entrevista João Magueijo 0806/08
Viagem pelo universohttp://br.youtube.com/watch?v=lAqIcVwV2Dw
Nebulosa "Tromba de Elefante" em IC1396:O Telescópio Espacial Spitzer da NASA recentemente lançado obteve esta imagem de infravermelho da nebulosa "Tromba de Elefante". Esta nebulosa é uma nuvem escura elongada situada no interior da nebulosa de emissão IC1396. Localizada a cerca de 2450 anos-luz de distância, esta nuvem é uma concentração de gás denso onde se estão a formar novas estrelas. Na banda óptica ela surge como uma silhueta visível contra o fundo estelar. Observada no infravermelho ela revela no seu interior inúmeras estrelas jovens em formação. É através de telescópios de infravermelho como o Spitzer que os astrónomos conseguem penetrar no interior destas nuvens e revelar os seus segrados.
O sr. menciona em seu livro o forte interesse da mídia por sua teoria, assim que ela se tornou pública. Essa foi uma das motivações para escrever o livro?Aqui na Inglaterra houve imenso interesse durante o primeiro ano depois de a teoria ter sido publicada. E obviamente uma coisa que eu nunca tinha pensado é que a teoria fosse de um interesse geral, não é? Porque obviamente, quando estamos a estudar assuntos tão técnicos, não é nada óbvio que seja do interesse geral. Portanto, foi um caso de surpresa. Mas eu achei que era uma boa desculpa, de certa forma, para estar a divulgar, não tanto a teoria especificamente, mas a maneira como a ciência é feita, especialmente quando estamos a falar de ciência controversa, como é que a comunidade científica funciona, como é que os cientistas funcionam entre si. Portanto, minha motivação inicial não era tanto necessariamente popularizar a ciência, mas acima de tudo tentar divulgar o lado sociológico da ciência. E o sr. acredita que parte do apelo tem a ver o com o nome de Albert Einstein, já que sua teoria contradiz a relatividade? Quando se fala em Einstein, normalmente as pessoas se interessam, mesmo quando o entendimento das idéias é superficial...Não só por isso. Obviamente que esses assuntos são de interesse, o fato de a minha idéia estar em conflito com as idéias fundamentais do Albert Einstein. Mas acho que acima de tudo há uma certa curiosidade sobre o que é o mundo científico, e há muitos mal-entendidos sobre o que é o mundo científico. Pensa-se que somos muitos racionais, e não é nada assim. Somos muito emocionais em fazer ciência. E acho que isso é uma das coisas que desperta interesse no público, saber como realmente as coisas acontecem.
No seu livro, o sr. coloca opiniões fortes e críticas, eu diria ácidas, ao meio em que se faz ciência. Qual foi a reação na comunidade e no Imperial College em particular?Em geral, há sempre uma divisão. Há sempre pessoas que têm uma reação subjetiva, puramente irracional, no sentido de uma aversão a qualquer coisa que é nova, não é? E também há pessoas que têm uma reação objetiva, mas no sentido objetivo e crítico de que qualquer coisa nova tem de ser testada primeiro. Tem de ser testada com coerência lógica, coerência matemática, depois com observações, experiências etc. Reações negativas há sempre dos dois tipos. Há um tipo que eu realmente acho completamente inaceitável e, por outro lado, há esse tipo que é altamente positivo e que é necessário mesmo para melhorar e afinar as idéias. Com relação ao livro em si e às críticas que o sr. faz ao sistema, houve alguma reação mais violenta? Eu imagino a seguinte situação: o sr. continua trabalhando no Imperial College, mas ao mesmo tempo critica fortemente a direção do Imperial College. Houve alguma reação de cima para baixo, do tipo, "o que o sr. foi dizer"?É claro que houve uma reação. Mas eu também digo muitas coisas boas. E de certa forma as coisas más que eu digo são ou podem ser entendidas como críticas construtivas. Eu acho que existe muita burocracia, acho que existe uma divisão entre cientistas e burocratas da ciência. Eu acho que isso é um fato, não é? E minhas opiniões sobre esse fato no caso são ácidas, é o adjetivo correto. Mas ao mesmo tempo são baseadas na realidade, e é uma realidade que muita gente conhece, e houve muita gente aqui no colégio que me escreveu, "até que enfim alguém tem coragem de dizer essas coisas em público". Então é claro que houve uma reação negativa de cima para baixo. Mas, considerando as coisas que eu disse, eu no fundo acho que poderia ter sido muito pior do que foi. O sr. também faz críticas ao processo de "peer review", a revisão dos estudos pelos pares antes da publicação. O sr. acha que, a essa altura, a "peer review" é um mal necessário, ou o sr. consegue imaginar um modo melhor?Não é que eu tenha de imaginar. Existe já. Todos os cientistas, antes de publicarem os artigos, os põem nos arquivos, na internet. Os arquivos são de certa forma uma maneira sistemática de divulgar idéias novas. E é através dos arquivos que as pessoas lêem o que os colegas estão a escrever, e os arquivos não têm "peer review". E de certa forma os arquivos já ultrapassam as revistas científicas. Ninguém lê revista científica. Os cientistas não lêem revistas científicas.Já são anacronismos, não é? Portanto, não é só uma questão de haver uma maneira alternativa imaginária. E funciona muito melhor. A "peer review" não é uma maneira objetiva de selecionar bons artigos de maus artigos. E no fundo nós não precisamos disso, porque obviamente o leitor sabe à partida o que é um bom artigo, o que é um mau artigo. As revistas estão com os dias contados? Claro, acho que sim, acho que é completamente óbvio, acho que são um anacronismo já, no sentido do dia-a-dia dos cientistas. Pelo menos em física teórica, não é? Obviamente em medicina é completamente diferente. Mas o que está a acontecer em física teórica eu acho que é um precursor do que vai acontecer em todas as outras áreas, que é as pessoas começarem a usar a internet como uma maneira de publicar, em vez de utilizar as revistas. E com relação à divulgação científica? Muito do jornalismo científico se baseia na chancela das revistas com "peer review" para identificar trabalhos de qualidade. No campo da divulgação não poderia haver um problema?Mas o problema é que esse problema já existe. A "peer review" não está a funcionar. O que acontece é que um jornalista olha por exemplo para a revista "Nature" como um exemplo de uma coisa que já está à partida selecionada pela qualidade. E isso não está a acontecer. Os artigos não estão a ser previamente selecionados por qualidade quando passam por "peer review". "Peer review" é simplesmente uma reação sociológica. Raramente os"referees" [pareceristas] lêem os "papers" [artigos] como deve ser, é completamente óbvio pelos "reports" [pareceres] que escrevem, não leram o "paper". É sempre uma reação puramente sociológica. E o que acontece é que os jornalistas estão a ser enganados quando olham para as revistas científicas como uma maneira de à partida já haver um certo argumento de autoridade. Não existe argumento de autoridade nenhum ali. De certa maneira é enganoso. É altamente enganoso usar as revistas e a "peer review" como critério de qualidade, porque é um critério de qualidade que não está a funcionar.
Nunca funcionou ou não está funcionando agora?Eu acho que já funcionou no passado. Aumentou tanto o número de artigos que se escrevem que o sistema entrou em colapso completo, possivelmente dez anos atrás. E é uma coisa que eu tenho visto, observado, que está a funcionar muito pior e está provavelmente correlacionada com o número de "papers" submetidos e publicados ser muito maior. O volume tem aumentado imenso. O sr. acha que há uma relação da queda de qualidade da "peer review" com o ceticismo da ciência? Sabe-se que os cientistas evitam abraçar uma idéia até que tenham se cercado de todos os cuidados e testado todas as potenciais falhas. Com o imenso aumento de estudos submetidos, isso não pode ter se agravado na mesma proporção?Eu acho que isso é verdade. Basicamente, é a mediocridade que está a ser aceita. Qualquer coisa que seja, enfim, diferente da mediocridade, no sentido de ser completamente nova, à partida tem um problema, e é exatamente esse. Eu acho que o que acontece é que, efetivamente, sem "peer review", simplesmente pondo idéias novas diretamente nos arquivos da internet [www.arxiv.org], existe essa reação da maior parte dos cientistas, ao encontrar um "paper": "Ah, esta é uma idéia nova, vamos então tentar arranjar possíveis erros, possíveis deficiências nessa idéia nova". E está a funcionar muito melhor. As pessoas escrevem outros artigos e dizem: "Não, esse artigo é um disparate. É uma idéia nova, mas é uma idéia nova que não funciona etc. etc.". Portanto, esse tipo de reação de escrever um "paper" para contradizer um "paper" com uma idéia nova está de certa forma a funcionar muito melhor do que a "peer review", e não suprime a idéia original. A pessoa escreve outro "paper", põe nos arquivos e explica por que essa idéia não funciona. Mudando o assunto para cosmologia. Parece que nos últimos anos os cosmólogos se acomodaram com a mediocridade, com o modelo do Big Bang e de um Universo inflacionário. O físico brasileiro Mário Novello afirmou, em entrevista, que "o Big Bang é o mito científico da criação". O sr. acha que a comunidade se acomodou?Eu acho que é um bocado exagerado. A começar há uma diferença entre inflação e Big Bang. O Big Bang é uma coisa que tem a ver com a vida do Universo a partir de um segundo até agora, uns 15 bilhões de anos. A inflação é uma coisa que acontece em menos de um segundo, numa fração de segundo. E obviamente a inflação é muito mais especulativa que a teoria do Big Bang, que tem deficiências, mas funciona muito bem em termos de explicar observações. O mesmo não se pode dizer da inflação. A inflação de fato é uma moda. E a verdade é que as pessoas se acomodaram. É tipo uma máfia da comunidade científica. Então, obviamente eu concordo com esse comentário do Mário Novello, mas acho que é importante qualificar e distinguir a teoria do Big Bang e a teoria da inflação, são duas coisas diferentes.Apesar de todos os problemas e da resistência, o sr. sente que até nos meios mais conservadores a maré está começando a mudar nessa questão? Por exemplo, recentemente saiu na "Nature" um artigo do Paul Davies sugerindo que a velocidade da luz deve ter variado no passado, e essa é justamente a idéia central da sua teoria...Ora, essas coisas acontecem. Mas há pessoas que basicamente estão sempre à espera de que as coisas já sejam seguras para aceitar as idéias novas. Pouca gente é capaz de, enfim, tomar riscos à partida. E acho que as coisas tendem a mudar. A grande... a coisa que fez mudar a opinião das pessoas muito mais é a possibilidade de haver verificação experimental, observacional, da teoria da variação da velocidade da luz. Tudo aconteceu com um grupo de astrônomos liderado por John Webb, que fez umas observações que já mostram que é possível, portanto, já há evidência observacional de a teoria estar correta. E obviamente é o tipo de coisa que faz com que as pessoas mudem de opinião completamente. E o que acontece é que essas observações elas próprias são controversas. Então é preciso ter calma, ter cuidado, é preciso esperar uns anos. Mas isso muda completamente o tom da discussão, não há dúvida... Com relação ao desenvolvimento específico da teoria, o sr. comenta que em princípio não estava muito preocupado em violar a relatividade --mandou Einstein passear. E depois, mais tarde, o sr. mudou de idéia e começou a mudar a teoria para violar a relatividade o mínimo possível. Por que a iniciativa de proteger a relatividade?Não era o caso de proteger. Era mais uma questão de que o nosso "paper" inicial, nosso artigo inicial, era altamente radical, mas ao mesmo tempo era altamente limitado. Se nós somos radicais demais, acabamos com uma ferramenta que não é muito útil. E nós conseguimos construir um modelo lógico do Universo baseado nesse modelo inicial, mas de fato era muito difícil generalizar em situações diferentes, como buracos negros, estrelas, física que se pudesse repetir no laboratório. Portanto, tentar manter o máximo possível a estrutura da relatividade foi mais uma questão prática e pragmática de tentar que a teoria seja facilmente generalizada e aplicada ao maior número de circunstâncias. E foi isso, com todo o respeito pela nossa idéia inicial, que causou essa mudança. O que acontece é que neste momento existem muitas teorias da velocidade da luz variável, algumas mais radicais do que outras. E é possível combiná-las. E o que acontece é que, até que a experiência seja capaz de mudar essa área, seja capaz de realmente constranger essas teorias, ou seja, verificar essas teorias, até isso acontecer é muito difícil de fato ter uma atitude de afirmar qual dessas teorias está correta.E para quando o sr. acha que haverá testes experimentais da sua teoria?Bem, isso requer muitos avanços tecnológicos. Variações da velocidade da luz são coisas que podem ser testadas ao longo da vida do Universo. Se nós olharmos muito, muito longe e conseguirmos ver o princípio do Universo e até conseguirmos ver a velocidade da luz tal como ela foi no passado. É isso que esses astrônomos têm feito. Existem também variações, a teoria prevê variações muito pequeninas, ao longo de um ano ou dois anos. As variações são muito grandes se olharmos um grande período temporal, e são pequenas se olharmos um pequeno período temporal. É possível, por exemplo, relógios atômicos, são relógios que conseguem precisões incríveis para medir o tempo, é possível que relógios atômicos da próxima geração sejam capazes de verificar ou refutar a teoria em laboratório. E isso é uma coisa que pode perfeitamente acontecer nos próximos cinco anos. Mas esse é obviamente o cenário mais positivo. Existem outras previsões da teoria que são muito mais, de certa forma, muito mais difíceis de atingir tecnologicamente, que podem levar 10 a 20 anos. Portanto, é desse tipo de escala temporal que estamos a falar.
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