A gratuitidade dos meios de transporte contra uma nova ordem social
A gratuitidade dos meios de transporte contra uma nova ordem social
Com outras organizações, a rede No Pasaran organiza comboios gratuitos para ir a Nice. Neste texto explica de onde vem a reivindicação da gratuitidade. O movimento dos desempregados e dos excluídos é rico em reivindicações de gratuididade de vários bens e serviços. Acções relativamente ao gás e à electricidade para reclamar o fim dos cortes (quer dizer: mesmo que não tenhamos dinheiro para pagar, o acesso ao gás e à electricidade deve ser assegurado); acções por transportes gratuitos (requisição de comboios para viagens com muitas pessoas, e recusa de pagar bilhetes); acções nas quais as pessoas em situação precária invadem as grandes superfícies para obter os bens de consumo essenciais aos quais não têm acesso; mas também habitação gratuita ou com rendas cujo dinheiro pode ser retirado dos impostos cobrados aos ricos, etc. Constata-se, nestes exemplos, que as pessoas em situação precária puseram a si próprias a seguinte questão: será que o acesso à deslocação, a uma habitação decente, a uma alimentação saudável, à cultura, à energia, à saúde, etc. deve estar apenas ao alcance dos “privilegiados”, dos que possuem os meios para os pagar, ou será que se deve impor o acesso igualitário para todos? Claro que, as reivindicações colocados pelos excluídos são, muitas vezes, impostas pela urgência de suprir necessidades e por isso obtêm apenas respostas parciais, momento a momento. Mas, por trás destas reapropriações momentâneas existe uma vontade de denunciar a sociedade mercantil, ou pelo menos do seu funcionamento que conduz à existência de um apartheid social, com as suas diversas categorias populacionais com mais ou menos direitos. A força da sociedade actual e dos seus valores dominantes é a de conseguir culpabilizar o desempregado que quer mais do que o subsídio de desemprego. Também, o exercício que consiste em reclamar não apenas o nível de vida garantido disconectado do trabalho, mas também a gratuitidade dos bens e serviços conduz não apenas a uma incompreensão social, mas também a incompreensão por dos próprios excluídos que vêm nessa prática um exagero. Portanto, todos falam de dignidade reencontrada pelo movimento, e, enquanto isso, mantêm-se enfermas de uma visão caritativa da repartição das riquezas, no papel humanitário do estado. É necessário dizer que não é fácil, aos excluídos, sair da docilidade dos trabalhos precários habituais. O que lhes parece “correcto” é reclamar um emprego de forma a ganhar “honestamente” a sua fatia do bolo. Mas, caros companheiros, não somos os delinquentes. Os delinquentes são os que utilizam a nossa precariedade e fragilidade para perpetuar um sistema económico, ou a satisfação das nossas necessidade tornou-se num privilégio conseguido apenas através da integração no regime de salariato patronal? Exigir a gratuitidade é colocar lado a lado, em luta, excluídos e desempregados, contra uma sociedade de classes onde os ricos distribuem, com parcimónia, uma pequena fatia do bolo aos mais dóceis de entre nós. Exigir a gratuitidade é exprimir a ideia de que sonhamos com um mundo onde as condições da nossa existência não esteja ligada às lógicas mercantis e aos imperativos da rentabilidade. É agora que queremos viver. A gratuitidade é quebrar as relações de dominação, é, em última análise, pôr em causa a marcha da economia global. Embora a tendência do momento seja, pelo contrário, a privatização dos serviços públicos e, por isso, o seu acesso seja cada vez menos igualitário. Eliminar o factor rentabilidade/ competitividade é, como o nível de vida garantido, organizar a economia ao serviço da sociedade e da humanidade e não o contrário. O acesso a um nível de vida garantido, reorganizar a sociedade em torno de actividades socialmente úteis, satisfazer as nossas necessidades, eis as bases de uma sociedade emancipada. Devemos saber virar o problema colocado pelos excluídos e desempregados a nosso favor. Oferecer uma sociedade onde o tempo de trabalho é, radicalmente reduzido, mas a existência de escolhas maximizada, eis uma opção alternativa e contrária. Esta reviravolta não se imporá a não ser que seja construída uma nova relação de força face aos políticos e aos poderes económicos. Esta relação de força é necessária desenvolver e alargar melhorando a nossa argumentação. Uma vez que o movimento dos desempregados e excluídos se destina a todos: trabalhadores assalariados, trabalhadores com contratos precários, etc. Estas propostas devem provocar o debate e a convergência, nomeadamente com o mundo sindical. Para finalizar, é importante sublinhar a dimensão europeia das reivindicações explicadas neste texto, uma vez que, que lutas com bases similares têm acontecido no Estado Espanhol, Itália, etc. De qualquer forma, a questão da reapropriação e da distribuição aparece no quadro nacional e poem-se, evidentemente, a nível mundial. Nota de tradução: a expressão francesa “revenue garanti” foi traduzida como “nível de vida garantida”, e não como “rendimento garantido”, para evitar a confusão com a caridade do Estado Português e do seu “Rendimento Mínimo Garantido”.
1 Comments:
At 11/25/2006, Anonymous said…
Primeiramente o texto é muito bonito e tudo mais...
Porém como tentar explicar isso tudo para pessoas que estão altamente inseridas no capitalismo e acham que tudo isso é pura fantasia? Não podemos impor, porque tudo que é imposto acaba sendo questionado em algum momento, surgindo revoltas e tudo mais. Deve haver mais debates e abertura sobre esses temas, mas onde encontrar espaço? Onde encontrar pessoas dispostas a usar um pouco do seu tempo para uma relfexão maior?
Uma ou duas vezes por ano a aumento das passagens e as poucas pessoas da minha cidade, que se prestam a sair nas ruas para contestar acabam por levar o nome de vagabundos, desocupados entre outros. Por que existem tantas pessoas com vergonha de lutar pelos seus direitos?
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