*(LITERATURA CLANDESTINA REVOLUCIONÁRIA)*MICHEL FOUCAULT LIBERTE-ME.

VC LEU MICHEL FOUCAULT,NÃO?ENTÃO O QUE VC ESTÁ ESPERANDO FILHO DA PUTA?ELE É A CHAVE DA EVOLUÇÃO DOS HUMANOS.HISTORIA DA LOUCURA,NASCIMENTO DA CLINICA,AS PALAVRAS E AS COISAS,ARQUEOLOGIA DO SABER,A ORDEM DO DISCURSO,EU PIERRE RIVIÉRE,A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS,VIGIAR E PUNIR,HISTORIA DA SEXUALIDADE,EM DEFESA DA SOCIEDADE,OS ANORMAIS...EVOLUÇÃO OU MORTE!

Thursday, November 08, 2007

O palco do poder 08/11/07 por renato janine.

Se no tempo, como no espaço, houvesse graus de alto e baixo, acredito firmemente que o mais alto de todos os tempos seria o que transcorreu de 1640 a 1660. Pois quem nele se postasse, como na Montanha do Diabo para olhar o mundo e observar as ações dos homens, especialmente na Inglaterra, poderia descortinar um panorama de todas as espécies de injustiça e de todas as espécies de loucura que o mundo possa tolerar, e de como foram produzidas pela hipocrisia e vaidade (self-conceit), sendo aquela dobrada iniqüidade e esta dupla loucura.Behemoth, Diálogo I, p. 1.
Em latim persona significa o disfarce, ou a aparência externa de um homem, contrafeita no palco; e, às vezes, mais especialmente aquela parte que disfarça o rosto, como uma máscara ou viseira: e do palco [esta expressão] foi transladada a qualquer representante de discurso e ação, tanto em tribunais como teatros. De modo que uma Pessoa é o mesmo que um Ator, tanto no palco como no convívio quotidiano.Leviathan, cap. XVI, p. 80.
Toda a empreitada de Hobbes trava-se no vão entre duas formas de teatro, as que se opõem nas epígrafes – abrindo uma o relato da guerra civil, preparando a outra a criação do Estado: o olhar altivo e algo zombeteiro do filósofo sobre a "comédia humana", sobre este "espetáculo do mundo" que Satã descortinou a Jesus do alto da Montanha do Diabo; e a constituição da sociedade política por um contrato que institui a representação dos súditos por seu soberano, tornado superfície de inscrição sobre a qual se rebate todo o sistema social. Sempre presente, a clivagem entre o palco e a platéia: enquanto se trata do exame, que compete à ciência da política, das paixões desenfreadas no palco do mundo durante a guerra civil, a partição faz-se pelo olhar; entre a comédia do homem finito e o espectador abre-se o fosso da não-fascinação, banindo toda tentação de voyeurisme, ao avesso desse pacto de fé no qual Sartre fundamenta as relações entre o escritor e o público, desse contrato de ficção. Pois essa é a distancia da ironia que, misto de pessimismo e humor, transforma em crítico esse espectador: a distância que abre espaço para o saber. E a geografia da nascente ciência política exige, para dar ao poder a máxima eficácia, a posição montanhosa, a alteza.A clivagem também está presente à fundação do Estado: mas aí o que separa o palco da sua alteridade não é mais o olhar, é o fazer. A ação prevalece agora sobre tudo e, se restam homens – e possivelmente muitos – ausentes do palco, estão privados de toda escolha entre a fascinação e a crítica, e mesmo de todo olhar: perderam esta liberdade do olho que define o lugar do espectador. A divisão faz-se agora em sentido contrário, deixa de privilegiar o espectador e favorece o palco, que não mais precisa justificar-se mas torna-se juiz. A platéia é abolida desde que o Ator encarna em si todos os súditos, e seus atos não se destinam mais à contemplação, somente à eficácia. A distância entre a cena e seu outro não distingue mais a produção e o juízo emitido sobre ela: esta clivagem da não-produção permitia a multiplicação infinita das interpretações, um tal borboletear dos signos que fazia esquecer a marca originária e dava lugar à rebelião. Agora nada mais escapa à dominação: distância só há entre o senhor e seus súditos, no interior do espaço produtivo, sem santuário nem pique.Propomos chamar esse teatro do poder de Estado um teatro da produção, opondo-o ao palco regido pelo olhar; aqui, nenhum texto vem determinar nem prever os atos do soberano, o ator cria a seu prazer, limitando-se o autor a endossar de antemão todas as ações daquele. Lugar de condensação das forças, espaço de produção do Evento, o palco – a cena – não é mais esta míngua franja entre o olhar e a escritura, entre o texto autoritário e o espectador-juiz.Morreu o espetáculo, porque suprimidos os espectadores todos os "outros" do palco estão nos bastidores, ou no coro que repete e prolonga os atos do Soberano, que é o Ator. A produção assim recupera suas cartas de nobreza; pois, enquanto a partição obedecia ao olhar e aproveitava ao espectador, o produtor do político era reduzido à reiteração, à repetição inconsciente de atos semelhantes, conforme um ciclo entrevado de não-saber e revolta. A distância anistiava o crítico de toda fascinação; na diversidade dos atos-produtos esse homem do juízo – raríssimo em meio à guerra civil, na qual para um Hobbes há milhares de ideólogos... – via apenas as miragens da aparência e da irrisão, atrás das quais lhe competia encontrar a lei e o sério que lhe mostram uma explosão que se prepara, que dele exigem o imediato encontro e adoção de um remédio.A atitude do crítico pressupõe um roteiro por trás dessa multidão de atos, um texto oculto (e quem sabe um autor oculto, Deus...), e que é preciso desvendar. Em suma, essa distância de não-produção, esse desdém do agir são a recusa do espectador a participar dessa produção de guerra e morte com que se depara; o crítico, protegido por seu fosso de ironia, vai encetar uma produção de marcas, construindo passo a passo a ciência que permita instaurar o Estado ideal, condição de possibilidade da verdadeira produção. Que não estará na retired life de um cândido seiscentista, mas no núcleo mesmo do Estado: produção de vida, princípio de realidade que se impõe ao suicida princípio de prazer, para que a existência terrena adquira a duração.Dois teatros, duas formas diferentes e contraditórias da alteridade, e contudo coexistindo e mesmo produzindo, por sua tensão, uma obra. Deve-se dar uma função pedagógica ao teatro do olhar, para forçar o advento do teatro da produção. A errância do olhar é o índice, e talvez a causa, desta fissura na produção social – na produção de sociabilidade – que é a latência da guerra civil . Mas há que distinguir dois olhares: o regicida dos presbiterianos, a visão hobbesiana compondo um sistema político coerente e consistente. Se o homem precisa do Estado, é porque naturalmente tende a fazer a guerra; herança do pecado original, isto é, do desejo de ter a "ciência do bem e do mal", desejo este que inimiza os homens, cada um alegando conhecer melhor que os outros o que são bem e mal. Este primeiro saber já é maldito, fruto da mentira demoníaca; seu preço é o Eden. Ora, no discurso bíblico, contrapõem-se duas aparições do diabo, em lugares estratégicos, uma no começo do Velho Testamento, outra perto do início do drama do Novo Testamento: a sedução de Adão e Eva, a tentação de Jesus Cristo. A eloqüência do diabo, que perdeu o homem, falha junto a Cristo: e este só se submete – para recusá-la – à sedução porque intenta devolver à criatura a salvação perdida com a sujeira primordial.
Aceita subir à Montanha do Diabo, mas o que vê apenas lhe confirma as certezas. O demônio oferece-lhe o saber e a posse do mundo; Jesus toma o olhar, mas só para privá-lo da sedução. Daí brota um saber purificado, opondo-se à "ciência do bem e do mal", ao logro que lançou o homem no seu estado atual. O uso freqüente da metáfora e citações bíblicas deve ser levado muito a sério na obra de Hobbes – a sua ambição compara-se à missão de Cristo e consiste em trazer aos homens esta espécie de salvação terrena que é a paz dentro do Estado.Este saber depurado (a filosofia hobbesiana, que não é uma moral mas uma política, que não divide os atos consoante o bem e o mal mas descreve a origem mesma destas noções) é o único verdadeiro, isto é, o único que pode impor a paz às sociedades humanas. Não é um conhecimento maldito, como a maçã comida no Éden; em vez de interiorizar o seu objeto devorando-o, o saber adquirido na Montanha é um puro olhar, que mantém – ou antes cria – a total exterioridade entre o sujeito e o objeto. Possuir o mundo é uma questão posterior e separada de vê-lo: é possível estudar o mal sem tocá-lo, mantê-lo longe. O olho sabe por divisões, hierarquias, sem seduções, ao contrário da boca promíscua. Se a guerra civil fez proliferarem as tentações, forneceu também um magnífico laboratório de análise: e só ao cientista cabe ler o mundo acusando as suas ciladas. A independência do olhar coincide com o afrouxamento da ordem causado pela revolta; mas é possível usá-la terapeuticamente.
O próprio Hobbes é possível e necessário enquanto contrapeso – remédio – do monstro Behemoth. O que não significa que o bom andamento da política baste a si mesmo, que no Estado bem regrado o funcionar torne inútil todo enunciado a respeito do poder político; ao contrário, uma das causas da guerra civil inglesa foi precisamente que "as pessoas em geral estavam tão ignorantes do seu dever"12, e é culpa do soberano se os súditos desconhecem suas obrigações face ao poder. Toda a diferença, a este respeito, entre o Estado desordenado (ou a rebelião, que apenas explicita a desagregação antes latente) e o Estado bem regrado, é que, "hoje", Hobbes ainda tem que fundar os seus preceitos sobre a razão, enquanto no bom regime o soberano dará ao mesmo texto a sanção, mais séria, do mando. A teoria visa a tornar-se código ou doutrina. É o que explica a existência – no Leviathan, no De Cive, no De Corpore Politico – de duas ordens diferentes de argumentações que se recobrem e completam para chegarem às mesmas conclusões: a seqüência dos "teoremas referentes ao que conduz à conservação e defesa" dos homens, estabelecidos pela razão, e o encadeamento das leis "como estabelecidas pela palavra de Deus, que de direito manda todas as coisas", e que conhecemos através das Escrituras. Um dos deveres dos soberanos é justamente enunciar, enquanto leis, esses teoremas, e fazê-los pregar aos súditos nas universidades e templos.Assim, o discurso científico de Hobbes, centrado na função referencial da linguagem, abre caminho – para ceder-lhe o seu lugar – à fala conativa do soberano-pedagogo. A ciência é o anticorpo criado pela organização da humanidade contra a guerra civil; seu advento é contingente, na encruzilhada do método galilaico e da guerra intestina. Aí reside a grande diferença de Hobbes – e talvez da teoria política clássica – face a um Hegel, para quem a teoria tem a sua data necessária de aparição.

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