A monarquia universal,quem realmente manda no mundo?
Já se desmoronou a cortina de ferro, como se fosse de purê
Já se desmoronou a cortina de ferro, como se fosse de puré, e as ditaduras militares são pesadelos que muitos países já deixaram para trás. Vivemos pois num mundo democrático? Inaugura este século XXI a era da democracia sem fronteiras? Um panorama luminoso, com algumas poucas nuvens negras que confirmam a claridade do céu? Os discursos prestam pouca atenção aos dicionários, Segundo os dicionários de todas as línguas, a palavra democracia significa "governo do povo". E a realidade do mundo do nosso tempo parece-se mais com uma poderocracia: uma poderocracia globalizada. Dia após dia, em todos os países, se vão estreitando mais as estreitas margens de manobra dos políticos locais, que por regra prometem o que não farão e que muito raramente tem a honestidade e a coragem de anunciar o que farão. Chama-se realismo ao exercício do governo como dever de obediência: o povo assiste às decisões que, tomam em seu nome, o governos governados pelas instituições que nos governam a todos, à escala universal, sem necessidade de eleições. A democracia é um erro de estado, dizia o Sr. Jorge Luís Borges, porque em democracia decide a maioria e a maioria é formada por imbecis. Para evitar este erro, o mundo de hoje outorga o poder de decisão a poucos, muito poucos, os que o compraram. O FMI e o Banco Mundial Na época do esplendor democrático de Atenas, uma pessoa em cada dez tinha direitos de cidadania. As outras nove, nada! Vinte e cinco séculos depois, é evidente que os gregos eram uns mãos largas. Cento e oitenta e dois países integram o Fundo Monetário Internacional. Deles, 177 não aquecem nem arrefecem. O Fundo Monetário, que dita as ordens ao mundo inteiro e em todo o lado decide o destino humano e a frequência de voo das moscas e a altura das ondas, está nas mãos dos cinco países que têm quarenta e cinco por cento dos votos: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Grã-Bretanha. O votos dependem das participações de capital: o que mais tem mais manda. Vinte e três países africanos somam, todos juntos, 1 por cento; os Estados Unidos dispõem de 17. A igualdade de direitos traduzida em factos. O Banco Mundial, irmão gémeo do FMI, é mais democrático. Não são cinco os que decidem, mas sim sete. Cento e oitenta países integram o Banco Mundial. Deles 173 aceitam o que mandam os sete países donos de 45 por cento das acções do banco: Estados Unidos, Alemanha, Japão, Grã-Bretanha, França, Itália e Canada. Os Estados Unidos têm, além disso, direito de veto. As Nações Unidas O poder de veto significa, na prática, todo o poder. A Organização das Nações Unidas é assim como uma grande família que nos junta a todos. Na ONU, os Estados Unidos repartem o poder de veto com a Grã-Bretanha, França, Rússia e China: os cinco maiores fabricantes de armas, com a graça de Deus, velam pela paz no mundo. Estas são as cinco potências que tomam as decisões, quando as coisas azedam, na mais alta instituição internacional. Os outros países têm a possibilidade de formular recomendações, que isso não se nega a ninguém. A Organização Mundial do Comércio Há direitos que se outorgam para não serem usados. Na Organização Mundial do Comércio todos os países podem votar em igualdade; mas nunca se vota. "O voto por maioria é possível, mas nunca foi utilizado na OMC e era muito raro no GATT, o organismo que a precedeu", informa a sua página oficial na internet. Os resoluções da Organização Mundial do Comércio são tomadas por consenso e à porta fechada, que, se bem me recordo, era o sistema utilizado pelas cúpulas do poder estalinista, para evitar o escândalo da dissidência, antes da vitória da democracia pelo mundo. Assim, a OMC executa em segredo, impunemente, o sacrifício de centenas de milhões de pequenos agricultores de todo o planeta, nos altares da liberdade de comércio. Não tão em segredo nem tão impunemente, no entanto: até há pouco tempo ninguém sabia o que era isso da OMC, mas as coisas mudaram desde de que cinquenta mil desobedientes tomaram as ruas da cidade de Seattle, em finais do ano passado e despiram perante a opinião pública um dos reis da monarquia universal. Os manifestantes de Seattle foram chamados de foragidos, loucos, despistados e inimigos do progresso pelos meios de comunicação. Por alguma razão terá sido. Eduardo Galeano Escritor e Jornalista Uruguaio
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