A agressão é o supremo crime de guerra internacional 23/02/08 entrevista com noam chomsky

Nesta entrevista dada em 15 de Janeiro ao site do think tank americano Foreign Policy in Focus, o conhecido linguista e político americano Noam Chomsky fala sobre a política americana para o Iraque e para o Paquistão, e observa que o actual governo americano já não apoia os princípios que os próprios EUA defenderam em Nuremberga depois da II Grande Guerra: de todos os crimes de guerra, a agressão é o supremo crime internacional, que engloba todos os males que se seguem. Entrevista de Michael Shank.


Noam Chomsky: De certa forma, é diferente. É uma situação muito semelhante à do Vietname. A oposição à guerra, hoje, nos sectores de elite, incluindo a dos candidatos viáveis, é de puro cinismo, completamente sem princípios: "Se conseguirmos safar-nos disto, é óptimo. Se nos custar muito, é mau." Era assim que pensava a oposição ao Vietname nos sectores de elite.Veja, por exemplo, o caso de Anthony Lewis, que levou mais longe que ninguém nos média a sua crítica extrema. Nas suas palavras finais de avaliação da guerra no New York Times, em 1975, disse que a guerra começou com "esforços estúpidos para fazer o bem", mas, que em 1969, nomeadamente um ano depois de a comunidade de negócios americana se ter virado contra a guerra, era claro que os Estados Unidos "não podiam impor uma solução, excepto a um preço demasiado alto"; por isso era um "erro desastroso". Os generais nazis podiam ter dito o mesmo sobre Estalinegrado e provavelmente disseram. Esta foi a posição extrema no espectro da esquerda liberal. Também temos o caso do importante historiador e conselheiro de Kennedy Arthur Schlesinger. Quando a guerra estava a azedar, sob Lyndon B. Johnson, escreveu que "todos rezamos" para que os falcões tenham razão e que o aumento das tropas leve à vitória. E ele sabia o que queria dizer a vitória. Disse que estávamos a deixar um país arruinado e devastado, mas que "todos rezamos" para que a escalada da guerra tenha sucesso e que, se tiver, "poderemos todos estar a saudar a sabedoria e o sentido de Estado do governo americano." Mas provavelmente os falcões estão errados, por isso a escalada é má ideia.
Pode-se traduzir esta retórica, quase palavra por palavra, na elite, incluindo a elite política, que se opõe à guerra do Iraque.Baseia-se em dois princípios. O primeiro é: "rejeitamos totalmente os ideais americanos". Os únicos que os aceitam são os iraquianos. Os Estados Unidos rejeitam-nos totalmente. Que ideais americanos? Os princípios do julgamento de Nuremberga. O Tribunal de Nuremberga, que é basicamente americano, deu voz a altos ideais, que nós professamos. Nomeadamente, de todos os crimes de guerra, a agressão é o supremo crime internacional, que engloba todos os males que se seguem. É óbvio que a invasão do Iraque é um puro caso de agressão e, assim, de acordo com os nossos ideais, engloba todos os males que se seguem, como a guerra sectária, a al-Qaeda iraquiana, Abu Ghraib e tudo o mais. O então Procurador-chefe dos EUA, Robert Jackson, dirigiu-se ao tribunal de Nuremberga e disse: "Devíamos lembrar-nos que estamos a estender a estes criminosos de guerra nazis um cálice envenenado. Se algumas vez bebermos dele, temos de nos submeter aos mesmos princípios, ou então tudo não passa de uma farsa." Bem, parece que ninguém da elite americana hoje aceita isto, ou sequer consegue compreendê-lo. Mas os iraquianos aceitam.O último estudo de opinião no Iraque, levado a cabo pelos militares americanos, dá uma ilustração. Há um artigo interessante sobre este tema de Karen DeYoung no Washington Post. Diz que os militares americanos estão muito excitados e animados ao ver os resultados deste último estudo, que mostrou que os iraquianos têm "crenças comuns". Estão a juntar-se. Estão a chegar à reconciliação política. Bem, mas quais são essas crenças comuns? Que os americanos são os responsáveis por todos os horrores que aconteceram no Iraque, como sustentam os princípios de Nuremberga, e deviam ir-se embora. Eis a crença comum. Por isso, é verdade: eles aceitam os princípios americanos. Mas o governo americano rejeita-os totalmente, tal como a opinião de elite. E, a propósito, o mesmo é verdade na Europa. Esse é o primeiro ponto.O segundo ponto é o pressuposto no Ocidente que somos donos do mundo. Se não se aceita este pressuposto, toda a discussão fica ininteligível. Se vir, por exemplo, a manchete de um jornal, como recentemente o Christian Science Monitor, algo como "Novo estudo sobre os combatentes estrangeiros no Iraque". Quem são os combatentes estrangeiros no Iraque? Algum fulano que veio da Arábia Saudita. E os 160 mil militares americanos? Bem, não são combatentes estrangeiros no Iraque porque somos donos do mundo; por isso, não podemos ser combatentes estrangeiros em lado algum. Por exemplo, se os Estados Unidos invadirem o Canadá, não seremos estrangeiros. E se alguém resistir, será combatente inimigo, mandamo-lo para Guantánamo.


Quando a administração Bush anunciou a sua Estratégia de Segurança Nacional em Setembro de 2002, que basicamente era um chamado à invasão do Iraque, a Foreign Affairs, uma revista o mais respeitável possível, publicou um artigo de John Ikenberry, um historiador e analista mainstream, que condenava asperamente o que ele chamava de esta nova grande estratégia imperial. Disse que ela iria causar imensos problemas; que nos iria pôr em perigo. Isto é muito incomum. Mas, no caso de Bush, há muitos como ele. Ele foi longe demais. Qualquer candidato hoje, talvez à excepção de Giuliani, vai de alguma forma moderar as políticas.



Israel e o Irão tiveram muito boas relações durante os anos 80. Eram relações clandestinas, mas não eram más. E agora reconhecem que o Irão é uma barreira para o seu completo domínio da região. Por isso querem que os Estados Unidos entrem na jogada e se eles não quiserem, dizem que tomam conta do caso. Não creio que o façam, a menos que os Estados Unidos autorizem. É demasiado perigoso. Só o fariam se tivessem a certeza de poder trazer os Estados Unidos.

Os Estados Unidos também toleravam o sistema de proliferação de Khan. De facto, os Estados Unidos ainda o toleram. E continua com o apoio à ditadura de Musharraf. Agora, estão atolados. A população opõe-se fortemente à ditadura. Os Estados Unidos tentaram fazer algum compromisso com Bhutto, que pensavam que poderia ser uma candidata dócil. Mas foi assassinada em circunstâncias ainda não esclarecidas. A ISI, as agências de informações que são extremamente poderosas no Paquistão, retiraram o apoio aos militantes extremistas nas áreas tribais e agora estão a começar a combatê-los. De facto, soube-se há pouco que um dos seus líderes disse que eles vão continuar a resistir ao Exército paquistanês.Pessoas que conhecem o Médio Oriente, como Robert Fisk, dizem há anos que o Paquistão é o país mais perigoso do mundo, por todos os tipos de razões. A primeira é que está a desintegrar-se. Há rebeliões nas áreas do Baluchistão. As áreas tribais estão agora fora do controlo da ISI. Há um movimento de oposição sindhi. Cresce um forte sentimento anti-Punjab, contra o Exército, contra a elite.
Assim, o país mal consegue manter-se inteiro. Tem armas nucleares. É muito anti-americano. Veja a opinião popular; é muito fortemente anti-americana, porque se lembra da história. Podemos esquecê-la. Dizemo a nós mesmos quão simpáticos e maravilhosos somos, mas outros, especialmente aqueles que estão do lado errado do clube, vêem o mundo como realmente é. E é muito anti-americano. Se os Estados Unidos querem fazer alguma coisa, têm de arranjar um substituto para ir lá fazê-lo. Mesmo o ditador apoiado pelos Estados Unidos, Musharraf, e o exército, estão fortemente contra qualquer envolvimento directo dos EUA nas áreas tribais, coisa de que os EUA andam agora a falar. Quem sabe que resultados isso teria, uma nova guerra contra um país com armas nucleares?A administração Bush está realmente a brincar com o fogo. Não me parece que tenha, neste momento, muitas opções. Se me pedissem que recomendasse uma política, não saberia o que dizer. Excepto tentar retirar o apoio à ditadura e permitir que as forças populares entrem em cena. Os Estados Unidos, por exemplo, não deram apoio aos advogados e à sua luta de oposição. Deviam ter dado. Os EUA não são todo-poderosos, mas podiam ter feito alguma coisa. Mas quando Obama diz: "OK, vamos bombardeá-los", isso não ajuda muito.
0 Comments:
Post a Comment
<< Home