Congo:a guerra contra as mulheres continua 01/02/08

http://resistir.info/africa/congo_pilhagem.html
O seguinte artigo faz referência a uma reportagem televisiva realizada pela cadeia de televisão usamericana CBS intitulada War Against Women. The Use Of Rape As A Weapon In Congo’s Civil War (Guerra contra as mulheres. O uso da violação como arma na guerra civil da República Democrática do Congo).Neste momento há uma guerra no coração de África, na República Democrática do Congo, onde já morreram mais pessoas do que no Iraque, Afeganistão e Darfur juntos. É provável que não se saiba muito sobre este assunto, mas como informa Anderson Cooper, este é o conflito com o maior número de mortos desde a Segunda Guerra Mundial. Nos últimos dez anos, mais de quatro milhões de pessoas morreram e o número continua a aumentar. Como Cooper e a equipa de “60 minutos” comprovaram quando lá estiveram há uns meses os alvos mais frequentes desta guerra são as mulheres. De facto, é uma guerra contra elas, e a arma que usa para as destruir, a elas, às suas famílias e a comunidades inteiras é a violação.



É difícil imaginar que esta guerra ocorre no meio de uma beleza natural e de uma abundância tão impressionantes. Depois de décadas de ditadura e corrupção, o país está de rastos. A maior parte da luta e das violações acontece em áreas remotas de difícil acesso. Cooper e a sua equipa dirigem-se a Walungu, uma aldeia isolada nas montanhas do leste do Congo. Há anos que grupos armados combatem nesta região, milhares de homens saem da floresta para aterrorizar as aldeias e roubar mulheres. O governo do Congo parecer ser incapaz ou não ter vontade de os deter. Uma semana antes deles chegarem houve três ataques durante os quais mulheres foram violadas. A vítima mais jovem tinha apenas seis anos. Em algumas aldeias 90% das mulheres foram violadas. Em geral, os homens das aldeias não têm armas e não podem defender-se. Em Walungu a equipa encontrou Lucienne M’Maroyhi, de 24 anos. Lucienne estava em casa uma noite com as duas filhas e o irmão mais novo quando seis soldados entraram à força. Ataram-na e começaram a violá-la, um de cada vez. “Eu estava deitada no chão e eles deram uma lanterna ao meu irmão para que ele os pudesse ver a violar-me” – recorda Lucienne. “Disseram ao seu irmão para segurar na lanterna?” – pergunta Cooper. “Sim” – responde ela. “Violaram-me como animais, um atrás do outro. Quando um acabava, lavavam-me com água e levantavam-me para que o seguinte me pudesse violar”. Lucienne estava convencida que a iam matar, tal como os soldados que tinham assassinado os seus pais um ano antes. No entanto, eles voltaram-se para o seu irmão. “Queriam que ele me violasse, mas ele recusou-se a fazê-lo e disse-lhes ‘não posso, não posso violar a minha irmã’. Então sacaram as suas facas e apunhalaram-no, matando-o à minha frente”. Depois arrastaram Lucienne pela floresta até ao campo dos soldados. Fizeram dela escrava e foi violada todos os dias durante oito meses. Esteve todo esse tempo sem saber onde estavam as filhas. “Sabia se estavam mortas ou vivas?” – pergunta Cooper. “Pensei que eles as tinham matado. Achei que já não as voltaria a ver vivas” – responde Lucienne. Finalmente, Lucienne conseguiu fugir. Quando voltou à sua aldeia soube que as filhas estavam vivas e também que estava grávida. No ventre levava o filho de um dos seus violadores. O marido de Lucienne abandonou-a. É o que acontece às mulheres que sobrevivem às violações no Congo. “Costumava pensar que quando os homens fugiam, eram irresponsáveis, mas agora vejo as coisas de outra maneira” – diz o Doutor Mukwege a Cooper. “Não fogem porque as suas mulheres foram violadas, mas porque sentem que também eles foram violados. Eles foram traumatizados… humilhados… porque não foram capazes de proteger as mulheres e os filhos”. “Quando uma mulher é violada, não é só ela a violada. A comunidade inteira é destruída” – afirma Judithe Registre, da organização “Women for Women” (Mulheres para Mulheres) que mantém grupos de apoio para as sobreviventes de violações. “Quando eles levam uma mulher para a violar, obrigam a família a assistir, forçam outros membros da comunidade a serem testemunhas. Obrigam-nos a ver. Isto significa que quando tudo termina, é a vergonha total para a mulher violada, por ter sido violada à frente de tanta gente” – diz Registre.Muitas das mulheres do hospital do Doutor Mukwege não só são consideradas culpadas pelo que lhes aconteceu, como são também evitadas por medo que tenham contraído VIH e porque as violações foram tão violentas que já não conseguem controlar as suas necessidades. O Doutor Mukwege diz que faz umas cinco operações ao dia. Frequentemente as suas pacientes tinham objectos na vagina, como garrafas partidas e baionetas. Algumas mulheres são alvejadas entre as pernas pelos violadores. “Porque fazem isso? Porque disparam dentro de uma mulher?” – pergunta Cooper. “Ao princípio eu perguntava-me o mesmo. É uma demonstração de força, de poder, fazem-no para destruir a pessoa. O sexo é usado para fazer mal. As pessoas fogem, convertem-se em refugiados. Não conseguem ajuda, ficam desnutridas e a doença acaba por matá-las” – conta o Doutor Mukwege. Para estas mulheres o Doutor Mukwege é tanto um curandeiro como um conselheiro. Dunia Karani é órfã, tem poliomielite e não pode andar, no entanto isto não impediu que os soldados a violassem. Agora está grávida e não sabe o que vai fazer. Quando perguntamos ao Doutor Mukwege o que é que ele pode dizer a uma jovem sobre o seu futuro, ele responde: “O mais difícil é quando não posso fazer nada. Quando vejo uma jovem bonita de 16 anos, que tem tudo destruído, e lhe digo que tenho que lhe pôr um saco de colostomia… é difícil”. Apesar de todas estas dificuldades, a maioria das vezes o Doutor Mukwege é capaz de reparar o dano feito nos corpos destas mulheres. Elas vêem-no como milagreiro, como um homem único no qual podem confiar. Enquanto o Doutor Mukwege guia Cooper pelas salas do hospital uma das suas paciente faz-lhe um sinal positivo com os polegares. “Agora ela está muito feliz, muito feliz” – diz ele. Este gesto não só lhe dá esperança, mas também força para continuar com o seu trabalho.Força é algo que falta a poucas mulheres no Congo. Elas carregam pesos, cultivam os campos e mantêm a suas famílias unidas, no entanto parece que não se faz nada para as proteger. A guerra está tão espalhada que cada vez mais as violações são cometidas por civis. Alguns cartazes, já meio apagados, lembram aos homens que a violação é um erro, mas há pouca evidência que as autoridades congolesas levem o problema a sério. No escritório do delegado do Ministério Público as queixas amontoam-se. Disseram-nos que um suborno de 10 dólares pode conseguir que se investigue uma acusação de violação, mas poucos casos chegam a tribunal. Pedimos ao delegado que nos mostre a prisão para ver quantos violadores estavam realmente presos, mas quando chegámos tivemos uma surpresa. A prisão não é fechada, os guardas prisionais foram postos na rua e os presos controlam tudo. “O sistema judicial está de rastos no Congo” – afirma Van Woudenberg, a investigadora de direitos humanos. “Posso contar com os dedos de uma mão o número de casos que chegaram a julgamento. Na prática aqui quem viola e mata fica impune. As possibilidades de detenção são nulas.”Até pode ser que não haja justiça no Congo, mas há organizações a tentar ajudar as sobreviventes de violação a pôr-se de pé novamente. A organização Mulheres para Mulheres ensina as sobreviventes a fazer sabão, a cozinhar, coisas com as quais podem ganhar dinheiro. Também aprendem a ler e a escrever. Para muitas destas mulheres é a primeira vez que estão numa sala de aula. É a sua oportunidade para uma vida nova. Lembram-se de Lucienne M’Maroyhi? Aproveitou esta oportunidade. Espera poder abrir o seu próprio negócio um dia. Agora é mãe de uma bebé nascida há um ano. O pai é um dos violadores, um dos homens que mataram o seu irmão. A menina chama-se Sorte. “Escolhi o nome Sorte porque passei por muitas dificuldades” – explica Lucienne. “Podia ter sido assassinada na floresta, mas recuperei a minha vida. Tenho esperança”.Esperança é algo que não se esperaria que as mulheres do Congo tivessem, mas têm-na. Todas as manhãs no Hospital de Panzi reúnem-se para levantar a sua voz, cantando, numa missa. “Os nossos sofrimentos na terra, serão aliviados no céu”.Parece que é demasiado pedir alívio no Congo.



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