Entrevista Renato Janine Ribeiro 24/10/07

Durante muito tempo, Maquiavel foi considerado um autor maldito. O século 20 conheceu uma recuperação da sua obra por alguns motivos. Um deles é o recrudescimento do nosso interesse pela política. A leitura dos textos de Maquiavel nos leva a perceber que ele não defendia a tese de que os fins justificam os meios e de que o mal deve ser praticado para conseguir um fim egoísta. Ele se mostra preocupado com o fato de que na política não existem regras fixas; governar, isto é, tomar a iniciativa política, é um trabalho extremamente criativo e, por isso mesmo, sem parâmetros anteriores. Assim, essa preocupação do filósofo, por curioso que pareça, torna-se um bom instrumento para repensar a ética. Para falar de ética, também é necessária uma alusão a Max Weber e sua teoria das duas éticas. Weber, depois da Primeira Guerra Mundial, distingue a ética de princípios, em que se aplicam valores já estabelecidos, da ética da responsabilidade, que é a ética do estadista. Esta modalidade aponta para a necessidade de pensar nos resultados possíveis de uma determinada ação. De modo geral, a ética da responsabilidade é uma retomada de Maquiavel; ela representa a interferência da po-lítica na ética. Agora, o fato interessante é que nós, quando agimos, lançamos mão de um misto das duas éticas. De alguma forma, há alguns valores e princípios dos quais não abrimos mão. Por outro lado, ninguém deixa de levar em conta as conseqüências de seus atos. Isso nada mais é do que a aplicação da ética da responsabilidade. Então, o ponto interessante de Maquiavel e da questão ética está na maneira como nós a enxergamos sob a luz da política. E hoje, com o fim das garantias tradicionais para a ação do indivíduo privado, estamos todos mais ou menos na posição do príncipe de Maquiavel - isto é, num mundo de incertezas, dentro do qual temos de inventar a melhor posição.





Se o governante se pauta pelos resultados e escolhe sozinho os caminhos a serem seguidos, quais são os parâmetros que limitam sua ação?O governante tem mais responsabilidade pelos resultados dos seus atos do que os outros cidadãos. Quando queremos condenar um político, cominamos sua culpa não pelos eventuais fracassos das suas escolhas políticas, mas pela sua corrupção. Esse julgamento é equivocado. O governante, de qualquer forma, será julgado pelos resultados dos seus atos. Se o presidente da República melhorar o nível de vida dos brasileiros e reduzir a diferença social, terá cumprido sua missão com sucesso. Agora, sobre a maneira como ele atingirá esse objetivo, paira uma fronteira nebulosa. É difícil dizer que a ação política deve seguir os Dez Mandamentos. Claro, é desejável que siga. Mas não é uma atitude que deve ser perseguida a todo o custo. Há tratados e regras eventualmente desobedecidos porque o governante lida com situações sem ter qualquer proteção. Eu, como cidadão, quando tomo decisões, posso ter uma proteção. Em uma sociedade organizada (que não é o caso do Brasil), sei que se eu trabalhar, for honesto e respeitar as leis, terei segurança, saúde, respeito e educação. E sei também que se não seguir esses princípios não alcançarei essas benesses. No entanto, essa é uma condição para os cidadãos e não para o governante. O governante vive uma situação de risco, de alto risco. A imposição da ética privada ao governante é complicada. Mas essa é a teoria, digamos, clássica, a leitura convencional de Maquiavel. Eu vou além e acredito que essa ética aplicada ao governante, ou seja, que implica riscos, também vale para nós, cidadãos comuns. Ainda mais em um país como o Brasil, onde mesmo que eu siga a ética dos Dez Mandamentos, não terei a certeza de que tudo correrá bem. É nesse sentido que a ética de responsabilidade, que a princípio seria prerrogativa do estadista, transfere-se para os cidadãos. Essa é uma das grandes mudanças do final do século 20. No fim das contas, reduz-se a distinção entre as duas éticas - pública e privada.

maniqueístas: ora a direita representa o mal e eu voto na esquerda, ora acontece o contrário.
Como o senhor analisa a postura de nossos governantes diante da ética da responsabilidade?
FHC alude à ética weberiana do estadista, ou seja, a essas duas éticas às quais me referi. No entanto, acredito que a ética aplicada pelo governo tucano é a ética da irresponsabilidade, e não a da responsabilidade. Uma ética na qual, quando existem múltiplas escolhas a serem feitas, o governo releva as conseqüências e o resultado. Mas quando o resultado fracassa, ele não assume a responsabilidade. Diante do malogro do projeto do governo atual, principalmente no campo social e da energia, não se assumiu a responsabilidade política. Em princípio, o projeto do governo previa desenvolvimento econômico para impulsionar o desenvolvimento social. O problema é que o desenvolvimento social não ocorreu e as bases econômicas falharam no tocante à energia. Se o grande problema do país é a injustiça social, e o governo atual não conseguiu reduzir esse problema, então o fracasso é grande.

Como o senhor analisa a postura de nossos governantes diante da ética da responsabilidade?
FHC alude à ética weberiana do estadista, ou seja, a essas duas éticas às quais me referi. No entanto, acredito que a ética aplicada pelo governo tucano é a ética da irresponsabilidade, e não a da responsabilidade. Uma ética na qual, quando existem múltiplas escolhas a serem feitas, o governo releva as conseqüências e o resultado. Mas quando o resultado fracassa, ele não assume a responsabilidade. Diante do malogro do projeto do governo atual, principalmente no campo social e da energia, não se assumiu a responsabilidade política. Em princípio, o projeto do governo previa desenvolvimento econômico para impulsionar o desenvolvimento social. O problema é que o desenvolvimento social não ocorreu e as bases econômicas falharam no tocante à energia. Se o grande problema do país é a injustiça social, e o governo atual não conseguiu reduzir esse problema, então o fracasso é grande.

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