou ao Reino dos Céus; não ao Reino do Dinheiro. Mas sempre é tempo de aprender. Por essa nova razão teológica, segundo o Evangelho do Dinheiro, a riqueza de um homem com fé — com fé no Senhor — significa que foi premiado por seu hábito de se desprender generosamente de uma parte de suas posses. Não outra é a lógica da Bolsa de Valores: quem investe, separa-se de algo para multiplicá-lo. Nenhum empresário razoável espera investir um dólar em Wall Street, em Amsterdã ou em Xangai para receber um beijo ou a ascensão espiritual de que falava o Buda. Espera-se receber mais do mesmo: dinheiro, capitais, lucros financeiros. Aqui, os valores não são valores morais, nem um bem é o que se opõe ao mal.No século XVI, investir em indulgências significava que por alguns florins de ouro um violador podia obter o perdão do Vaticano e, conseqüentemente, o perdão de Deus. Mais antigo, e em curso, é a lavagem da consciência com o bom uso da esmola. A instituição da esmola é fundamental, porque o desprendimento deve ser voluntário e sem comprometer os ganhos. Como dizem muitos conservadores religiosos pela televisão, com sua eterna ansiedade proselitista, só assim, por um ato de vontade, prova-se a bondade do doador. Se a bondade passa pelo Estado, mediante a compulsiva cobrança de impostos aos ricos, estes eleitos de Deus, comete-se um sacrilégio. Deus não pode distinguir quem paga impostos de boa vontade e quem o faz com rancor. Tampouco Deus pode receber no Paraíso toda a Humanidade. Assim não vale. O Paraíso é um resort VIP com acesso limitado, não um direito democrático. Algumas igrejas, inclusive, definiram o número exato de membros possíveis. Como se no dia da criação da Humanidade, Deus houvesse se divertido imaginando um Inferno eterno onde arderiam suas pequenas criações, para regozijo de seus poucos preferidos, que contemplariam das alturas semelhante espetáculo de tortura coletiva, ou pior, virando a face ao horrível destino de seus irmãos.Não vamos dizer que necessitamos um Deus mais humanista, porque se supõe que existe Um só. Não vamos dizer a Deus o que tem de fazer. Em todo caso, não faria mal uma leitura mais humanista das Sagradas Escrituras para deixar de lhe atribuir condutas tão sectárias, materialistas e cheias de ódio ao criador de Tudo.O mexicano José Vasconcelos, fervoroso opositor da hegemonia norte-americana, recordou em “La raza cósmica”(1925) uma festa diplomática no Brasil: “Contrastou visivelmente a pobreza da recepção americana com o luxo de outras recepções; mas em honra da verdade, a mim parece admirável e digno de imitação o proceder ianque, pois os governos não têm o direito de fazer esbanjamentos com o dinheiro do povo”. Entretanto, assim como os Estados Unidos haviam sido fundados por revolucionários que se opunham à tradição monárquica e religiosa da Europa, e agora se identificam com os valores opostos do conservadorismo ortodoxo, assim também o original espírito “republicano”, que foi sinônimo de austeridade e democracia, hoje representa a ostentação e o elitismo. Assim também o cristianismo primitivo era todo ao contrário em comparação ao hoje triunfante cristianismo do imperador (São) Constantino.Quase ao final da entrevista, o jornalista lhe perguntou se pensava que Jesus teria passeado em um Rolls Royce, ao que o reverendo Dollar respondeu, com calma, algo assim como: “Penso que sim. Por que não? O Senhor andava em um burro no qual nenhum outro homem antes havia montado”.Deixo ao leitor que descubra a lógica deste reverendo raciocínio teológico.


Friday, November 23, 2007

estruturalismo e pós-estruturalismo 23/11/07 por Michael Peters.

Uma década de estruturalismo francês: 1958-1968.O estruturalismo francês tem sua origem na lingüística estrutural, tal como desenvolvida por Ferdinand de Saussure e por Roman Jakobson, na virada do século. Saussure ministrou um curso sobre lingüística geral, de 1907 a 1911; morreu em 1913. Seus alunos publicaram, em 1916, o livro Cours de linguistique, reconstituído a partir de suas anotações de aula. O Cours de linguistique concebia a linguagem como um sistema de significação, vendo seus elementos de uma forma relacional. Saussure distingue sua abordagem "científica" ou sincrônica do estudo diacrônico, histórico, das línguas, então dominante, ao fazer uma distinção entre la parole (a fala real ou os eventos de fala) e la langue (o sistema formal de linguagem governa os eventos de fala). Saussure estava interessado na função dos elementos lingüísticos e não em sua causa. Por exemplo, ele definia a "palavra" como um "signo", formado por conceito e som - o significado e o significante. Nenhum deles causa o outro; em vez disso, eles estão funcionalmente relacionados: um depende do outro. A identidade é definida de forma relacional, puramente como uma função das diferenças no interior do sistema. A relação entre significado e significante é inteiramente arbitrária. Saussure fala da "natureza arbitrária do signo". Não existe nada no mundo que faça com que um som seja associado com um conceito particular, o que é demonstrado pelo fato de que diferentes línguas têm diferentes significantes para o mesmo significado (ou conceito). Uma das características que distingue a lingüística de Saussure, constituindo um avanço em relação à gramática comparativa da época, é sua ênfase na autonomia do sistema, visto como um todo que compreende e organiza elementos fônicos e semânticos não diretamente acessíveis à experiência sensória. Jonathan Culler (1976, p. 49) assim descreve a concepção estruturalista de linguagem desenvolvida por Saussure:Não se trata simplesmente do fato de que a língua é um sistema de elementos que são inteiramente definidos por suas mútuas relações no interior do sistema, embora isso seja verdade, mas do fato de que o sistema lingüístico é constituído por diferentes níveis de estrutura; em cada nível, podem-se identificar elementos que contrastam e se combinam com outros elementos para formar unidades de nível superior, mas os princípios estruturais em cada nível são fundamentalmente os mesmos. Parte do legado saussureano consiste no fato de que, como o pai da lingüística moderna, Saussure estabeleceu uma ciência geral dos signos, dando ao estudo da linguagem, considerada como um sistema de signos, uma firme base metodológica e promovendo a semiologia - como disse ele, o "estudo da vida dos signos na sociedade" - a uma posição central nas ciências humanas (GADET, 1989). Foram, entretanto, Roman Jakobson e o vínculo que ele criou entre, de um lado, a lingüística e a Genebra de Saussure e, de outro, o formalismo que florescia em Moscou, que se mostraram os fatores decisivos para tornar as visões de Saussure mais amplamente conhecidas, fazendo nascer o estruturalismo do século XX (SELDEN, 1995).


Roman Jakobson é uma figura central no desenvolvimento histórico da lingüística estrutural. Ele foi instrumental no estabelecimento do Formalismo Russo, ajudando a fundar tanto o Círculo Lingüístico de Moscou quanto a Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética (OPOJAZ), em São Petersburgo, antes de se mudar para a Checoslováquia, em 1920, para fundar o Círculo Lingüístico de Praga. Os anos formativos de Jakobson foram bastante influenciados pela tradição da Escola Kazan, por Saussure (cujo trabalho foi levado a Moscou por Sergej Karcevskij, em 1917) e pela forte tradição russa das dialéticas hegeliana e pós-hegeliana. Linda R. Waugh e Monique Monville-Burston (1990, p. 4) sugerem que "a influência mais forte sobre o pensamento de Jakobson foi o agitado movimento artístico do início do século XX, sobretudo as obras da avant-garde literária e artística: Picasso, Braque, Stravinsky, Joyce, Xlebnikov, Le Corbusier".Jakobson ajudou, em 1926, a fundar o Círculo Lingüístico de Praga, tendo atuado como seu vice-presidente até sua partida da Checoslováquia, em 1939. Foi Jakobson que primeiramente cunhou, em 1929, o termo "estruturalismo", para designar uma abordagem estruturo-funcional de investigação científica dos fenômenos, cuja tarefa básica consistiria em revelar as leis internas de um sistema determinado. Jakobson (1973), após o sucesso do Primeiro Congresso Eslavo Internacional de Praga, expressou seu programa nestes termos:Se tivermos que escolher um termo que sintetize a idéia central da ciência atual, em suas mais variadas manifestações, dificilmente poderemos encontrar uma designação mais apropriada que a de estruturalismo. Qualquer conjunto de fenômenos analisado pela ciência contemporânea é tratado não como um aglomerado mecânico mas como um todo estrutural, e sua tarefa básica consiste em revelar as leis internas - sejam elas estáticas, sejam elas dinâmicas - desse sistema. O que parece ser o foco das preocupações científicas não é mais o estímulo exterior, mas as premissas internas do desenvolvimento: a concepção mecânica dos processos cede lugar; agora, à pergunta sobre suas funções.
Jakobson enfatiza que o Círculo Lingüístico de Praga está estreitamente ligado às correntes contemporâneas tanto da Lingüística ocidental quanto da lingüística russa: "as realizações metodológicas da lingüística francesa", a fenomenologia alemã (Husserl) e a pretendida síntese das escolas polonesa (de Courtenay) e russa (Fortunatov). É importante observar que Jakobson definiu sua teoria da estrutura da linguagem em contraste com a de Saussure, que ele considerava tanto demasiadamente abstrata quanto demasiadamente estática. Jakobson tratou as formulações dicotômicas (langue/parole, sincronia/diacronia) de Saussure de uma forma dialética, insistindo na estreita relação entre forma e significado, em uma situação de sincronia dinâmica (WAUGH & MONVILLE-BURSTON, 1990, p. 9).

Foi ao encontrar Jakobson, em Nova York, na New School for Social Science Research, no início dos anos 40, que Lévi-Strauss ficou conhecendo, por seu intermédio, a lingüística estrutural, publicando depois, em 1945, pela primeira vez, um artigo relacionando a lingüística estrutural com a etnologia, na recém-fundada revista de Jakobson, Word. Esse artigo se tornou um dos capítulos iniciais do livro Anthropologie Structurale, publicado em 1958, livro que era composto de uma coleção de artigos escritos em 1944 e 1957. Lévi-Strauss (1968, p. 21) reconhece sua dívida para com Saussure e Jakobson e trata de descrever seu método antropológico por meio da noção central de estrutura inconsciente:Se, como cremos, a atividade inconsciente do espírito consiste em impor formas a um conteúdo, e se as formas são fundamentalmente as mesmas para todos os espíritos, antigo e moderno, primitivo e civilizado [...] é preciso e basta atingir a estrutura inconsciente, subjacente a cada instituição ou a cada costume, para obter um princípio de interpretação válido para outras instituições e outros costumes.Lévi-Strauss (1968, p. 33) sugere que podemos chegar à estrutura inconsciente por meio do emprego do método estrutural desenvolvido pela lingüística estrutural, argumentando que a fonologia (leia-se "lingüística estrutural") "não pode deixar de desempenhar perante as ciências sociais o mesmo papel renovador que a física nuclear, por exemplo, desempenhou no conjunto das ciências exatas". Ele define o método estrutural de acordo com a declaração programática feita por Nikolai Trubetzkoy (um dos membros da Escola Lingüística de Praga) em sua obra seminal, Princípios de fonologia:Em primeiro lugar; a fonologia lingüística estrutural passa do estudo dos fenômenos lingüísticos conscientes para o estudo sua infraestrutura inconsciente; em segundo lugar, ela se recusa a tratar os termos como entidades independentes, tomando, ao contrário, como base de sua análise as relações entre os termos; em terceiro lugar, ela introduz a noção de sistema; finalmente, ela visa à descoberta das leis gerais, quer encontradas por indução, quer deduzidas logicamente. (p. 33) Utilizando esse método, Lévi-Strauss (1968, p. 34) sugere que as ciências sociais devem ser capazes de formular relações necessárias e que "novas perspectivas se abrem", permitindo que o antropólogo estude sistemas de parentesco da mesma forma que o lingüista estuda fonemas: "tal como os fonemas, os termos de parentesco são elementos de significação; tal como os fonemas, eles só adquirem esta significação sob a condição de se integrarem em sistemas". Os sistemas de parentesco, tal como os sistemas fonológicos, "são elaborados pelo espírito no estágio do pensamento inconsciente". Três anos mais tarde, em 1961, em suas conferências inaugurais no Collège de France, Lévi-Strauss reconhecerá publicamente sua dívida para com Saussure e definirá a antropologia como um ramo da semiologia.
Após a publicação de Anthropologie structucturale, a revolução estruturalista floresce na França, especialmente durante os anos 60: Roland Barthes, iniciado na lingüística por A. J. Greimas, no início dos anos 50, publica sua Mythologies em 1957 e torna-se Directeur d'études, em "sociologia dos signos, dos símbolos e das representações", da École des Hautes Études, em 1962; o jornal literário de vanguarda Tel Quel é fundado, em 1960, por Philippe Sollers; Michel Foucault publica Folie et deraison: histoire de la folie à l'âge classique, em 1961; em 1963, Louis Althusser convida Jacques Lacan para dar seu seminário na École Normale, iniciando um produtivo diálogo entre o marxismo e a psicanálise; o ano de 1966 vê a publicação do livro Pour Marx, de Louis Althusser, do Les mots et les choses, de Foucault, e dos Écrits, de Lacan (DOSSE, 1997).
Jean Piaget, o psicólogo, publica seu livro Le structuralisme (1968), no momento final da explosão estruturalista na França, quando o estruturalismo já tinha se identificado com atitudes políticas ultrapassadas e suspeitas. Muitos interpretaram os eventos espontâneos do Maio de 68 como uma refutação da crítica que o estruturalismo fazia ao humanismo burguês. O livro de Jean Piaget é, entretanto, interessante e também útil por sua definição do estruturalismo:
Em uma primeira aproximação, podemos dizer que uma estrutura é um sistema de transformações. Na medida em que é um sistema e não uma simples coleção de elementos e de suas propriedades, essas transformações envolvem leis: a estrutura é preservada ou enriquecida pelo próprio jogo de suas leis de transformação que nunca levam a resultados externos ao sistema nem empregam elementos que lhe sejam externos. Em suma, o conceito de estrutura é composto de três idéias-chave: a idéia de totalidade, a idéia de transformação e a idéia de auto-regulação. (PIAGET, 1971, p. 5)
A idéia de totalidade surge da distinção entre estruturas e agregados. Apenas as estruturas podem ser consideradas como totalidades, enquanto os agregados são formados de elementos que são independentes dos complexos nos quais eles entram: "os elementos de uma estrutura estão subordinados a leis e é nos termos dessas leis que a estrutura qua totalidade ou sistema é definida" (p. 7). A natureza dos todos estruturais depende de suas leis de composição que, por sua vez, governam as transformações do sistema, sejam elas matemáticas (por exemplo, 1+1 "fazem" 2), sejam elas temporais. A idéia de auto-regulação implica tanto uma automanutenção quanto um fechamento e Piaget menciona três mecanismos básicos de auto-regulação: ritmo (como em biologia), regulação (no sentido cibernético) e operação (no sentido da lógica).
Piaget discute, então, os seguintes temas: as estruturas matemáticas; as estruturas físicas e biológicas; as estruturas psicológicas (a psicologia da Gestalt, a gênese da inteligência); o estruturalismo lingüístico (incluindo a gramática generativa de Chomsky); a análise estrutural nas ciências sociais (centrando-se na antropologia estrutural de Lévi-Strauss); e, finalmente, o estruturalismo e a filosofia. No capítulo 7, "Estruturalismo e filosofia", Piaget (1971, p. 120) discute as relações entre o estruturalismo e a dialética: "Na medida em que se opta pela estrutura e se desvaloriza a gênese, a história e a função ou até mesmo a atividade do próprio sujeito, não se pode deixar de entrar em conflito com os princípios centrais dos modos dialéticos de pensamento". Nesse contexto, Piaget entra, primeiramente, no debate entre Lévi-Strauss e Sartre, para concluir que não existe qualquer conflito inerente entre estruturalismo e dialética e, em segundo lugar, define o livro de Foucault, Les mots et les choses, como um "estruturalismo sem estruturas", buscando demonstrar que "não pode existir um estruturalismo coerente à parte do construtivismo" (p. 135). Ele sugere que, em vez de postular estruturas, Foucault fala de epistemes ligadas à linguagem e que, para Foucault, as ciências humanas não passam de resultados de mutações de epistemes que se seguem umas às outras no tempo, sem qualquer seqüência pré-ordenada ou necessária. Essa arqueologia das ciências humanas decreta o fim do homem. Em sua conclusão, Piaget discute especificamente essa pane mais radical do trabalho de Foucault. Ele argumenta que as "estruturas" não mataram o homem, nem aniquilaram as atividades do sujeito. [...] Em primeiro lugar, convém distinguir entre o sujeito individual [...] e o sujeito epistêmico [...]. Em segundo lugar, é preciso separar a tomada de consciência, sempre fragmentária e, com freqüência deformante, daquilo que o sujeito consegue fazer em suas atividades intelectuais: dessas últimas ele conhece apenas seus resultados, mas não seus mecanismos. (PIAGET, 1971, p. 139) Foucault, em uma rara entrevista, na qual discute diretamente a.questão do estruturalismo e do pós-estruturalismo, deixa claro que o estruturalismo não era uma invenção francesa e que o momento francês do estruturalismo durante os anos 60 deveria ser visto, de forma apropriada, contra o pano de fundo do formalismo europeu. Foucault sugere que, à parte aqueles que aplicaram métodos estruturais na lingüística e na mitologia comparativa, nenhum dos protagonistas do movimento estruturalista sabia muito bem o que estava fazendo. Embora Foucault (1983, p. 205) declare nunca ter sido um estruturalista, ele reconhece que o problema discutido pelo estruturalismo era um problema muito próximo de seus interesses tais como ele os definiu em várias ocasiões: "o problema do sujeito e de sua reformulação".Para Foucault, as investigações estruturalistas, muito diversas sob outros aspectos, convergiam em um único ponto: sua oposição filosófica à "afirmação teórica do primado do sujeito", que tinha sido dominante na França desde a época de Descartes e que tinha servido de postulado fundamental para uma ampla gama de abordagens filosóficas, dos anos 30 aos 50, incluindo o existencialismo fenomenológico, "uma espécie de marxismo às voltas como conceito de alienação" (FOUCAULT, 1991, p. 86), e as tendências no campo da psicologia que negam o inconsciente. Ele também se refere ao "problema do estruturalismo" na França como uma conseqüência de problemas mais importantes na Europa Oriental, uma história mais profunda, à qual a maior parte da comunidade acadêmica francesa estava cega (FOUCAULT, 1991, p. 88). E contudo, ele sugere, os comunistas e outros marxistas tinham tido a premonição de que o estruturalismo estava preste a dar um fim à cultura marxista tradicional na França: "uma cultura de esquerda que não fosse marxista estava prestes a surgir" (FOUCAULT, 1991, p. 90).A posição de Foucault relativamente ao marxismo era uma posição influenciada por questões bastante locais: ele estava reagindo ao Partido Comunista Francês, de inclinação stalinista, e ao domínio filosófico de um marxismo existencialista, durante os anos 40 e 50. Abstraindo-se essas questões locais, entretanto, pode-se afirmar que não existe nada de necessariamente antimarxista ou pós-marxista seja no pós-modernismo, seja no pós-estruturalismo. Na verdade, da mesma forma que Louis Althusser fez uma leitura estruturalista de Marx, é possível fazer uma leitura pós-estruturalista, desconstrutivista ou pós-modernista de Marx. Na verdade, o marxismo estruturalista althusseriano teve urna enorme influência sobre a geração de pensadores que nós agora chamamos de "pós-estruturalistas" e cada um deles, à sua própria maneira, acertou suas contas com Marx: vejam-se, por exemplo, as Observações sobre Marx (1991) que Foucault fez em entrevista com o marxista italiano Duccio Trombadori; ou os Espectros de Marx, de Derrida (1994); ou a tese da mercantilização "marxista" no livro de Lyotard, A condição pós-moderna. No período que antecedeu sua morte, Deleuze estava escrevendo um livro sobre Marx - ele se via, claramente, como um tipo de marxista (DELEUZE, 1995, p. 171). Todos esses pós-estruturalistas vêem a análise do capitalismo como um problema central: eles tentam compreender a forma pela qual o capitalismo se transforma para não ter que agir contra suas próprias limitações, "decodificando" a nova axiomática capitalista que governa um sistema financeiro global, claramente evidente nas "sociedades de controle" baseadas em uma economia simbólica (JAMESON, 1997).
A emergência do pós-estruturalismo
O pós-estruturalismo pode ser caracterizado como um modo de pensamento, um estilo de filosofar e uma forma de escrita, embora o termo não deva ser utilizado para dar qualquer idéia de homogeneidade, singularidade ou unidade. O termo "pós-estruturalismo" é, ele próprio, questionável. Mark Poster (1989, p. 6) observa que o termo "pós-estruturalismo" tem sua origem nos Estados Unidos e que a expressão "teoria pós-estruturalista" nomeia uma prática tipicamente estadunidense, uma prática baseada na assimilação do trabalho de uma gama bastante diversificada de teóricos. De forma mais geral, podemos dizer que o termo é um rótulo utilizado na comunidade acadêmica de língua inglesa para descrever uma resposta distintivamente filosófica ao estruturalismo que caracterizava os trabalhos de Claude Lévi-Strauss(antropologia), Louis Althusser (marxismo), Jacques Lacan (psicanálise) e Roland Barthes (literatura).
Manfred Frank (1988), um filósofo alemão contemporâneo, prefere o termo"neoestruturalismo", enfatizando, assim, uma continuidade com o "estruturalismo", tal como o faz John Sturrock (1986, p. 137) que, centrando-se em Jacques Derrida, "o" pós-estruturalista (o crítico mais agudo e de maior peso que o estruturalismo teve) - interpreta o "pós" da expressão "pós-estruturalismo" como nomeando algo que "vem depois e que tenta ampliar o estruturalismo, colocando-o na direção certa". Segundo Sturrock, "o pós-estruturalismo é uma crítica ao estruturalismo, feita a partir ele seu interior: isto é, ele volta alguns dos argumentos do estruturalismo contra o próprio estruturalismo e aponta certas inconsistências fundamentais em seu método, consistências que os estruturalistas ignoraram". Richard Harland (1987), em contraste, cunha o termo "superestruturalismo" como uma espécie de expressão "guarda-chuva", tendo como base um quadro de pressupostos subjacentes, comuns a "estruturalistas, pós-estruturalistas, semióticos (europeus), marxistas althusserianos, lacanianos, foucaultianos et alii" (HARLAND, 1993, p. ix-x). Todas essas expressões ("pós-estruturalismo", "neoestruturalismo" e "superestruturalismo") mantêm como central a proximidade histórica, institucional e teórica ao movimento do "estruturalismo". Assim, o termo exibe uma certa ambigüidade: ele nomeia o novo, timidamente e sem grande confiança, simplesmente distinguindo-o do passado. Existem importantes afinidades entre formas de estruturalismo e pós-estruturalismo, bem como inovações teóricas distintas, como veremos mais adiante.
Entretanto, o pós-estruturalismo não pode ser simplesmente reduzido a um conjunto de pressupostos compartilhados, a um método, a uma teoria ou até mesmo a uma escola. E melhor referir-se a ele como um movimento de pensamento - uma complexa rede de pensamento – que corporifica diferentes formas de prática crítica. O pós-estruturalismo é, decididamente, interdisciplinar, apresentando-se por meio de muitas e diferentes correntes.Como uma atividade francesa e predominantemente parisiense, o pós-estruturalismo de primeira geração é inseparável do milieu intelectual imediato que predominou na França do pós-guerra, em uma história dominada por forças intelectuais variadas: o legado das interpretações "existencialistas" da Fenomenologia de Hegel, feitas por Alexander Kojéve e Jean Hyppolite; a fenomenologia do Ser de Heidegger e o existencialismo de Sartre; a redescoberta e a "leitura" estruturalista de Freud, feitas por Lacan; a onipresença de Georges Bataille e Maurice Blanchot; a epistemologia radical de Gaston Bachelard e os estudos da ciência de Georges Canguilhem. Provavelmente o mais importante é que o pós-estruturalismo inaugura e registra a recepção francesa de Nietzsche, o qual forneceu as fontes de inspiração para muitas de suas inovações teóricas. E também decisiva para a emergência do pós-estruturalismo, sem dúvida, a interpretação que Martin Heidegger (1991/1961) fez de Nietzsche, bem como as leituras de Nietzsche feitas por Deleuze, Derrida, Foucault, Klossowski e Koffman, desde o início dos anos 60 até os anos 70 e 80. O pós-estruturalismo é inseparável também da tradição estruturalista da lingüística baseada no trabalho de Ferdinand de Saussure e de Roman Jakobson, bem como das interpretações estruturalistas de Claude Lévi-Strauss, Roland Barthes, Louis Althusser e Michel Foucault (da primeira fase). O pós-estruturalismo, considerado em termos da história cultural contemporânea, pode ser compreendido como pertencendo ao amplo movimento do formalismo europeu, com vínculos históricos explícitos tanto com a lingüística e a poética formalista e futurista quanto com a avant-garde artística européia.Foi, sem dúvida, central para a emergência do pós-estruturalismo a redescoberta, por um grupo de pensadores franceses, da obra de Friedrich Nietzsche. Foram importantes também a interpretação que Martin Heidegger fez dessa obra, bem como as leituras estruturalistas tanto de Freud quanto de Marx. Considerava-se que, enquanto Marx havia privilegiado a questão do poder e Freud havia dado prioridade à idéia de desejo, Nietzsche era um filósofo que não havia privilegiado qualquer um desses conceitos em prejuízo do outro. Sua filosofia oferecia uma saída que combinava poder e desejo.A recepção estadunidense da desconstrução e a formulação do conceito de "pós-estruturalismo" no mundo de fala inglesa coincidem com o momento em que Derrida apresenta seu ensaio "A estrutura, o signo e o jogo no discurso das ciências humanas", no Colóquio Internacional sobre Linguagens Críticas e Ciências do Homem, na Universidade Johns Hopkins, em outubro de 1966. Richard Macksey e Eugenio Donato (1970, p. X) descreveram a conferência como "a primeira vez, nos Estados Unidos, em que o pensamento estruturalista foi considerado como um fenômeno interdisciplinar". Mesmo antes do término da conferência, havia claros indícios de que o reinante paradigma transdisciplinar do estruturalismo tinha sido superado, embora apenas um parágrafo das "Observações conclusivas" de Macksey assinalasse as "reavaliações radicais de nossos presssupostos [estruturalistas]" feitas por Derrida (p. 320).
No agora clássico ensaio "A estrutura, o signo e jogo no discurso das ciências humanas", Derrida (1978, p. 278-80) questionava a "estruturalidade da estrutura" ou a idéia de "centro" que, ele argumentava, operava para limitar o jogo da estrutura:[...] toda a história do conceito de estrutura [...] tem de ser pensada como uma série de substituições de centro para centro, um encadeamento de determinações do centro. O centro recebe, sucessiva e regularmente, formas ou nomes diferentes. A história da metafísica, como a história do Ocidente, seria a história dessas metáforas e dessas metonímias. A sua matriz seria [...] a determinação do ser como presença em todos os sentidos desta palavra. Poder-se-ia mostrar que todos os nomes do fundamento, do princípio, ou do centro, sempre designaram o invariante de uma presença (eidos, arche, telos, energeia, ousia [essência, existência, substância, sujeito], aletheia, transcendentalidade, consciência, Deus, homem, etc.). Derrida colocava em questão, nesse parágrafo, o estruturalismo francês da década anterior e, ao mesmo tempo, apontava a direção de suas próprias ambições intelectuais. O "descentramento" da estrutura do significado transcendental e do sujeito soberano pode ser encontrado, sugere Derrida, nomeando suas fontes de inspiração, na crítica nietzscheana da metafísica e, especialmente, na critica dos conceitos de ser e de verdade; na crítica freudiana da autopresença, "da consciência, do sujeito, da auto-identidade e da autoproximidade ou da autopossessão"; e, mais radicalmente, na destruição heideggeriana da metafísica, "da determinação do Ser como presença". Derrida discute, ao longo desse ensaio, o tema do "descentramento", concluindo por distinguir duas interpretações de estrutura. Uma delas, de origem hegeliana e exemplificada no trabalho de Lévi-Strauss, sonha "decifrar uma verdade e uma origem que escapem ao jogo e à ordem do signo", buscando aí a "inspiração de um novo humanismo". A outra, "que já não está voltada para a origem, afirma o jogo e procura superar o homem e o humanismo..." (DERRIDA, 1978, P.292)O humanismo tendia, como um motivo central do pensamento liberal europeu, a colocar o "sujeito" no centro da análise e da teoria, vendo-o como a origem e a fonte do pensamento e da ação, enquanto o estruturalismo, ao menos em uma leitura althusseriana, via os sujeitos como simples portadores de estruturas. Os pós-estruturalistas continuam, de formas variadas, a sustentar essa compreensão estruturalista do sujeito, concebendo-o, em termos relacionais, como um elemento governado por estruturas e sistemas, continuando a questionar também as diversas construções filosóficas do sujeito: o sujeito cartesiano-kantiano, o sujeito hegeliano e fenomenológico; o sujeito do existencialismo, o sujeito coletivo marxista.A genealogia do pós-estruturalismo francês tem que ser compreendida, em parte, por suas filiações com o pensamento de Nietzsche. Em particular; com sua crítica da verdade e sua ênfase na pluralidade da interpretação; com a centralidade que ele concede à questão do estilo, visto como crucial, tanto filosófica quanto esteticamente, para que cada um se supere a si próprio, em um processo de perpétuo autodevir; com a importância dada ao conceito de vontade de potência e suas manifestações como vontade de verdade e vontade de saber. Esses temas filosóficos foram assumidos, adotados e experimentados pelos pós-estruturalistas franceses sob novas e estimulantes formas. Foucault, por exemplo, desenvolveu a genealogia nietzscheana como uma forma de história crítica que resiste à busca por origens e essências, concentrando-se, em vez disso, nos conceitos de proveniência e emergência. Ao analisar; por meio do uso de narrativas e da narratologia, a pragmática da linguagem, Lyotard demonstra a mesma aversão que tinha Nietzsche pelas tendências universalizantes da filosofia moderna. Derrida, seguindo Nietzsche, Heidegger, e Saussure, questiona os pressupostos que governam o pensamento binário, demonstrando como as oposições binárias sustentam, sempre, uma hierarquia ou urna economia que opera pela subordinação de um dos termos da oposição binária ao outro, utilizando a desconstrução para denunciar, deslindar e reverter essas hierarquias. Deleuze (1983, original de 1962) fixa-se na diferença como o elemento característico que permite substituir Hegel por Nietzsche, privilegiando os "jogos da vontade de potência" contra o "trabalho da dialética".Todos esses pensadores enfatizam que o significado é uma construção ativa, radicalmente dependente da pragmática do contexto, questionando, portanto, a suposta universalidade das chamadas "asserções de verdade". Foucault vê a verdade como o produto de regimes ou gêneros discursivos que têm seu próprio e irredutível conjunto de regras para construir sentenças ou proposições bem formadas. Seguindo Nietzsche, todos eles questionam o sujeito cartesiano-katiano humanista, ou seja, o sujeito autônomo, livre e transparentemente autoconsciente, que é tradicionalmente visto como a fonte de todo o conhecimento e da ação moral e política. Em contraste, e seguindo a crítica da filosofia liberal feita por Nietzsche, eles descrevem o sujeito em toda sua complexidade histórica e cultural - um sujeito "descentrado" e dependente do sistema lingüístico, um sujeito discursivamente constituído e posicionado na intersecção entre as forças libidinais e as práticas socioculturais. O sujeito, outra vez sob a influência de Nietzsche, é visto, em termos concretos, como corporificado e generificado, ser temporal, que chega, fisiologicamente falando, à vida e enfrenta a morre e a extinção como corpo, mas que é, entretanto, infinitamente maleável e flexível, estando submetido às praticas e às estratégias de normalização e individualização que caracterizam as instituições modernas.
Devemos compreender o pós-estruturalismo, no seu desenvolvimento no contexto histórico francês, tanto como uma reação quanto como uma fuga, relativamente ao pensamento hegeliano. Essa reação ou fuga, para sintetizar a questão em termos deleuzianos, envolve, essencialmente, a celebração do "jogo da diferença" contra o "trabalho da dialética". O livro de Deleuze, Nietzsche e a filosofia, representa um dos momentos inaugurais do pós-estruturalismo francês, em uma interpretação de Nietzsche que enfatiza o jogo da diferença, utilizando esse último conceito como o elemento central de um vigoroso ataque à dialética hegeliana. Tal como sintetizado pelo próprio Deleuze:Três idéias definem a dialética: a idéia de um poder do negativo como principio teórico que se manifesta na oposição e na contradição; a idéia de um valor do sofrimento e da tristeza, a valorização das "paixões tristes", como princípio prático que se manifesta na cisão, na separação; a idéia da positividade como principio teórico e prático da própria negação. Não é exagero dizer que toda a filosofia de Nietzsche, em seu sentido polêmico, é a denúncia dessas três idéias (1983, p. 195-96). Deleuze contrasta a força negativa da dialética e sua predisposição puramente reativa - o positivo é obtido apenas por meio da dupla negação, "a negação da negação" - com a força puramente positiva da afirmação inerente à "diferença", a qual é tomada como a base de um pensamento radical que não é nem hegeliano nem marxista. Em uma vigorosa passagem, Deleuze afirma: "A dialética hegeliana consiste, na verdade, em uma reflexão sobre a diferença, mas de imagem invertida. No lugar da afirmação da diferença como tal, ela coloca a negação daquilo em relação ao qual ela difere; no lugar da afirmação do eu, ela coloca a negação do outro; e no lugar da afirmação da afirmação, ela coloca a famosa negação da negação" (1983, p. 196). Em suma, a dialética hegeliana reflete uma falsa imagem da diferença. A crítica nietzscheana da dialética, feita por Deleuze, uma das chaves para se compreender o pós-estruturalismo francês, deveria ser mais reconhecida como uma base legítima para uma teorização radical alternativa. A interpretação que Deleuze faz de Nietzsche torna-se, de fato, o ponto de virada para a filosofia francesa, abrindo novos espaços para o filosofar; ajudando a re-instaurar uma tradição banida e fornecendo as bases para um modo alternativo de pensamento crítico tanto dentro da França quanto fora dela.Em sua primeira geração, o pós-estruturalismo é exemplificado pelo trabalho de Jacques Derrida, Michel Foucault, Julia Kristeva, Jean-François Lyotard, Gilles Deleuze, Luce Irigaray; Jean Baudrillard, entre muitos outros. Historicamente, sua formação e seu desenvolvimento institucional inicial podem ser ligados à influente revista Tel Quel, havendo fortes conexões com figuras literárias tais como Maurice Blanchot e Roland Barthes. Os pensadores pós-estruturalistas desenvolveram formas peculiares e originais de análise (gramatologia, desconstrução, arqueologia, genealogia, semioanálise), com freqüência dirigidas para a crítica de instituições específicas (como a família, o Estado, a prisão, a clínica, a escola, a fábrica, as forças armadas, a universidade e até mesmo a própria filosofia) e para a teorização de uma ampla gama de diferentes meios (a "leitura", a "escrita", o ensino, a televisão, as artes visuais, as artes plásticas, o cinema, a comunicação eletrônica).