Chomsky fala sobre o Irã, o Iraque e o resto do mundo
A entrevista a seguir com Noam Chomsky, realizada por Michael Shank, foi publicada originalmente no Foreign Policy in Focus, em 16 de fevereiro de 2007.
O entrevistador, Michael Shank, é colaborador do FPIF, conselheiro das Nações Unidas sobre o Oriente Médio, Sul e Ásia, além de diretor de políticas da 3D Security Initiative.
A tradução e publicação da íntegra tem permissão de John Feffer, co-diretor do Foreign Policy in Focus, e apoio do Americas Program.
Espero que a leitura seja esclarecedora de várias formas.
Noam Chomsky é um notável lingüista, escritor e especialista em relações internacionais. Em 9 de Fevereiro, em entrevista a Michael Shank, ele falou sobre os últimos acontecimentos na política americana no Irã, no Iraque, na Coréia do Norte e Venezuela.
Chomsky falou ainda sobre as mudanças climáticas, o Fórum Social Mundial e porque as relações internacionais são dirigidas como a máfia.
Shank: Com o desenvolvimento nuclear similar na Coréia do Norte e no Irã, por que os Estados Unidos estabeleceram relações diplomáticas diretas com a Coréia do Norte mas recusam-se a fazer o mesmo com o Irã?
Chomsky: Dizer que os Estados Unidos estabeleceram diplomacia com a Coréia do Norte é, de certa forma, uma má interpretação. Fez na administração Clinton, embora nenhum dos lados tenha cumprido suas obrigações. Clinton não fez o prometido, nem a Coréia do Norte, mas havia um progresso. Quando Bush tornou-se presidente, a Coréia do Norte tinha urânio e plutônio suficientes para, talvez, uma ou duas bombas, mas com pouquíssima capacidade de mísseis. Nos anos Bush, isso explodiu. A razão é que ele cancelou imediatamente a diplomacia e a tem mantido bloqueada desde então.
Eles fizeram um acordo substancial em setembro de 2005, em que a Coréia do Norte concordou em eliminar os programas de enriquecimento e desenvolvimento nuclear completamente. Em contrapartida, os Estados Unidos concordaram em parar com as ameaças de ataque e juntar-se ao plano de prover-lhes um reator de água leve, o que estava previsto no acordo. A administração Bush minou a idéia. De imediato, o consórcio que planejava o reator de água leve foi cancelado, uma forma de dizer que nós não concordaríamos com o acordo. Alguns dias depois, eles começaram a atacar as transações financeiras de vários bancos, foi feito de uma forma precisa, para deixar claro que os Estados Unidos não cumpririam com o compromisso de melhorar as relações. E, claro, as ameaças nunca cessaram. Assim terminou o acordo de setembro de 2005.
Este acordo está de volta. A forma como ele é retratado na mídia dos EUA é - como sempre, seguindo a linha partidária do governo - que a Coréia do Norte está, agora, um pouco mais disposta a aceitar a proposta de setembro de 2005. Então existe algum otimismo. Se você cruzar o Atlântico, ao Financial Times, para verificar os mesmos eventos, eles apontam que uma administração Bush em conflito - a frase é deles - precisa de um tipo de vitória, por isso, talvez exista o desejo de reestabelecer a diplomacia. Penso que seja um pouco mais exato se você der uma olhada no histórico.
Existe uma certa sensação de otimismo. Se você recordar - e a Coréia do Norte é um lugar horrível, ninguém discorda disso -, neste aspecto eles têm sido bem racionais. Tem sido uma história de toma lá, dá cá. Se os Estados Unidos se acomodam, a Coréia do Norte se acomoda. Se os Estados Unidos são hostis, eles se tornam hostis. Isto é bem avaliado por Leon Sigal, um dos maiores especialistas no assunto, em número recente da Current History. Mas este é o cenário geral e estamos em um momento em que poderia haver um acordo com a Coréia do Norte.
Isso é muito menos significativo para os Estados Unidos que o Irã. Francamente, não acho que o problema iraniano tenha muita relação com armas nucleares. Ninguém está dizendo que o Irã deva ter armas nuclerares - assim como qualquer outro país -, mas o problema no Oriente Médio, diferente da Coréia do Norte, é que ele é o centro dos recursos energéticos mundiais. Primeiro foi domínio dos britânicos e depois dos franceses, mas desde o fim da Segunda Guerra Mundial, é domínio dos EUA. Este tem sido um axioma da política externa norte-americana, que os recursos energéticos do Oriente Médio devem ser controlados. Não é, como as pessoas freqüentemente dizem, uma questão de acesso, uma vez no mar, o petróleo vai para qualquer lugar. A verdade é que mesmo se os Estados Unidos não ussassem o petróleo do Oriente Médio, a política seria a mesma. Se partíssemos para a energia solar amanhã, a mesma política seria mantida. Dê uma olhada nos arquivos internos, ou na lógica deles, a questão sempre foi controle. O controle é a fonte da força estratégica.
Dick Cheney disse no Cazaquistão, ou em outro lugar qualquer, que controlar os oleodutos é “um instrumento para intimidação e chantagem”. Quando temos o controle sobre os oleodutos, é um instrumento de benevolência. Se outros países têm o controle sobre as fontes de energia e de distribuição, então é um instrumento de intimidação e chantagem, como disse Cheney. Este tem sido o entendimento desde que George Kennan, nos dias seguintes do pós-guerra, afirmou que se os EUA tiverem o controle dos recursos do Oriente Médio, terá poder de veto nos seus rivais industriais. Ele falava especificamente sobre o Japão, mas a afirmação é geral.
Então, a situação no Irã é diferente. Ele é parte do principal sistema energético do mundo.
Shank: Então, quando os Estados Unidos consideram uma invasão, você acha que é sob a premissa de ganhar controle? É isso que os EUA ganharão invandindo o Irã?
Chomsky: Existem muitas variáveis no caso do Irã. Uma é que ele é independente e a independência não é tolerada. Nos arquivos internos, algumas vezes é chamada de desafio bem-sucedido. Uma grande maioria da população dos EUA é a favor do estabelecimento da diplomacia com Cuba, e tem sido assim há muito tempo, com alguma flutuação. Até setores do mundo dos negócios é a favor também. Mas o governo não permitirá. Atribui-se aos votos da Flórida, mas não acho que esta seja uma explicação. Acho que está relacionado com uma característica das relações mundiais que é pouco estudada. As relações internacionais são muito parecidas com a máfia. O chefão não aceita a desobediência, mesmo do dono de uma pequena mercearia que não pagou por proteção. Deve-se obediência, ou, do contrário, a idéia de que não se deve seguir ordens se alastrará até chegar a locais importantes.
Se você retornar aos arquivos, qual foi a principal razão para os EUA atacarem o Vietnã? O desenvolvimento independente pode ser um vírus que pode infectar outros. Esta é a forma como foi posta por Kissinger referindo-se a Allende no Chile. Quanto a Cuba, os arquivos internos são explícitos. Arthur Schlesinger, ao apresentar o relatório do Grupo de Estudo da América Latina ao recém chegado Presidente Kennedy, escreveu que o perigo é o contágio das idéias de Castro em lidar com as questões com as próprias mãos, o que era de grande apelo para outros na mesma região e que sofriam com os mesmos problemas. Mais tarde, documentos internos culparam Cuba de desafio bem-sucedido às políticas dos EUA, retornando 150 anos - até a doutrina Monroe - e isso não podia ser tolerado. Então, é o tipo de comprometimento do estado para garantir a obediência.
De volta ao Irã, não é só apenas por ter recursos substancias ou por ser parte do maior sistema energético do mundo, mas também por ter desafiado os Estados Unidos. Os Estados Unidos, como sabemos, derrubou o governo parlamentar iraniano, instalou um tirano brutal e ajudou a desenvolver poder nuclear. De fato, os mesmos programas que hoje consideramos uma ameaça, foram patrocinados pelo governo dos EUA, por Cheney, Wolfowitz, Kissinger e outros nos anos 70, enquanto o Xá esteve no poder. Mas então os iranianos derrubaram o governo e mativeram alguns norte-americanos como reféns por centenas de dias. Imediadamente, os Estados Unidos apoiaram Saddam Hussein e sua guerra contra o Irã, como uma forma de punição. Os Estados Unidos continuarão a punir o Irã pelo desafio. Este é um fator em separado.
E, de novo, os desejos da população e mesmo da economia dos EUA são considerados, em sua maioria, irrelevantes. Setenta e cinco porcento da população aqui é a favor da melhoria das relações com o Irã, não das ameaças. Mas isso é deixado de lado. Não temos pesquisas do mundo dos negócios, mas é muito claro que as corporações de energia ficariam bem felizes se autorizadas a retornar ao Irã ao invés de deixar tudo aquilo para seus rivais. Mas o estado não vai permitir, o que gera confrontos neste momento, muito explicitamente. Parte da razão é estratégica, geopolítica, econômica, mas em parte é o complexo de máfia. Eles têm que ser punidos por nos desobedecer.
Shank: A Venezuela tem sido um desafiador bem-sucedido com Chavez e a proximidade com o socialismo. Como ela está em nossa lista?
Chomsky: Bem no alto. Os Estados Unidos patrocinaram um golpe militar para derrubar o governo. Na verdade, é o último e mais recente esforço no que costumava ser um lugar comum para esse tipo de medida.
Shank: Mas por que não voltamos mais nosso olhar para a Venezuela?
Chomsky: Ah, eles estão lá. Existe uma corrente constante de abuso e ataque pelo governo e, conseqüentemente, pela mídia, que são contra a Venezuela. Por várias razões. A Venezuela é independente, diversificou suas exportações em detrimento da dependência das exportações apenas para os Estados Unidos e direcionou atenções para a integração e a independência da América Latina. É o que eles chamam de alternativa boliviana e os Estados Unidos não gostam nada disso.
Novamente, é o desafio às políticas dos EUA de volta à Doutrina Monroe. Existe uma nova intepretação padrão deste tendência na América Latina, um outro tipo de linha partidária. Toda a América Latina está se direcionando para a esquerda, da Venezuela à Argentina, com raras exceções, mas existe uma esquerda ruim e uma boa. A esquerda boa é Garcia e Lula, e existe uma esquerda má que é Chavez, Morales, talvez Correa. Esta é a separação.
Para manter esta posição, é necessário recorrer a medidas elaboradas. Por exemplo, é preciso não relatar o fato de que quando Lula foi reeleito em outubro, sua primeira viagem internacional e um de seus primeiros atos foi visitar Caracas para apoiar Chavez e sua campanha eleitoral e criar uma articulação venezuelana-brasileira no Rio Orinoco, conversar sobre novos projetos e coisas do tipo. É preciso não notar o fato que poucos dias depois, em Cochabamba, na Bolívia, no coração dos caras maus, houve um encontro de líderes da América Latina, com planos para construir uma integração sul-americana, o que não está de acordo com a agenda dos EUA. Então, isto não foi percebido.
Shank: Como o impasse político no Líbano tem afetado a decisão dos EUA em entrar em guerra com o Irã? Existe mesmo uma relação entre os dois problemas?
Chomsky: Existe. Presumo que parte do motivo para a invasão EUA-Israel em julho - e foi uma invasão dos EUA com Israel, os libanêses têm razão quanto a isso - parte da razão, suponho, foi que o Hezbollah era considerado um obstáculo para uma potencial invasão dos EUA-Israel no Irã. Havia obstáculos, isto é, foguetes. E a intenção, presumo, foi limpar todo e qualquer obstáculo para deixar livre os Estados Unidos e Israel para um eventual ataque ao Irã. Esta é, pelo menos, parte da razão. A razão oficial para a invasão do Líbano não pode ser levada a sério, ou seja, a captura de dois soldados israelenses e a morte de alguns outros. Por décadas, Israel vem capturando e sequestrando refugiados libanêses e palestinos em alto mar, do Chipre ao Líbano, matando-os no Líbano, levando-os a Israel, matendo-os como reféns. Isto acontece há décadas e ninguém nunca pediu a invasão de Israel?
Claro que Israel não deseja qualquer competição na área. Mas não existe base de princípios para o ataque massivo ao Líbano, que foi horrendo. De fato, um dos últimos atos dos EUA-Israel na invasão, pouco depois do cessar fogo, foi saturar grande parte do sul com minas. Não havia um propósito militar para isso, a guerra tinha acabado, o cessar fogo estava próximo.
Grupos antiminas da ONU que trabalham lá, dizem que a escala é sem precedentes. É muito pior que qualquer outro lugar em que trabalharam: Kosovo, Afeganistão, Iraque, qualquer lugar. Supõe-se que ainda existam um milhão de minas. Muitas delas não explodem até serem tocadas, uma criança pode tocás-la, um fazendeiro pode atingí-las com uma enxada ou algo semelhante. Ou seja, basicamente o que foi feito foi deixar o sul inabitável até que as equipes de minas, para os quais nem os Estados Unidos nem Israel contribuem, limpem tudo. Todas são terras cultiváveis, isso significa que os fazendeiros não podem voltar; significa que qualquer obstáculo do Hezbollah foi minado.
Não se pode citar o Hezbollah na mídia dos EUA fora do contexto “opoiado pelo Irã”. Este é o termo. O nome certo é “Hezbollah apoiado pelo Irã”. Ele tem apoio do Irã. Mas é possível citar Israel fora do contexto “apoiado pelos EUA”. Então, é propaganda tácita. A idéia de que o Hezbollah é um agente do Irã é muito dúbio, ela não é aceita por especialistas em Irã ou por especialistas em Hezbollah. Mas esta é a política. Às vezes, você pode citar a Síria, ou seja, “Hezbollah apoiado pela Síria”, mas como a Síria não é muito de interesse, deve-se enfatizar o apoio iraniano.
Shank: Como o governo americano pode pensar como viável um ataque ao Irã dados a disponibilidade e capacidade das tropas e o sentimento do público?
Chomsky: Até onde sei, os militares nos Estados Unidos acham que é loucura. E de qualquer vazamento que obtemos da inteligência, a comunidade de inteligência acha bizarro, mas não impossível. Se você der uma olhada em pessoas que realmente estiveram envolvidas em planejamento estratégico no Pentágono por anos, gente como Sam Gardiner, elas dizem que existem coisas que realmente podem ser feitas.
Não acho que qualquer analista externo, até onde eu sei, levou muito a sério a idéia de bombardear estruturas nucleares. Eles dizem que se houver bombardeio será de solo. Ou seja, tome a estrutura nuclear mas tome o resto do país também, com uma exceção. Por acidente ou geografia, a maior parte dos recursos de petróleo no mundo está em áreas de domínio xiita. O petróleo do Irã está concentrado bem perto do golfo, uma área que é árabe, não persa. O Cuzistão é árabe e tem sido leal ao Irã, lutou a seu lado, não ao lado do Iraque, na guerra Irã-Iraque. Esta é uma fonte em potencial de desacordo. Eu ficaria surpreso se já não houver uma tentativa de apoio a grupos separatistas no Cuzistão. Forças dos EUA na fronteira do Iraque, incluindo a insurreição, estão disponíveis para “defender” um Cuzistão independente contra o Irã, que será o informado, se for possível fazê-lo.
Shank: Você acha que é para isso que a insurreição serve?
Chomsky: É uma possibilidade. Houve a divulgação de um relatório de jogos-de-guerra do Pentágono, em dezembro de 2004, quando Gardiner liderou, publicado no Atlantic Monthly. Era possível apresentar uma proposta que não levasse ao desastre, mas uma das coisas que eles levaram em consideração foi manter a presença de tropas no Iraque além do necessário para substituições, e usá-las para uma invasão por terra no Irã - presume-se que pelo Cuzistão, que é onde está o petróleo. Se fosse possível realizar isso, bastava bombardear todo o resto do país às cinzas.
De novo, eu ficaria surpreso se não houver esforços para financiar movimentos separatistas, dentre a população azeri, por exemplo. Existe uma mistura étnica complexa no Irã; grande parte da população não é persa. De qualquer forma, existem tendências separatistas e é quase certo, mesmo sem saber nada dos fatos, que os Estados Unidos estão tentando apoiá-las para rachar o país internamente. A estratégia parece ser: tentemos rachar o país internamente para levar às mais duras e brutais lideranças possíveis.
Esta é a conseqüência imediata de ameaças constantes. Todo mundo sabe disso. Esta é uma das razões de reformistas, como Shirin Ebadi e Akbar Ganji, entre outros, de reclamarem constantemente das ameaças dos EUA, que minam os esforços de reformar e democratizar o Irã. Mas este é o propósito. Como é uma conseqüência óbvia, deve-se admitir que este é o propósito. Assim como na lei, conseqüências antecipadas são tidas como evidência das intenções. E aqui é tão óbvio que não dá para duvidar seriamente das intenções.
Então, pode ser que uma das ações da política é apoiar movimento separatistas, particularmente nas regiões ricas em petróleo, nas regiões árabes próximas ao golfo, também nas regiões azeri e outras. Em segundo lugar, está a tentativa de fazer com que as lideranças sejam as mais duras, brutais e repressoras possíveis, para elevar a desordem interna e a resistência. E em terceiro, é tentar pressionar outros países, e os europeus são os mais simpáticos, para a união de esforços em estrangular a economia iraniana. A Europa parece medir os passos, mas freqüentemente fica do lado dos Estados Unidos.
Os esforços de intensificar a dureza do regime aparecem de muitas formas. Por exemplo, o Ocidente adora Ahmadinejad. Qualquer declaração dele é imediatamente anotada nas manchetes e mal traduzida. Eles o amam. Mas qualquer um que conheça alguma coisa sobre o Irã, como os conselhos editoriais, sabe que ele não pode fazer nada em matéria de política externa. A política externa está nas mãos de seu superior, o Supremo Líder Khamenei. Mas suas declarações não são divulgadas, particularmente quando elas são muito conciliatórias. Por exemplo, eles amam quando Ahmadinejad diz que Israel não deveria existir, mas não gostam quando Khamenei, logo depois, diz que o Irã apóia a posição da Liga Árabe na questão Israel-Palestina. Até onde sei, isso nunca foi divulgado. Na verdade, é mais fácil encontrar as posições conciliatórias de Khamenei no Financial Times, mas não aqui. Elas são repetidas pelos diplomatas iranianos, mas não é o suficiente. A proposta da Liga Árabe defende a normalização das relações com Israel, desde que Israel aceite o consenso internacional em torno do acordo bilateral com os palestinos, um acordo que tem sido bloqueado pelos os Estados Unidos e por Israel por 30 anos. Mas esta não é uma boa história, então ou não é mencionada ou escondida em algum lugar.
É muito difícil fazer qualquer previsão sobre a administração Bush porque ela é profundamente irracional. Eles sempre foram irracionais, desde o início, mas agora estão desesperados. Eles criaram uma catástrofe inimaginável no Iraque. Deveria ter sido uma das mais fáceis ocupações millitares da história, mas eles conseguiram torná-la um dos piores desastres militares da história. Não podem mais controlá-la e é quase impossível sair de lá, por razões que não podem ser discutidas nos Estados Unidos já que discutir porque eles não podem sair de lá seria explicar os reais motivos da invasão.
Somos encorajados a pensar que não teve qualquer relação com o petróleo, que se o Iraque expotasse picles ou geléia e o centro da produção petrolífera fosse no Pacífico Sul, os Estados Unidos teriam invadido da mesma forma. Não tem nada a ver com petróleo, que idéia maluca. Qualquer pessoa com os parafusos na cabeça sabe que isso não pode ser verdade. Permitir um próspero e independente Iraque seria um pesadelo para os Estados Unidos. Significaria uma dominação xiita, o que seria um mínimo de democracia. Haveria uma contínua aproximação com o Irã, tudo o que os Estados Unidos não querem ver. Além disso, na fronteira com a Arábia Saudita, onde a maior parte do pretróleo saudita está, existe uma grande população xiita, provavelmente uma maioria.
Qualquer ação para a independência do Iraque estimula pressões para os direitos humanos da população xiita repremida e também para um certo grau de automina. Você pode imaginar uma ampla aliança xiita no Iraque, Arábia Saudida e Irã controlando a maior parte do petróleo mundial, e independentemente dos Estados Unidos. E, muito pior, embora a Europa possa ser intimidada pelos Estados Unidos, a China não. Esta é uma das razões de porque a China é considerada uma ameaça. Estamos de volta ao princípio da máfia.
A China está ali por 3 mil anos, conteve os bárbaros, está livrando-se de um século de dominação e está se virando sozinha. Ela não se intimida quando o Tio Sam balança os punhos. Isso é amedrontador. Em particular, é perigoso no caso do Oriente Médio. A China é o centro da rede de segurança energética na Ásia, que inclui a Ásia Central e a Rússia. A Índia está ali nas beiradas, a Coréia do Norte está envolvida, e o Irã é, de certa forma, um associado. Se os recursos petrolíferos do Oriente Médio no golfo, que são os principais do mundo, caírem na rede asiática, os Estados Unidos serão, realmente, uma potência de segunda classe. Tem muito em jogo no Iraque.
Tenho certeza que estas questões são discutidas em planejamentos internos. É inconcebível que eles não pensem nisso, mas está fora da discussão pública, não está na mídia, não está nos jornais, não está no relatório Baker-Hamilton e acho que as razões são compreensíveis. Trazer a tona estes problemas seria abrir os motivos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha para a invasão. E isto é um tabu.
Existe um princípio que diz que tudo que nossos líderes fazem é por razões nobres. Pode ser um erro, pode ser feio, mas basicamente é nobre. E se você entender como objetivos moderados, conservadores, estratégicos ou econômicos, é uma ameaça para este princípio. É impressionante a extensão de como isso é levado a sério. Os pretextos originais para a invasão foram as armas de destruição em massa e as ligações com a al-Qaida, que ninguém, só talvez Cheney e Wolfowitz, levou a sério. A única pergunta que eles reinteraram foi: Saddam irá desistir dos programas de armas de destruição em massa? Esta pergunta única foi respondida meses depois, mas da forma errada. Rapidamente a política foi alterada. Em novembro de 2003, Bush anunciou sua agenda de liberdade: nossa real intenção é levar a democracia ao Iraque para transformar o Oriente Médio. Esta tornou-se a linha política, instantaneamente.
Mas é um erro escolher indivíduos por estarem próximos do universal, mesmo na academia. Na verdade, você pode encontrar artigos acadêmicos que começam com a evidência de que foi uma completa farsa, mesmo sem aceitá-la como tal. Existe um estudo muito bom sobre a agenda de liberdade na Currenty History escrito por dois acadêmicos que citam os fatos. Eles argumentam que a agenda de liberdade foi anunciada em novembro de 2003, depois do fracasso na busca por armas de destruição em massa, mas que a agenda existiria mesmo sem qualquer motivo para sua existência.
Se você der uma olhada nas nossas políticas, é o oposto completo. Veja a Palestina. Houve um eleição livre na Palestina, mas o resultado foi o errado. Instantaneamente, os Estados Unidos e Israel, com a Europa do lado, puniram o povo palestino, e com dureza, por terem votado de forma errada em uma eleição livre. Isto é aceito no Ocidente como sendo normal e ilustra o profundo ódio e desrespeito das elites ocidentais com a democracia, tão profundamente sedimentados que mal são percebidos quando estão na frente dos nossos olhos. Você pune pessoas severamente por votar errado em eleições livres, mas existe um pretexto para isso também, repetido todos os dias: o Hamas deve, primeiro, concordar em reconhecer Israel, segundo, parar com a violência e, terceiro, aceitar os acordos. Tente encontrar uma menção sequer da rejeição dos Estados Unidos e Israel aos três itens. Obviamente, eles não reconhecem a Palestina, com certeza não diminuíram a violência ou as ameaças - a verdade é que eles insistem nelas - e não aceitam os acordos passados, incluindo o mapa para a paz.
Eu suspeito que uma das razões do livro de Jimmy Carter ter sido tão atacado é porque pela primeira vez, nos meios de massa, alguém encontrou a verdade sobre o mapa da paz. Nunca vi nada nos meios de massa que debatesse a rejeição instantânea de Israel ao mapa da paz, com apoio dos Estados Unidos. Oficialmente, eles o aceitaram, mas adicionaram 14 observações que o inviabilizou. Foi feito de forma rápida. É de conhecimento público que escrevi e falei sobre o assunto, assim como outros, mas eu nunca vi ser mencionado nos meios de massa. E, claro, eles não aceitam a proposta da Liga Árabe ou qualquer outra proposta séria. Na verdade, eles estão impedindo o consenso internacional a respeito da solução bi-nacional por décadas. Mas o Hamas tem que aceitar.
Não faz qualquer sentido. O Hamas é um partido político, partidos políticos não reconhecem outros países. E o próprio Hamas deixou isso muito claro com uma trégua de um ano e meio, não responderam aos ataques israelenses e propuseram uma trégua de longo prazo, quando seria possível negociar um acordo segundo o consenso internacional e a proposta da Liga Árabe.
Tudo isso é óbvio, está na superfície, e é apenas um dos exemplos do ódio à democracia por parte das elites ocidentais. É um exemplo, mas pode-se citar casos e mais casos. O presidente anunciou sua agenda de liberdade, e se o querido líder diz alguma coisa, ela deve ser verdade, em um estilo parecido com o da Coréia do Norte. Além disso, existe uma agenda de liberdade mesmo com uma montanha de evidências contra ela, a única evidência a favor dela está em palavras, mesmo que fora de tempo.
Shank: Na eleição presidencial de 2008, como os candidados vão lidar com o Irã? Você acha que o Irã será um assunto decisivo?
Chomsky: O que eles têm dito até agora não é encorajador. Ainda penso, a despeito de tudo, que os Estados Unidos não estão muito propensos a um ataque ao Irã. Pode ser uma catástrofe enorme; ninguém sabe quais serão as conseqüências. Imagino que apenas uma adminstração muito desesperada chegaria a tanto. Mas se os candidatos democratas estiverem no caminho da vitória, a administração vai se desesperar. E tem ainda o problema iraquiano: não dá para ficar lá, mas também não dá para sair de lá.
Shank: Os senadores democratas parecem não chegar a um consenso a respeito.
Chomsky: Acho que existe uma razão, que são as conseqüências de permitir um Iraque independente e parcialmente democrático. As conseqüências não são triviais. Podemos enfiar nossas cabeças na areia e fingir que não pensamos sobre o assunto, porque não podemos permitir que o motivo da invasão pelos Estados Unidos seja revelado, seria auto-destrutivo.
Shank: Existe alguma conexão entre este assunto e nossa incapacidade de encontrar o desejo político de criar uma legislação que reduza os níveis de emissão de CO2, instituir um sistema de reciclagem, etc.?
Chomsky: O motivo dos Estados Unidos não assinarem o Protocolo de Quioto está perfeitamente claro. De novo, existe um grande apoio popular para assiná-lo, tão grande que a maioria dos eleitores de Bush em 2004 pensou que ele era a favor do protocolo, é o tipo de coisa óbvia para se apoiar. O desejo popular por fontes de energia alternativas é grande há muito tempo. Mas elas prejudicam os lucros corporativos, que é o que constitui a própria administração.
Lembro de conversar, 40 anos atrás, com um dos líderes no governo envolvido com controle bélico. Conversamos que o controle de armas poderia ser bem-sucedido e, como uma piada, ele falou “bem, seria um sucesso se as indústrias de alta tecnologia lucrassem mais com controle de armas do que com pesquisa e produção de armas. Se chegármos a esse ponto, talvez o controle de armas seja um sucesso”. Ele estava, em parte, brincando, mas existe uma grande verdade aí.
Shank: Como vamos lidar com as mudanças climáticas sem prejudicar o sul?
Chomsky: Infelizmente, os países pobres, o sul, sofrerão muito de acordo com a maioria das projeções - e assim sendo, qualquer suporte do norte está minado. Preste atenção na história do ozônio. Enquanto o hemisfério sul era o mais ameaçado, houve pouca conversa a respeito. Quando o problema foi descoberto no norte, foram tomadas medidas muito rapidamente. Agora mesmo existe um debate em torno de um esforço sério para o desenvolvimento de uma vacina contra a malária, porque o aquecimento global pode chegar aos países ricos, então alguma coisa tem que ser feita a respeito.
A mesma coisa acontece quanto aos planos de saúde. Esta é uma questão que, para a população em geral, é um problema sério, por anos. E existe o consenso para um sistema nacional de saúde no modelo de outros países industriais, com expansão do Medicare para todos, ou algo do tipo. Bem, isso está fora da agenda, ninguém pode falar sobre. As companhias de seguro não gostam da idéia, as indústrias financeiras também e por aí vai.
Agora existe uma mudança a caminho. O que está acontecendo é que as indústrias de manufatura estão começando a opoiar a idéia porque elas estão sendo prejudicadas pela ineficiência do sistema dos Estados Unidos. É a pior coisa no mundo industrial de longe, e eles estão pagando por isso. Como a compensação é, em parte, do empregador, os custos de produção deles são muito mais elevados que os dos competidores que tenham um sistema nacional de saúde. Veja a GM. Se ela produzir o mesmo carro em Detroit e em Windsor, na fronteira com o Canadá, são economizados, esqueci do número, acho que são US$ 1 mil na produção em Windsor porque lá existe um sistema nacional de saúde. É muito mais eficiente, mais barato e efetivo.
Então, a indústria de manufatura está começando a pressionar por algum tipo de sistema de saúde nacional, começando a colocar o assunto na agenda. Não importa se a população quer, o que 90% da população deseja é um tanto irrelevante. Mas se parte do capital corporativo, que é quem faz o país funcionar - outra coisa que não podemos dizer, mas que é óbvia -; se parte do setor está a favor, então o problema entra na agenda.
Shank: Então como a voz do sul será ouvida na agenda internacional? O Fórum Social Mundial é o lugar certo?
Chomsky: O Fórum Social Mundial é muito importante, mas, claro, não pode ser coberto no Ocidente. Na verdade, lembro de ler um artigo, acho que no Financial Times, sobre os dois principais fóruns acontecendo na época. Um era o Fórum Econômico Mundial em Davos e o outro era em Herzeliyah, em Israel, um fórum de direita em Herzeliyah. Claro que havia também o Fórum Social Mundial em Nairóbi, mas neste tinha apenas dezenas de milhares de pessoas de todos os lugares do mundo.
Shank: Com a tendência de denegrir o G77 nas Nações Unidas, pode-se duvidar se os países em desenvolvimento farão ouvir suas preocupações.
Chomsky: A voz dos países em desenvolvimento pode ser amplificada em muito com o apoio dos saúdaveis e privilegiados, ou então sempre serão marginalizados, como em qualquer outro assunto.
Shank: Então, depende de nós.
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