Civilização ocidental:uma ideia que vê chegada a sua hora 18/02/08 por amy goodman
O Procurador Geral da República dos EUA, Michael Mukasey, inquieto, bebia aos goles a sua água: era a primeira vez que prestava declarações perante o Comité Judicial do Senado desde a controversa confirmação da sua nomeação. O que estava em debate nessa altura, tal como desta vez: a tortura. Considera ele a técnica conhecida por "submarino"* como uma forma de tortura? Edward Kennedy, senador democrata de Massachussets, transformou-a num assunto pessoal: " O submarino seria uma forma de tortura se o fizessem a si?" "Sentiria que sim", respondeu Mukasey. Apesar de ter fugido às perguntas, antes e depois da de Kennedy, a sua resposta à pergunta pessoal soava a autêntica.
O nosso Procurador Geral não deveria necessitar de ser submetido ao submarino para saber que é uma forma de tortura. De igual modo, os norte-americanos não deveriam ter que sofrer uma ditadura brutal para saber que está mal apoiar ditadores de outros países.
Tomemos por exemplo o perene ditador da Indonésia, Suarto. Morreu no mês passado aos 86 anos, uma idade que a maioria das suas mais de um milhão de vítimas não alcançaram. Suarto governou a Indonésia durante mais de 30 anos, após ser levado ao poder pelo país mais poderoso do planeta, os Estados Unidos. Suarto chegou ao poder em 1965 através de um golpe de estado que contou com o apoio da CIA, que lhe forneceu listas de dissidentes, a quem o exército indonésio assassinou, um a um. Foi expulso do poder em 1998, na sequência de um levantamento popular pela democracia.Durante todo o regime de Suarto, as administrações norte-americanas - democratas e republicacas - armaram, treinaram e financiaram o exército indonésio. A somar ao milhão de indonésios assassinados, outras centenas de milhares de pessoas foram igualmente assassinadas durante a ocupação indonésia de Timor Oriental, um pequeno país a 480 Kms a norte da Austrália. Timor Leste é um país que conheço bem, já que fiz a cobertura informativa sobre esse país durante anos. No dia 12 de Novembro de 1991, quando fazia a cobertura de uma marcha pacífica de timorenses em Díli, o exército de ocupação de Suarto abriu fogo contra a multidão, matando 270 timorenses. Saí dessa situação com alguma sorte: os soldados pontapearam-me com as suas botas e agrediram-me com as culatras das suas armas M-16, de fabrico norte-americano. Fracturaram o crâneo ao meu companheiro Allan Nairn, que naquela época escrevia para a revista The New Yorker. E aquele massacre foi um dos mais pequenos que ocorreu em Timor. Apesar disso, o presidente George H.W. Bush continuou a fornecer armas à Indonésia, tal como o seu sucessor, Bill Clinton. A única forma de travar a venda de armas norte-americanas foi o forte movimento de base que se desenvolveu nos Estados Unidos.Além de ser brutal a níveis inimagináveis, Suarto era também um corrupto. A organização Transparência Internacional calculou que a fortuna de Suarto se situava entre 15.000 e 35.000 milhões de dólares. O actual embaixador norte-americano na Indonésia, Cameron Hume, veio agora elogiar a memória de Suarto, declarando: " O presidente Suarto esteve à frente da Indonésia durante mais de 30 anos, um período durante o qual a Indonésia alcançou um notável desenvolvimento económico e social...Apesar de poder haver alguma controvérsia sobre o seu legado, o presidente Suarto foi uma figura histórica que deixou uma marca duradoura na Indonésia e na região do sudeste da Ásia". Figura histórica? Marca duradoura? Sim, sempre que isso se referir a arrancar as unhas às pessoas, fazer desaparecer os dissidentes indonésios, ou eliminar um terço da população de Timor Oriental, um dos grandes genocídios do século XX. Claro que não era a isto que Cameron Hume se referia.
Quer se trate da tortura do "submarino", de lançar uma guerra ilegal, ou de reter centenas de prisioneiros sem acusação durante anos na Baía de Guantánamo ou em prisões secretas da CIA por todo o mundo, isto faz-me lembrar as palavras de Mahatma Gandhi, um dos maiores líderes da não-violência no mundo: "Que importa aos mortos, aos órfãos e aos que perdem os seus lares, " perguntava, " se a destruição sem sentido é levada a cabo em nome do totalitarismo ou do santo nome da liberdade ou da democracia?"
A audição de Mukasey coincidiu por acaso com o 60º aniversário do assassinato de Gandhi. Também nesse mesmo dia, Rudolph Giuliani e John Edwards retiraram-se da corrida à presidência. No seu discurso de despedida, Edwards disse: " Chegou a hora da transformação dos Estados Unidos". À medida que se estreita a corrida eleitoral, chega um momento chave para reflectir: um dos candidatos favoritos, John McCain, foi realmente torturado (ao contrário de Mukasey, ainda que McCain tenha apoiado a confirmação deste último como Procurador). McCain prognosticou que poderíamos permanecer no Iraque durante 100 anos. Nenhum dos candidatos democratas restantes pede a retirada imediata das tropas do Iraque. Sim, é un momento chave para reflectir sobre os ensinamentos de Gandhi. Quando lhe perguntaram o que pensava da civilização ocidental, Gandhi respondeu: "Penso que seria uma boa ideia".Amy Goodman
(Nota da tradução: "Submarino" é uma técnica de tortura que implica na asfixia lenta por afogamento. O preso é atado de pés e mãos, com os olhos tapados, deitado de costas. O torturador vai deitando água sobre o nariz e a boca do torturado).
O nosso Procurador Geral não deveria necessitar de ser submetido ao submarino para saber que é uma forma de tortura. De igual modo, os norte-americanos não deveriam ter que sofrer uma ditadura brutal para saber que está mal apoiar ditadores de outros países.
Tomemos por exemplo o perene ditador da Indonésia, Suarto. Morreu no mês passado aos 86 anos, uma idade que a maioria das suas mais de um milhão de vítimas não alcançaram. Suarto governou a Indonésia durante mais de 30 anos, após ser levado ao poder pelo país mais poderoso do planeta, os Estados Unidos. Suarto chegou ao poder em 1965 através de um golpe de estado que contou com o apoio da CIA, que lhe forneceu listas de dissidentes, a quem o exército indonésio assassinou, um a um. Foi expulso do poder em 1998, na sequência de um levantamento popular pela democracia.Durante todo o regime de Suarto, as administrações norte-americanas - democratas e republicacas - armaram, treinaram e financiaram o exército indonésio. A somar ao milhão de indonésios assassinados, outras centenas de milhares de pessoas foram igualmente assassinadas durante a ocupação indonésia de Timor Oriental, um pequeno país a 480 Kms a norte da Austrália. Timor Leste é um país que conheço bem, já que fiz a cobertura informativa sobre esse país durante anos. No dia 12 de Novembro de 1991, quando fazia a cobertura de uma marcha pacífica de timorenses em Díli, o exército de ocupação de Suarto abriu fogo contra a multidão, matando 270 timorenses. Saí dessa situação com alguma sorte: os soldados pontapearam-me com as suas botas e agrediram-me com as culatras das suas armas M-16, de fabrico norte-americano. Fracturaram o crâneo ao meu companheiro Allan Nairn, que naquela época escrevia para a revista The New Yorker. E aquele massacre foi um dos mais pequenos que ocorreu em Timor. Apesar disso, o presidente George H.W. Bush continuou a fornecer armas à Indonésia, tal como o seu sucessor, Bill Clinton. A única forma de travar a venda de armas norte-americanas foi o forte movimento de base que se desenvolveu nos Estados Unidos.Além de ser brutal a níveis inimagináveis, Suarto era também um corrupto. A organização Transparência Internacional calculou que a fortuna de Suarto se situava entre 15.000 e 35.000 milhões de dólares. O actual embaixador norte-americano na Indonésia, Cameron Hume, veio agora elogiar a memória de Suarto, declarando: " O presidente Suarto esteve à frente da Indonésia durante mais de 30 anos, um período durante o qual a Indonésia alcançou um notável desenvolvimento económico e social...Apesar de poder haver alguma controvérsia sobre o seu legado, o presidente Suarto foi uma figura histórica que deixou uma marca duradoura na Indonésia e na região do sudeste da Ásia". Figura histórica? Marca duradoura? Sim, sempre que isso se referir a arrancar as unhas às pessoas, fazer desaparecer os dissidentes indonésios, ou eliminar um terço da população de Timor Oriental, um dos grandes genocídios do século XX. Claro que não era a isto que Cameron Hume se referia.
Quer se trate da tortura do "submarino", de lançar uma guerra ilegal, ou de reter centenas de prisioneiros sem acusação durante anos na Baía de Guantánamo ou em prisões secretas da CIA por todo o mundo, isto faz-me lembrar as palavras de Mahatma Gandhi, um dos maiores líderes da não-violência no mundo: "Que importa aos mortos, aos órfãos e aos que perdem os seus lares, " perguntava, " se a destruição sem sentido é levada a cabo em nome do totalitarismo ou do santo nome da liberdade ou da democracia?"
A audição de Mukasey coincidiu por acaso com o 60º aniversário do assassinato de Gandhi. Também nesse mesmo dia, Rudolph Giuliani e John Edwards retiraram-se da corrida à presidência. No seu discurso de despedida, Edwards disse: " Chegou a hora da transformação dos Estados Unidos". À medida que se estreita a corrida eleitoral, chega um momento chave para reflectir: um dos candidatos favoritos, John McCain, foi realmente torturado (ao contrário de Mukasey, ainda que McCain tenha apoiado a confirmação deste último como Procurador). McCain prognosticou que poderíamos permanecer no Iraque durante 100 anos. Nenhum dos candidatos democratas restantes pede a retirada imediata das tropas do Iraque. Sim, é un momento chave para reflectir sobre os ensinamentos de Gandhi. Quando lhe perguntaram o que pensava da civilização ocidental, Gandhi respondeu: "Penso que seria uma boa ideia".Amy Goodman
(Nota da tradução: "Submarino" é uma técnica de tortura que implica na asfixia lenta por afogamento. O preso é atado de pés e mãos, com os olhos tapados, deitado de costas. O torturador vai deitando água sobre o nariz e a boca do torturado).
0 Comments:
Post a Comment
<< Home