Sonambulismo e Pipocas.bla,bla,bla...prazer eu sou o freedom,das fotos em baixo..
Não me quero enquadrar no número dos que pensam, na sequência dos avisos de Karl Popper, que a televisão é um perigo para a democracia. Não é! Eu entendo que a televisão é a embalagem da própria coisa a que muitos chamam democracia e que afinal é antes o estabelecimento com pés de lã daquilo que outros quiseram instituir à bordoada; George Orwell, ao despique com Aldous Huxley, na construção desta Idade Média pós-moderna, onde o mundo é a feira global de todos os forais e todos os negócios. Nesta lógica de feira, tudo se vende, tudo se compra e o mau cheiro e o mau gosto traz a alma - de quem ainda a tem - em ânsias e náuseas, como se estivesse prenhe. Assim, se o mercado é tudo e a vida apenas um pretexto, telever só pode ser telecomprar, mas quem manda no jogo não é quem compra, é quem vende e quem lucra. Quem compra existe pelo mesmo motivo que existem colectores, para que tudo se escoe, sem que haja entupimento nem despesas extraordinárias de reparação do sistema. Se é algeroz que entope, vem bombeiro e remedeia; se é o sistema do «dá cá o meu», vem autoridade e corrige. A televisão, como arte maior do condicionamento reflexivo e do ideal superior do sonambulismo e da abulia, vende porque excita e excita porque é assim que a maioria vai pensar que está viva e acordada e dessa forma se autocompraz, ao mesmo tempo que justifica a produção da muita inutilidade que faz crescer a barriga, comer pipocas e esquecer que é possível as pessoas conversarem, trocarem ideias e conviverem. Mas isto seria coisa demasiado subversiva, num mundo que se quer sem ondas. A nova fase da televisão é provar ao povo-massa que povo-gente não existe. Agora somos todos iguais perante o lixo e os nossos heróis são gente comum. Nada os diferencia. Nada fizeram para que saíssem do anonimato. Herói como nós é isto. Basta que nos usem, que nos fechem numa casa, que nos ponham grilhetas. Estar vivo, agora, nesta contrafacção da vida, nesta contrafacção da democracia é apenas haver uns que espreitam e outros que são espreitados. Doentes graves, os primeiros; invertebrados, os segundos.
Crime:Alguém roubou o rádio do carro do Chico. A Isabel ficou com a pintura toda riscada por não querer dar dinheiro a um arrumador de automóveis. A Joana foi assaltada, na Baixa, em pleno dia, por um homem e uma seringa. Tentaram levar, por esticão, a carteira da D. Tecla. Já contei isto a tanta gente. Quase sempre a mesma resposta. Ou melhor, duas respostas possíveis. Ou a culpa é dos assaltantes, esses drogados filhos da puta, era mas é quem lhes desse um tiro nos cornos, ou é das vítimas, então ele deixou o rádio na carro, também não lhe custava nada ter dado uns trocos ao gajo. Dizer que a criminalidade está, essencialmente, ligada à toxicodependência é contar apenas meia verdade. A outra metade é que cerca de 80% dos crimes são de natureza económica. Às vezes, acho que tenho uma forma demasiado linear de encarar este tipo de problemas. Mas sou mesmo assim. Fui-me dotando, ao longo dos anos, de uma forma de pensar quase silogística. Se 80% dos crimes são de inspiração económica, então o que está por trás deles deve ser o sistema económico. Se os outros 20% são ou não originados por pressões intensas que o quotidiano nos impõe não é uma questão que nos interesse para aqui. A droga. Eis o aparente cerne da questão que aqui nos traz. O combate é feroz q. b. Quando assim é, acredito que há razões para desconfiar que se tenta esconder as verdadeiras causas. Sem drogas não haveria, logicamente, os toxicodependentes e os seus assaltos, da mesma forma que sem armas não haveria guerras e que sem propriedade privada e diferenças sociais não haveria roubos. Mas não são só os toxicodependentes que precisam da droga. Os agricultores pobres da América Latina, do Magreb e de muitas outras regiões do mundo eternamente em desenvolvimento, não podem passar sem essa fonte de rendimentos, talvez a que dá mais lucro, a par da venda de armas, e a que está mais de acordo com as directrizes do FMI e do Banco Mundial: produzir para exportação, que se foda a subsistência interna. As redes de traficantes, dos altos compradores aos vendedores de rua, também já não a podem desprezar. Os Estados já não podem viver sem ela, porque, no momento presente, é a que lhes dá a oportunidade de se rodearem de cada vez mais polícia, que lhes permite legitimarem-se cada vez mais. E eis-nos, então, chegados àquilo que me parece o mais importante no meio disto tudo. A actual organização político-económica promove as diferenças sociais. As diferenças sociais, por sua vez, promovem o roubo. Este legitima, aos olhos dos cidadãos, o aumento das polícias, de forma a que se possa manter o sistema que promove o roubo e por aí em diante, sempre em círculo. A organização mundial está, em todos os sentidos, orientada para o lucro. Só assim se compreende que uma produção alimentar mais do que suficiente para alimentar todos os seres humanos deixe morrer, a cada três segundos, uma criança de fome ou subnutrição. É este o outro círculo que é preciso quebrar. E essa quebra faz-se da mesma forma que para o círculo anterior, porque, no fundo, são um só. O que urge, é acabar não só com a noção de lucro, não só com a noção de dinheiro, mas ir muito mais fundo e destruir a própria noção de valor. Só quando todos os bens estiverem ao alcance de todos os homens, só quando a produção e o consumo forem feitos unicamente com base nas necessidades humanas é que, finalmente, se acabarão os crimes económicos. Com ou sem drogas.
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