ao vivo do iraq.O mito das “lutas sectárias” no Iraque 07/01/08 Como sempre, a política dos ocupantes é: dividir para reinar



Não houve, nos últimos anos, estudos estatísticos para determinar a composição do Iraque por seitas. No entanto, quando a Autoridade Provisória da Coligação, dirigida por Paul Bremer, formou o primeiro governo fantoche iraquiano, foi criado o precedente. As 25 pastas do Conselho Iraquiano de Governo (CIG) foram atribuídas numa base estritamente sectária, partindo do princípio de que 60% da população era xiita, 20% sunita e 20% curda (sendo estes maioritariamente sunitas). Para criar bom ambiente, meteram lá um par de turcomenos e um cristão.É evidente que esta trupe de fantoches, posta no terreno logo no estabelecimento da “democracia” no Iraque foi mandatada para fazer ver à população que o seu interesse seria pensar, pelo menos politicamente, em termos de distinções sectárias e étnicas. Como era previsível, as lutas políticas pelo poder sucederam-se e foram consolidadas e exacerbadas com as eleições de 30 de Janeiro de 2005.Basta raspar ao de leve na superfície para trazer à vista um tenebroso aspecto, não noticiado, do plano dos EUA para a divisão [do Iraque]. Um relatório das Nações Unidas, de Setembro de 2005, responsabilizava as tropas do ministério do Interior iraquiano por uma campanha organizada de detenções, torturas e assassinatos de cidadãos iraquianos. Estas unidades de comandos especiais da polícia eram recrutados nas milícias xiitas da organização de Badr e do Exército de Mehdi.Em Bagdade, durante Novembro e Dezembro de 2004, ouvi descrições generalizadas de esquadrões da morte a assassinar líderes resistentes sunitas e os respectivos apoiantes. Foi depois do falhanço da operação Phamtom Fury – nome dado ao cerco a Faluja nesse Novembro – que a resistência iraquiana se espalhou por todo o Iraque como fogo em floresta. Para dominar esse incêndio, foram organizados esquadrões da morte destinados a eliminar a liderança dessa resistência crescente.A equipa de bombeiros tinha à cabeça o embaixador dos EUA no Iraque, John Negroponte, bem assistido pelo coronel na reserva James Steele, conselheiro das forças iraquianas de segurança. Em 1984-86, Steele comandara a equipa de conselheiros militares dos EUA em El Salvador. Entre 1981 e 1985, Negroponte foi embaixador dos EUA nas vizinhas Honduras. Em 1994, a Comissão de Direitos Humanos hondurenha acusou-o de inúmeras violações dos direitos humanos, com uma lista de 184 activistas políticos torturados e desaparecidos. Uma equipa da CIA, organizada em 1996 para estudar o papel dos EUA nas Honduras, reuniu documentos onde se admitia que as operações supervisionadas por Negroponte nas Honduras foram efectuadas por “unidades especiais dos serviços secretos”, mais conhecidas como “esquadrões da morte”, unidades hondurenhas treinadas pela CIA que raptaram, torturaram e assassinaram milhares de pessoas suspeitas de apoiarem as guerrilhas da esquerda. Negroponte foi embaixador no Iraque durante quase um ano a partir de Junho de 2004.A única referência pública a isto, que eu tenha visto, foi na revista Newsweek de 8 de Janeiro de 2005. O artigo cita Donald Rumsfeld, na altura Secretário da Defesa dos EUA, que falava da utilização da “Salvador Option” [Opção Salvador] no Iraque. Comparava a estratégia a ser planeada para o Iraque com a que tinha sido usada na América Central durante a administração Reagan:“Então, perante a eminência de perder a guerra contra os rebeldes salvadorenhos, o governo dos EUA financiou ou apoiou forças ‘nacionalistas’ das quais, alegadamente, fariam parte os chamados esquadrões da morte cuja finalidade era caçar e liquidar líderes rebeldes e os seus simpatizantes.A insurreição acabou por ser dominada e muitos conservadores nos EUA acham que essa política foi um êxito – apesar da morte de civis inocentes e do subsequente escândalo Irão-Contra de armas-por-reféns”.
Os esquadrões da morte sectários promovidos pelos EUA tornaram-se a primeira causa de mortes no Iraque, ultrapassando a própria máquina militar dos EUA, tristemente conhecida pela sua capacidade de matar em escala industrial. Ninguém ignora, em Bagdade, que os militares estadunidenses, regularmente, isolam bairros pró-resistência como a zona de al-Adhamiyah e abrem passagem ao pessoal da “polícia iraquiana” e do “exército iraquiano”, mascarados com carapuços negros, para irem raptar e assassinar pessoas nas redondezas.Em consequência, a maior parte de Bagdade e grande parte do Iraque estão actualmente segregadas. O reverso é que a violência na capital leva tempo a diminuir agora que o trabalho sujo dos esquadrões da morte, o de fragmentar a população, está praticamente completado.Morador em Bagdade, o general Walid al-Ubaidy disse recentemente ao meu colega iraquiano: “Eu gostaria de concordar com a ideia de que a violência no Iraque diminuiu e de que tudo corre bem, mas a verdade é bem mais amarga. O que realmente aconteceu foi uma mudança profunda no mapa demográfico do Iraque”. Bagdade é hoje uma cidade dividida.Ahmad Ali, engenheiro-chefe de um dos municípios de Bagdade, disse ao meu colega Ali al-Fadhily que “Bagdade foi transformada em duas cidades, e muitas pequenas cidades e muitos arredores. Desde logo, agora existe a Bagdade xiita e a Bagdade sunita. Cada uma delas está dividida em pequenas aglomerações, como pequenas cidades, onde vivem as centenas de milhares que tiveram de fugir de casa”. Al-Adamiyah, na margem Russafa do rio Tigre, é agora inteiramente sunita, as outras todas são xiitas. A margem al-Karkh do rio é toda sunita, excepto Shula, Hurriya e pequenas faixas de Aamil, que são dominadas pelas milícias xiitas.Desconhecedores das maquinações dos EUA, os iraquianos de Bagdade atribuem os assassinatos sectários à polícia e ao exército iraquianos e perguntam porque é que os militares dos EUA fazem pouco ou nada para os deter. “Os estadunidenses pedem a [o primeiro-ministro Nuri al-] Maliki para acabar com os assassinatos sectários sabendo perfeitamente que são os ministros dele que dão as ordens para a limpeza sectária”, diz Mahmud Farhan, da Associação dos Clérigos Muçalmanos, importante organização sunita.

Isto pode ser, ou não, uma garantia da redução do sectarismo após a partida das tropas ocupantes, mas é uma prova de que, quando a causa primária da violência – a disputa sectária, a instabilidade e o caos – são removidos da equação do Iraque, as coisas podem melhorar rapidamente.Vamos continuar a acreditar que é a ocupação que está a manter o Iraque unido?


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