Aliás, Engels 11/02/08 AUTOR:Enio Bucchioni (1979), apresentado por Omar L. de Barros Filho (2008




Eu ri. Afinal, a jovialidade de Friedrich Engels é contagiante. Eu tinha resolvido entrevistá-lo para o Versus, aproveitando dois elementos: primeiro que lá no Brasil a discussão sobre o Partido dos Trabalhadores estava acalorada, e depois porque não é todos os dias que se pode conversar com Engels calmamente.
Como sempre acontece nestas ocasiões, acabamos falando sobre gregos e troianos. E logicamente sobre os fabianos. A crítica de Engels é ferina, mordaz. Ele diz que os fabianos “produziram com grande cuidado, junto com toda sorte de baboseiras, excelentes textos de propaganda, o melhor que os ingleses produziram sobre este assunto. Mas quando tratam de sua tática específica – negar a luta de classes – as coisas estragam-se. Daí seu fantástico ódio contra Marx e contra todos nós, por causa da ‘luta de classes’...”Aproveito a dica e peço para me contar alguma coisa da história desses fabianos. O velho não se faz de rogado, mas começa exatamente pelo anedótico, que, por acaso, é o verdadeiro.“Eles são fruto do liberalismo burguês, e daí deriva a sua tática. Jamais combatem os liberais como adversários, tentam impeli-los a conseqüências socialistas, flertar com eles, para introduzir o socialismo no liberalismo e vai por aí afora”.

É. Sem dúvida, esses senhores, apesar de toda a cultura, começaram mal.Engels já ia começar a falar sobre o socialismo alemão. Lembro que chegou a dizer... “Não gostei muito do discurso de Bebel...”, mas eu o interrompi. E tasquei:- Como o companheiro vê a proposta do Partido dos Trabalhadores, lá no Brasil?Ele parou um momento, interrompido que foi no seu pensamento anterior, e foi respondendo devagar, quase como uma máquina que vai se autopropulsando aos poucos.- “O primeiro grande passo a ser dado em todos os países em que o movimento de massas tenha entrado em ação é a constituição dos trabalhadores num partido político independente, seja lá como for, desde que se trate de um partido dos trabalhadores, diferente dos demais partidos”.
Achei a resposta um pouco genérica, mas ele não tinha acabado. “Que o primeiro programa desse partido seja confuso e dos mais incompletos, isto é um inconveniente inevitável, mas, no entanto, passageiro. As massas devem ter tempo e oportunidade de se desenvolver, e esta oportunidade elas terão no momento em que tiverem um movimento próprio, onde serão impulsionadas pelos seus próprios erros, tornando-se sábias às suas próprias custas”.Sim, estava compreendendo perfeitamente. Mas há um problema: Por que não um PTB, um partido popular ou uma variante desse estilo?A resposta saiu como um raio. Fulminante.- “A pequena-burguesia democrática encontra-se atualmente oprimida, o que faz com que ela exorte o proletariado à unidade e à conciliação comum, estendendo a ele a sua mão e esforçando-se por criar um grande partido de oposição, no qual estariam incluídas todas as tendências que se podem encontrar num partido democrático”.Praticamente sem tomar ar, Engels despejou seu pensamento como uma torrente.
- “Isto é, esforça-se por implicar os operários juntamente com ela numa organização única, na qual as frases social-democráticas genéricas predominam, ocultando, em nome da paz, seus interesses especiais, em detrimento das reivindicações específicas do proletariado, que não seriam mais colocadas. O proletariado perderia sua posição independente e voltaria uma vez mais à condição de apêndice da democracia burguesa oficial”.É companheiro¸ dá para entender. É exatamente o contrário do que os fabianos estão fazendo aqui na Inglaterra. É ...O velho levantou-se da poltrona, caminhou até a janela e continuou a explicar que já tinha discutido muito este assunto com Marx e que, inclusive, Marx, em abril de 1850, tinha escrito uma carta aos operários da Liga Comunista fazendo o mesmo alerta. A questão da independência, esta é a chave. Da janela foi até a estante. Mexeu, remexeu e voltou com um papel meio amarelo. Explicou que era uma cópia da tal carta de Marx. E começou a lê-la:- “Eles devem, por si próprios, fazer o máximo possível por sua vitória, esclarecendo-se sobre seus interesses de classe, adotando o mais cedo possível uma posição de partido independente e recusando-se a ser dissuadidos, pelas belas e hipócritas palavras da pequena-burguesia democrática, da organização independente do partido do proletariado. É necessário que seu grito de guerra seja: a revolução permanente”.Fantástico, verdadeiramente apoteótico, comentei.E ele, talvez um pouco influenciado pela fleuma britânica, foi sintético:- “Verdadeiro”.Falamos um pouco mais do PT. Engels alertou que ele deveria nascer de um processo de conjunto, que não adiantava lançá-lo pela metade, e que os brasileiros deveriam analisar com cuidado se era fruto de um processo consciente das direções sindicais e operárias ou se refletia apenas uma necessidade mal compreendida.Dos operários passamos a Figueiredo* e acabamos falando de cavalos. Engels comentou que, com Figueiredo, “o Guilherme II de vocês”, só tenho uma coisa em comum: eu também gosto de cavalos. E riu, falando de como Marx se preocupava quando ele, Engels, galopava pelos prados em Manchester. E explicou que Marx sempre disse que ele ia acabar quebrando o pescoço. Mas que isso nunca aconteceu. E falou de um cavalo brasileiro, o Son of a Bitch, um magnífico puro sangue.Pouca gente vai acreditar, mas tomamos chá. O normal seria uísque, mas o velho já está velho, foram-se os dias da juventude com farras nas tabernas, as bebedeiras e os quebra-quebra, com Marx em cima da mesa, xingando e ameaçando dar bordoada em todo mundo.Engels quer dar o seu recado e não me deixa ir embora sem dizer claramente: “este é o meu recado aos trabalhadores brasileiros...”
- “Quanto ao que nos concerne, temos diante de nós, levando em conta todo o nosso passado, um único caminho a seguir. Há quase quarenta anos, colocamos em primeiro plano a luta de classes como força motriz direta da História e, em particular, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado como a mais poderosa alavanca da revolução social. Portanto, nos é impossível caminhar juntos com pessoas que tendam a suprimir do movimento esta luta de classes. Quando fundamos a Internacional, lançamos em termos claros seu grito de guerra: ‘A emancipação da classe operária será obra da própria classe operária’. Não podemos evidentemente caminhar com pessoas que declaram aos quatro cantos que os trabalhadores são muito pouco instruídos para poder emancipar a si próprios, e que eles devem ser libertados pelas cúpulas, pelos filantropos burgueses. Se... se toma uma atitude que corresponda às idéias desses senhores, se essa orientação é burguesa e não proletária, não nos restará mais nada que fazer, por mais lamentável que seja, do que debater abertamente e romper a solidariedade da qual demos prova até agora, na qualidade de representantes do partido. Mas as coisas não devem chegar a este ponto, esperemos...”Este é o recado. Engels afundou na poltrona, se agasalhou com a manta, disse para eu voltar outra vez, quando quisesse...- “Bata a porta menino, esse vento é de matar”.
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