Feminicídio no Congo 17/10/07 por Eve ENSLER







As mulheres sofrem imenso. Estão debilitadas pelas violações, as torturas e a brutalidade. Não têm praticamente apoio nenhum. Depois de viver estas atrocidades são incapazes de trabalhar nos campos ou de transportar coisas pesadas, por isso deixam de ter rendimento. Vi chegar pelo menos doze mulheres por dia a essa aldeia. Chegavam a coxear e apoiadas em bengalas feitas à mão. Várias mulheres contaram-me que “as florestas cheiravam a morte” e que “não se podia dar nem cinco passos sem tropeçar com um corpo”. Durante a semana que passei em Panzi, o governo cortou a água por isso o hospital, onde havia centenas de mulheres feridas, ficou sem água. O mesmo hospital pelo qual as mulheres tinham andado mais de sessenta quilómetros porque não havia outro mais perto. O mesmo hospital onde não havia nada para comer, (duas crianças morreram de má nutrição num dia), onde as mulheres tinham de ficar durante meses, às vezes anos, porque as suas aldeias eram tão perigosas ou porque eram tão rejeitadas, após terem sido violadas e desonradas, que não tinham um lugar para onde voltar, onde as mulheres não podiam apresentar queixa porque os violadores podiam facilmente comprar a sua saída da prisão, voltar e violá-las outra vez, ou matá-las.E enquanto nós estamos aqui a escrever o nosso relatório, há mulheres que estão a ser violadas, meninas que estão a ser destroçadas para sempre, mulheres que estão a ser testemunhas do assassínio (a golpe de catana) das suas famílias e outras que estão a ser infectadas pelo o vírus da SIDA. Onde está a nossa indignação? Onde está a consciência das pessoas?Em 1999, eu voltei aos EUA de uma viagem ao Afeganistão ainda debaixo do poder dos talibans. As condições das mulheres, a violência... era uma loucura. Dirigi-me a todas pessoas que consegui encontrar, canais de televisão, revistas, líderes, etc. Com excepção de uma revista, ninguém parecia estar interessado no problema das mulheres afegãs. Naquela altura eu sabia que se não se interviesse, se o mundo não se levantasse e ajudasse as mulheres, haveria graves consequências internacionais. Sabemos o que aconteceu depois. Não apenas o 11 de Setembro, mas a reacção ao 11 de Setembro, a profanação do Iraque, a justificação dos ataques preemptivos, o aumento da militarização e violência e o terror que ainda hoje continua a aumentar.As mulheres são o centro de qualquer cultura e sociedade. Embora possam não ter poder ou direitos, como são tratadas, como são, ou não são, valorizadas, indica o que a sociedade sente em relação à própria vida. As mulheres do Congo são resistentes, poderosas, visionárias e solidárias. Com poucos recursos elas poderiam ser líderes do país e tirá-lo do seu actual estado de desordem, pobreza e caos; ou podem ser aniquiladas e com elas, o futuro do país. A República Democrática do Congo é o coração de África, o centro dinâmico e a promessa do futuro. Se se permitir a destruição das mulheres, mata-se a vida, não apenas do Congo, mas de todo o continente africano. Eu estou aqui, como artista e activista, mas sobre tudo estou aqui como um ser humano destroçado pelo que ouvi na República Democrática do Congo. Estou aqui para vos implorar, àqueles que têm poder, para declarar estado de emergência no Este do Congo, para dar um nome ao que está a ser feito às mulheres: feminicídio. Para se juntarem à nossa campanha internacional para parar as violações do melhor recurso do Congo e dar poder às mulheres e raparigas do Congo. Para desenvolver os mecanismos para proteger estas mulheres, para parar estes crimes horrorosos e desumanos.Recomendações para terminar com a violência contra as mulheres e raparigas na República Democrática do Congo:A impunidade para violência sexual tem de terminar. Apesar de centenas de milhares de mulheres e raparigas violadas, não houve praticamente nenhuma acusação. Incumbe a toda comunidade internacional fortalecer mecanismos na República Democrática do Congo para assegurar que os violadores são levados à justiça e as vítimas protegidas através de acções judiciais. (Mais mulheres juízas, assim como mais mulheres na polícia e advogadas são essenciais para que isto aconteça).Está previsto o Conselho de Segurança ir à República Democrática do Congo na próxima semana. É importante que eles:a) Falem com o Governo seriamente sobre o assunto da violência sexual. Devem abordar este tema com o Presidente e perguntar especificamente o que é que ele está a fazer para assegurar que os militares (que são quem mais comete estes crimes) não cometem crimes de violência sexual e que os comandantes são responsabilizados pelas acções dos seus soldados e que os soldados também são levados à justiça.b) Ao reunir-se com o parlamento e as autoridades eleitas, o Conselho de Segurança deve insistir para que se estabeleça uma comissão parlamentária sobre a violência sexual. Deve também apelar para que sê de início a um debate público com o ministro da defesa sobre este tema.A Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) deveria estabelecer uma unidade de combate contra a violência sexual, incluindo pessoal militar e civil, para dar prioridade à “resposta dada às sobreviventes de violência sexual e à protecção de mulheres e crianças, sobre tudo em Goma e Bakuvu”. Os países que contribuem com tropas também têm de ter um papel mais activo enviando mulheres como soldados da paz.Os estados membros e as Nações Unidas devem mostrar o seu compromisso para terminar com a violência contra as mulheres da República Democrática do Congo através da atribuição de recursos financeiros significantes. Existem alguns bons projectos, por exemplo o Hospital de Panzi, mas isto é muito pouco quando consideramos as enormes necessidades e a magnitude da violência. São precisos mais recursos e podiam ser usados para apoiar, por exemplo, programas de rádio/televisão por mulheres sobre os direitos das mulheres, violência contra as mulheres, e outros temas importantes que precisam de ser abordados para romper o silêncio sobre a violência sexual.Os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas devem pedir ao Secretário-geral que providencie um relatório sobre a situação da violência sexual na República Democrática do Congo. Este relatório deve ser recebido pelo Conselho em tempo oportuno (3 meses).
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