CORÉIA DO NORTE: O real perigo, de onde vem?
O anúncio da Coréia do Norte, no dia 9 de outubro, de que realizara um teste nuclear, foi seguido de hipocrisia por parte dos países ricos. Condenaram o "perigo nuclear" veementemente, e o Conselho de Segurança (CS) da Organização das Nações Unidas (ONU) apressou-se em emitir uma resolução com sanções ao país.
Mas pelo menos dois aspectos saltam aos olhos quando os acontecimentos são analisados com um pouco mais atenção. Em primeiro lugar, os EUA, e suas constantes ameaças ao país asiático, podem ser considerados os principais responsáveis pela intenção desta de criar um arsenal de guerra. Em segundo lugar, as reações contra a Coréia do Norte são claramente desproporcionais, se comparadas com as (não) dispensadas a outras nações "nucleares", como Israel, Índia e Paquistão - para não falar dos próprios países ricos.
Para Stephen Gowans, escritor e ativista canadense, entrevistado pelo Brasil de Fato, tanto razões antigas quanto mais recentes levaram a Coréia do Norte a realizar o teste, "mas todas estão relacionadas à necessidade do país de desanimar os EUA de pôr em prática suas ameaças de guerra". Segundo ele, o país comunista vem tentando por mais de 50 anos estabelecer algum tipo de coexistência pacífica com os EUA, mas suas propostas de paz "vêm sendo repetidamente desprezadas". "Por exemplo", segue o ativista, "há não muito tempo atrás (dezembro de 2002), o então secretário de Estado dos EUA, Colin Powell rejeitou uma oferta da Coréia do Norte, dizendo que 'não fazemos tratados de paz, pactos de não-agressão, coisas do tipo'. E é verdade. Os EUA não fazem isso. Eles tentam conseguir o que querem por intimidação". Em janeiro de 2002, George W. Bush incluiu a Coréia do Norte no "eixo do mal", junto com Iraque e Irã, pois estes países estariam desenvolvendo armas de destruição em massa. Em março de 2003, os EUA invadiram o Iraque, e nenhuma arma foi encontrada.
Ameaça estadunidense
Gowan lembra que, no documento Nuclear Posture Review (conjunto de decisões sobre política nuclear, em tradução livre do inglês), também de 2002, Washington se reservou o direito de usar armas nucleares contra a Coréia do Norte. "Uma das regras principais da não-proliferação de armas nucleares é que os países que as possuem não ameacem países que não as tenham. Bem, os EUA quebraram essa regra", conclui.
Em setembro de 2005, os dois países assinaram um acordo de princípios relacionados ao desarmamento nuclear. No entanto, segundo o jornalista Gregory Elich, especialista nas relações entre Coréia do Norte e Estados Unidos, os estadunidenses só o fizeram por pressão da China, e imediatamente o violou. "Em vez disso, os EUA impuseram sanções, forçando um banco de Macau a fechar porque os norte-coreanos estariam processando dinheiro falso por meio deste. Até agora nenhuma evidência foi oferecida. Para completar, o governo Bush impôs sanções a oito firmas norte-coreanas de importação e exportação", explica Elich, em entrevista ao Brasil de Fato.
O resultado, segundo Elich, foi o efeito "bola de neve": muitos bancos, com medo de represálias, resolveram encerrar as contas com o país asiático. Ao cortar o acesso norte-coreano à moeda estrangeira, os EUA debilitaram a capacidade norte-coreana de importar petróleo e outros produtos, ou até simplesmente de entrar no comércio normal. "As repetidas solicitações da Coréia do Norte para discutir as sanções foram ignoradas pelo EUA. O país se sentiu ameaçado - e de fato o foi - pelas ações dos estadunidenses. Também notou que tanto a Iugoslávia quanto o Iraque foram incapazes de se proteger de ataques, ao possuírem apenas armas convencionais antiquadas. Diante da posição claramente hostil da administração Bush, a Coréia do Norte escolheu conduzir um teste nuclear", avalia o jornalista.
Dois pesos, duas medidas
Elich chama a atenção para a reação desproporcional da qual foi alvo a Coréia do Norte: "é interessante contrastar o furor causado por um único e parcialmente falho teste nuclear com a indiferença com arsenais nucleares de outras nações". Ele lembra que os EUA possuem várias armas nucleares a sua disposição - entre 8.000 e 10 mil ogivas nucleares - e que não há pedidos de sanções contra os estados "nucleares" estabelecidos, nem contra as novas nações "nucleares", como Índia, Paquistão e Israel.
Para Gowans, os países ricos "não são realmente contra a proliferação, são apenas contra a proliferação envolvendo países que se recusam a ser subjugados. Os EUA estão falando em transferir tecnologia nuclear para a Índia, e a Índia não faz parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. A França transferiu tecnologia nuclear para Israel, que a utilizou para criar um arsenal de centenas de armas nucleares", alerta.
Por isso, a resolução do CS do dia 14, que estabeleceu sanções contra a Coréia do Norte, como a proibição de vendas de armas pesadas ao país e a inspeção das cargas que saem e chegam no país, é no mínimo questionável. "As resoluções do Conselho são formuladas para desarmar e enfraquecer o país asiático, para que ele possa ser facilmente subjugado e pilhado. Na verdade, você pode generalizar para outros países fracos. As resoluções do CS não beneficiam o mundo como um todo, e sim os membros permanentes do CS", protesta Gowans. Na opinião de Elich, medidas mais duras ainda podem ser implementadas no futuro, e os EUA provavelmente irão pressionar por ações adicionais. No dia 17, o governo norte-coreano afirmou que as sanções são uma declaração de guerra à Coréia do Norte e uma violação a sua soberania.
Sem poderio militar
De qualquer maneira, os dois especialistas não consideram que o pequeno país comunista pretenda atacar alguém. Para eles, o teste nuclear foi uma ação claramente defensiva, pois o lançamento de uma bomba atômica contra um outro país seria um ato suicida. "O único perigo que a Coréia do Norte representa é o de atrapalhar os planos dos EUA de atacar o país. Não é uma ameaça ofensiva", afirma Gowans.
Além disso, segundo Elich, "ainda é muito cedo para determinar a natureza exata do teste norte-coreano, mas os primeiros sinais indicam que ele falhou parcialmente. A tecnologia atual do país não é avançada o suficiente para permitir uma miniaturização de uma bomba nuclear, o que faz com que seja muito pesada para um veículo transportá-la". O jornalista lembra ainda que os norte-coreanos não têm obtido sucesso em testes de mísseis de longo alcance.
A Coréia do Norte é militarmente muito fraca. Gowans conta que seu orçamento anual no setor é de cerca de cinco bilhões de dólares - 1% do estadunidense. "Seus pilotos de combate têm apenas duas horas de vôo por mês, já que não há combustível suficiente para os aviões. Seus equipamentos são velhos e inferiores se comparados aos da Coréia do Sul e dos EUA que estão situados na península coreana. E, metade de seu exército de um milhão de homens está ocupada com a agricultura e a construção", explica . "Ainda sim", completa, "há ambigüidade suficiente sobre a capacidade nuclear da Coréia do Norte para fazer Washington pensar duas vezes antes de um ataque".
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