entrevista Cândido Mendes 29/02/08
[ Candido Mendes ] Temos 1,2 milhão de jovens que não estão na universidade, porque a pública não tem espaço para acolher essa demanda e a universidade privada é cara demais para entrarem. Uma alternativa seria a adoção de financiamento a prazo longo, dez anos, com as próprias escolas, para ser pago depois da formatura. Acho que, nessa questão, o governo é culpado. Falei disso com o ministro Fernando Haddad (Educação). Eles burocratizaram muito o crédito. Sou presidente do Fórum de Reitores do Rio de Janeiro e, nessa condição, vou levar a proposta, de financiamento pelas próprias universidades, para o ministro. Quanto mais pobre o estudante, mais ele paga em dia. Infelizmente, nem o setor público, nem o privado, atacam esse déficit.[ Zé Dirceu ] Qual a avaliação que o senhor faz da reforma universitária em curso no país? Quais os pontos fundamentais?[ Candido Mendes ] A reforma universitária já está desatualizada. Evidentemente, é fundamental definir a prioridade da política de mobilidade social dentro da Educação. Portanto, atender a sua necessidade de expansão a partir do que o mercado realmente possibilita é o que está hoje permitindo que o setor privado responda a essa demanda. Não tem sentido o ensino superior público não abrir curso noturno. O setor público não está se sensibilizando. Se nós tivéssemos os cursos noturnos na proporção do público ao privado, metade dessa defasagem acabava.O segundo ponto é a necessidade de compreender as mudanças da própria estrutura do conhecimento, as exigências do mercado. É preciso que, ao lado dos cursos convencionais do chamado bacharelado, a extensão universitária, de fato, possa ser valorizada. Na Universidade Candido Mendes temos curso de extensão quase na mesma dimensão dos cursos regulares, porque há uma fome de conhecimento de pessoas que não estão querendo carreira, mas querendo saber. O que eu tenho de idosos nos cursos de extensão é uma coisa muito importante. Eu acho que o governo deve deixar de dar uma visão tão estatutária à extensão. E essa visão está crescendo muito no Brasil.O terceiro ponto, evidentemente, é a política de pesquisa. Redigi essa parte na Comissão Afonso Arinos, ela foi corrigida na Comissão de Sistematização, mas se for ver o artigo relativo à matéria, a Constituição não cria a obrigação do auxílio à pesquisa que não seja público.[ Zé Dirceu ] Isso é uma coisa pela qual eu lutei muito na Lei de Inovação.[ Candido Mendes ] Eu sei disso, sem contar que a universidade privada não tem titularidade para pedir recursos públicos para pesquisa. Eu, por exemplo, na Universidade Candido Mendes, mantenho o IUPERJ (centro de pesquisas e ensino de pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Candido Mendes), o Instituto de Estudos Afro-Asiáticos, o Instituto de Estudos da Segurança e Cidadania contra a Violência, mas este espaço é todo contra a corrente.O quarto ponto (necessário na reforma universitária) é que o ensino hoje não dá a devida dimensão aos cursos tecnológicos, onde está a socialização da educação. E, neste item, há ainda um agravante: o estudante da classe C tem uma visão errada do valor social da tecnologia. Isso não estamos conseguindo mudar.[ Zé Dirceu ] Ele está contaminado pelo elitismo.
[ Candido Mendes ] A quinta dimensão é a do ensino à distância. Mas, está a depender ainda, mais que da tecnologia, dos controles desta aprovação, que reclamam ainda um enorme empenho de consciência do processo educacional do país.

[ Candido Mendes ] Esta (reforma) não vai existir a não ser no limite em que já está aí. Todo governo está à altura da reforma política da sua hora, da corrupção do seu momento. Não se melhora a corrupção nesse sentido. E há uma dinâmica muito clara. Por que se deu o negócio do imposto do cheque? Porque o governo caiu na bobagem de querer fazer alguma reforma ainda no âmbito da política, exigindo mudança constitucional. A oposição só pode brecar hoje a reforma constitucional, mais nada. Ficou só esse gancho, e sinceramente, não há nenhuma reforma constitucional importante para esse governo que vai dar certo, nesse momento.[ Zé Dirceu ] Eu sou contra o fim da reeleição, uma coisa que deu certo no Brasil. Financiamento público, voto em lista, fim do suplente de senador, fim da coligação proporcional, cláusula de barreiras, aumentar o fundo partidário, aumentar o controle. Sem isso, o sistema político brasileiro é financiado pela iniciativa privada e cada vereador, deputado, faz a sua campanha.[ Candido Mendes ] Cada uma dessas aspirações expostas por você agora é um degrau diferente. Não se pula todos ao mesmo tempo. A das barreiras seria a mais fácil.[ Zé Dirceu ] O Supremo inviabilizou porque considerou que não era constitucional ... Então, o senhor é pessimista em relação à reforma política?
[ Candido Mendes ] Todo aparelho tem a corrupção que merece. Há uma temperatura infranqueável, que reflete o processo difícil de despatrimonialização da coisa pública. É um processop herdado secularmente da colônia e refletido na clássica política de clientelas, de uso do cargo para apropriação de receitas do erário, como cosanostra.O governo petista como opção de mudança nascido da consciência emergente dos marginalizados, não escapa deste látego histórico, que vulnerabilizou o partido na sua chegada ao poder, e da administração das verbas públicas. O mensalão exprimiu a criação de uma clientela para a mudança, tanto o situacionismo emergente diferenciava-se do nosso status quo de todo o tempo. O leito real das reformas, da política à tributária, vai depender de um estado de consciência, na verdade, extra Congresso e aparelho que, em última análise, responde por esta emergência do “povo de Lula”, que continua a lhe outorgar 67% de aprovação nacional.A se ficar na reforma política é possível definir-se o espectro do possível tanto se modifique a resistência, ainda, de um sistema oligárquico de poder; do coronelato de suas chefias e do engaste entre a empresa eleitoral e seu financiamento de grupo. Neste quadro, num calendário possível, mais lento, a votação por listas, por exemplo, deve forçosamente preceder à chegada a um financiamento público das campanhas. De toda forma sou pessimista quanto à reforma política até o fim do governo Lula. Acredito, sim, num recurso à sua ameaça, como forma de condicionamento das maiorias múltiplas de que se faz hoje o balaio de poder do Planalto.Distinta é a situação da reforma previdenciária que põe em jogo, de fato, um nó do sistema naquilo em que o regime brasileiro avança num capitalismo de Estado, através do controle dos fundos de pensão. Não há meio mais decisivo para nossa soberania que o do controle desses fundos gigantescos, na sua capacidade de condicionarem, inclusive, o potencial financeiro do país e nos seus reflexos externos.Atiladamente, Fernando Henrique Cardoso deu-se conta desta alavanca única. E se há núcleo de poder de que o PT não abre mão é exatamente desses fundos, e da forma como controlam a poupança compulsória maciça da economia brasileira. Não se pode esquecer também que, dentro dessa nova maré de investimentos, é a disponibilidade que continua a atrair as multinacionais, tanto quanto o mercado futuro cada vez mais articula a dinâmica emergente e financeira do capital global.[ Zé Dirceu ] Tirando o capital financeiro privado nenhum outro grupo empresarial é contrário à existência dos fundos de pensão, porque os investimentos são associados, e agora, com a política industrial de inovação, a integração da América do Sul, o empresariado brasileiro acordou para a internacionalização da economia brasileira. Nós teremos, nos próximos anos, cem, duzentas multinacionais de peso na América do Sul. E há, também, essa compreensão do capital produtivo, comercial, exportador, de que os fundos são uma necessidade para o desenvolvimento da economia brasileira. Os fundos são uma mediação da representação dos associados, que pode ser chamado de sindical, o PT, mas mediado muito pelos interesses privados e pelo processo de necessidade de capital para investimento. Na prática, os fundos são uma saída para capitalizar, enquanto o mercado de capital não vira uma realidade. Eu acredito que a tendência é os fundos serem legitimados pelo capitalismo brasileiro, com exceção do capital financeiro, que é um mercado que eles perdem. Mas assim mesmo capital financeiro não faz carga (pressão).[ Candido Mendes ] A crise de fins de janeiro, sobretudo a partir do seu imbróglio francês, teria muito a ver com mudanças súbitas das pautas do hedging definido do jogo de maturação para estes investimentos. Neste quadro, aliás, importa uma reavaliação do comportamento econômico brasileiro, sem dúvida hoje o de melhor desempenho no nicho dos BRICs (bloco dos países em desenvolvimento formado por Brasil, Rússia, Índia, China), juntando a expansão do seu PIB à sua redistribuição e, sobretudo, à sua inegável solidez institucional e democrática.[ Zé Dirceu ] A dinâmica da economia brasileira voltou-se para o mercado interno, para o investimento interno e para a América do Sul. O capitalismo brasileiro está se expandindo pela América do Sul. Essa é uma realidade inconteste.[ Candido Mendes ] É verdade. Agora, com essa sua visão, no seu entender, a mudança do hedge nesse momento não vai levar a uma alteração das políticas de favorecimento do out cult externo da economia brasileira, não é?[ Zé Dirceu ] O Brasil é uma excelente opção para se investir. A economia cresce 5% a 6%, a margem de lucro que tem no Brasil é acima da média mundial. O Brasil pode dobrar o seu mercado interno nos próximos dez anos.[ Candido Mendes ] Ele está na posição comparada dele aos BRICs quando ele começou. Ninguém tem essa posição nos BRICs.[ Zé Dirceu ] Nós temos a melhor posição. Lógico que a economia da China se modernizou, mas não tem comparação. No Brasil tem alimento e energia, embora exista um problema energético que precisa ser equacionado. E o Brasil, como não depende só dos Estados Unidos para a exportação, por mais que caia a economia mundial e o comércio, nós temos o mercado interno e a América do Sul (...). Mas, vamos voltar a falar de política ...[ Candido Mendes ] A grande realidade política hoje do país é o que se chamaria esta “subversiva” popularidade do presidente. Sobreviveu ao PT e chega ao meado do seu segundo mandato com esses 67% de aprovação popular. É um laço de identidade absolutamente inovador que liga a liderança do presidente a seu apoio, hoje, a saltar inclusive da nucleação do país destituído que chegou com ele ao Planalto. Enganam-se também os que querem atribuir este sucesso a um carisma do presidente. O impacto de Lula nada tem a ver com uma adesão irracional ou, com a delegação irrestrita de mando a um Messias ou a um enviado, como protagonizou o país, por exemplo, na eleição de Collor.Trata-se de um fenômeno de um inconsciente coletivo que alguns tolos confundem com um irracional, mas que responde, sim, à consagração de uma expectativa vinda do avanço nebuloso, mas certeiro de um sentimento de mudança e da sua gratificação pelo protagonista que exatamente se reconhece nesta subida e neste êxito. O segredo de Lula está nesse olho no olho da sua gente e na capacidade sempre de se o reconhecer tal como chegou ao Planalto na primeira grande – e talvez única – saga da nossa população.[ Zé Dirceu ] E a margem de opções é pequena. Como representação política, não expressa essa aliança do Lula, essa sacralidade com a imensa maioria dos brasileiros.
[ Candido Mendes ] Vive-se a partilha consciente de um mito, senão o reconhecimento da sacralidade deste resultado, que o presidente é o primeiro a manter na recusa de qualquer solenidade, ou rito, ou distância, que é a sua marca no poder.A satisfação simbólica, inclusive, pode continuar a adubar o sentimento das maiorias do governo, mesmo que sejam modestos os resultados da sua política. Há um prazo secreto e histórico entre essas contas de chegar. Mas o governo tem tirado partido da permanência do mutirão cívico que desatualizou os jogos das oposições e a visão do velho regime de desgaste ou de tempos de mudança.

[ Candido Mendes ] A recente conferência de Madri da Aliança das Civilizações e Direitos Humanos destacou, ainda, nosso preceito preventivo, que adotamos já em 1988, contra esta ameaça, regulando o direito de resposta à agressão à imagem, definindo seu reparo na intensidade da agressão e com a rapidez reclamada para remedia-la. O princípio constitucional continua, entretanto, fora da cultura política brasileira – como, aliás, na maioria hoje das nações fazendo letra morta do imperativo, ou relegando às calendas o imperativo do artigo 5º da Carta. E com a vertente crítica a consciência dos Direitos Humanos vive a tensão entre o direito de expressão e o direito de resposta. Afinal no mundo midiático se descamba de vez para o universo dos simulacros, ou de uma comunicação robótica do que se pretende ter dito e do que falamos pela boca de outrem no mundo dos estereótipos, das idéias feitas, dos rancores ou das adesões da sociedade Orwelliana.De toda forma, a nova socialização tecnológica permitida pela internet, pelo artefato individual dos blogs e contra-blogs, nos leva a entrar nos possíveis espaços democráticos da conversação internacional, o que encerra o risco de ser um mundo ventríloquo. A disseminação do computador à velocidade das geladeiras traduz o que seja também esta guerra de guerrilhas às tiranias dos colossos midiáticos, sua apropriação da subjetividade coletiva, e seu rapto da velha e esquecida intimidade de cada um de onde surge o protesto e a consciência de nosso tempo.
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