entrevista Edgar Morin 11/03/08
Marcelo Fiorini - O senhor participou, recentemente, como convidado especial do governo francês, da Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o meio ambiente, em Paris. Qual a sua opinião sobre a situação do meio ambiente e quais as medidas a serem tomadas no sentido de preservá-lo?Edgar Morin - A primeira coisa a fazer é compreender a situação e posicionar-se perante ela. Não só cada um de nós, mas, principalmente, cada um dos países do mundo hoje. Eu diria que esse posicionamento tem ocorrido, mas lenta e gradativamente. De fato, foi só com o acontecimento de várias catástrofes ambientais causadas por nós (Seveso, Three Mile Island, Bhopal, Tchernobyl) e de outras locais, como a poluição dos rios, a chuva ácida, a poluição cada vez maior nas cidades - ou a combinação de todos esses elementos - que nos levou à consciência do meio ambiente ou mesmo à preocupação com a ecologia e a entrada desta como parte integrante no discurso político no mundo. Tivemos encontros importantes como os do Rio de Janeiro, de Kyoto, ou de Johannesburgo, mas esses não levaram a mais do que recomendações e, de fato, as decisões mais importantes não foram realmente tomadas, ou não havia meios, então, de tomar tais decisões a fim de implementá-las. O fator mais recente, se bem que já tenha pelo menos dez anos, é a questão do aquecimento climático.No início, cientistas discutiam se as diferenças climáticas eram causadas por variações normais, uma vez que, no passado, a Terra já teria sofrido perturbações significativas, ou se elas provinham de nossas atividades. Atualmente, o consenso entre os cientistas é o de que as atividades econômicas é que produzem o efeito estufa e o aquecimento da atmosfera, provocando o degelo das calotas polares, as grandes inundações em continentes diferentes etc. Chegamos, portanto, manter neste momento da reunião de Paris, a uma nova etapa, com a plena consciência sobre esses fatos, e a inovação aqui é o aspecto prático da reunião: a formação de uma aliança entre 40 países para lutar contra os perigos que existem hoje em dia em relação à biosfera. É algo positivo, mas não podemos nos esquecer de que alguns dos maiores países "poluidores" não fazem parte dessa aliança: os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia, e nem mesmo o Brasil fazem parte. Para que essa aliança seja fortalecida e para que outros países unam-se à ela, eu creio (e esta é uma idéia que defendo há muitos anos) ser preciso fazer parte de uma comunidade humana que tem um destino comum, seja qual for a localização e a origem de seus membros. Essa comunidade compartilharia também uma identidade comum, pois, apesar de nossas diferenças individuais e culturais, somos todos, fundamentalmente, cidadãos de uma Terra-pátria. Não somos apenas franceses ou brasileiros, e nem mesmo só europeus ou latino-americanos, mas temos uma pátria maior comum, uma pátria terrestre. Creio que podemos desenvolver essa consciência ecológica ao desenvolver uma consciência humana na qual nos vemos como tendo o mesmo destino, e que estamos diante dos mesmos problemas, com as mesmas ameaças ou perigos
M.F. - Seus trabalhos em sociologia e filosofia já foram definidos como uma forma de "pensamento complexo" que levaria a uma reforma do pensamento. O senhor pode nos explicar ou simplificar o significado desses termos e também esse processo? E.M. - O sentido vem da palavra latina complexus, que quer dizer o que se encontra tecido juntamente, ou estar abraçados juntos. Tomemos como exemplo a situação do planeta Terra. Hoje, há uma complexidade no sentido em que existe a interferência de conjuntos de fatores diversos, dentre os quais estão os fatores demográficos, os econômicos, os religiosos, os políticos etc. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros. Nessas condições, compreendemos que o conhecimento que aprendemos nas escolas e nas universidades não é, evidentemente, adaptado a essa complexidade, que se torna cada vez mais importante para o destino de cada um de nós e também de cada nação, pois nos ensinam disciplinas distintas umas das outras - a economia, a filosofia da religião, a psicologia e a sociologia são todas ciências independentes - e, portanto, formamos mentes "míopes", para não dizermos, "cegas" aos nossos problemas, pois a forma com que nosso conhecimento é passado adiante nos incapacita de ver os problemas fundamentais e globais. O que é verdadeiro para cada pessoa é ainda mais verdadeiro para as sociedades humanas ou todo do gênero humano. A complexidade não é mais do que essa consciência, e o pensamento "complexo" é uma forma de trazer à tona essa consciência, pois a forma de entender o conhecimento ou de pensar que temos é incapaz disto. São necessários outros meios, uma outra forma de pensar, e é isso que busco em minha obra que chamei de La Méthode, na qual busco as formas e as maneiras de se chegar à essa consciência. Temos de abandonar a maneira linear de conceber a causalidade das coisas; abandonar as formas dogmáticas de pensar; mudar essa idéia de que só podemos entender algo isolando-o de outras coisas - a não ser que fizéssemos a distinção das coisas para reuni-las novamente. Há toda uma gama de procedimentos que tem de ser reconsiderada e eu procuro em meu trabalho meios conceituais de religar essas coisas que ainda se encontram separadas hoje em dia para enfrentar as contradições que se apresentam à nós mesmos.
M.F. - Seus trabalhos em sociologia e filosofia já foram definidos como uma forma de "pensamento complexo" que levaria a uma reforma do pensamento. O senhor pode nos explicar ou simplificar o significado desses termos e também esse processo? E.M. - O sentido vem da palavra latina complexus, que quer dizer o que se encontra tecido juntamente, ou estar abraçados juntos. Tomemos como exemplo a situação do planeta Terra. Hoje, há uma complexidade no sentido em que existe a interferência de conjuntos de fatores diversos, dentre os quais estão os fatores demográficos, os econômicos, os religiosos, os políticos etc. Nossos problemas não podem mais ser concebidos como separados uns dos outros. Nessas condições, compreendemos que o conhecimento que aprendemos nas escolas e nas universidades não é, evidentemente, adaptado a essa complexidade, que se torna cada vez mais importante para o destino de cada um de nós e também de cada nação, pois nos ensinam disciplinas distintas umas das outras - a economia, a filosofia da religião, a psicologia e a sociologia são todas ciências independentes - e, portanto, formamos mentes "míopes", para não dizermos, "cegas" aos nossos problemas, pois a forma com que nosso conhecimento é passado adiante nos incapacita de ver os problemas fundamentais e globais. O que é verdadeiro para cada pessoa é ainda mais verdadeiro para as sociedades humanas ou todo do gênero humano. A complexidade não é mais do que essa consciência, e o pensamento "complexo" é uma forma de trazer à tona essa consciência, pois a forma de entender o conhecimento ou de pensar que temos é incapaz disto. São necessários outros meios, uma outra forma de pensar, e é isso que busco em minha obra que chamei de La Méthode, na qual busco as formas e as maneiras de se chegar à essa consciência. Temos de abandonar a maneira linear de conceber a causalidade das coisas; abandonar as formas dogmáticas de pensar; mudar essa idéia de que só podemos entender algo isolando-o de outras coisas - a não ser que fizéssemos a distinção das coisas para reuni-las novamente. Há toda uma gama de procedimentos que tem de ser reconsiderada e eu procuro em meu trabalho meios conceituais de religar essas coisas que ainda se encontram separadas hoje em dia para enfrentar as contradições que se apresentam à nós mesmos.
M.F. - O senhor pode nos falar sobre o último e mais recente volume dessa obra, que trata da ética? Qual o lugar da ética em seu pensamento?E.M. - Fui levado à ética, pois acho que ela também não pode ser concebida de forma simples, ou seja, da forma como Kant a concebeu, na qual há um dever, o "faça o que se deve fazer"; o "aja pelo interesse de todos"; o "faça de forma que aquilo que se quer de outro seja válido para você também", etc. Essa é a ética do dever moral. Essa ética é muito conhecida, podemos dizer que ela já está presente nas religiões, no sentido que não devemos matar, que devemos ser bons etc. O que ainda muitos não se deram conta, porém, é o que eu chamo do caráter complexo da ética. Essa complexidade manifesta-se justamente no plano da ação, naquilo que chamo da ecologia da ação. Uma ação não depende somente da vontade daquele que a pratica, depende também dos contextos em que ela se insere, das condições sociais, biológicas, culturais, políticas que podem mudar o sentido daquilo que é nossa intenção. Dessa forma, as ações podem ser praticadas para se realizar um fim específico, mas podem provocar efeitos contrários aos fins que pretendíamos. Um exemplo grosseiro em política seria a intervenção de George W. Bush no Iraque: em vez da democracia ideal que aí se visava instalar, provocou uma situação caótica. A ecologia da ação implica que não é suficiente apenas ter boa vontade. Temos de tentar examinar as condições em que se dá a ação, e então, de acordo com a necessidade, poderemos segui-la, ou transformá-la, ou ainda abandoná-la. Portanto, há duas idéias importantes na ética: uma, quando nos decidimos por uma ação pelo bem, fazemos um balanço dos efeitos de nossa ação, e assim, ao tornarmo-nos conscientes de seus efeitos, podemos rever nossas ações ou decisões. Em segundo lugar, a idéia de que é preciso traçar uma estratégia de ação, ou seja, ficar atento aos elementos novos e às informações que se somam à situação. Penso no período em que vivi durante a guerra, ou no pós-guerra, na minha relação com o comunismo, quando conheci pessoas ou militantes que achavam que trabalhavam para o bem da humanidade sem perceber que trabalhavam, ao contrário, pela sua escravidão. Isso, contudo, pode estender-se a todas as atividades. Quantas pessoas não acreditam trabalhar para o bem, sem perceber que na realidade estão sendo manipuladas?
0 Comments:
Post a Comment
<< Home