Entrevista com Yves Sintomer 13/03/08

Qual é a particularidade da democracia francesa?Como todos os outros países europeus, a França é uma democracia parlamentar, diferente do regime presidencial americano. A especificidade francesa, - é a 5a República que o deseja assim - é o fato de possuir um Parlamento extremamente frágil em relação aos de seus vizinhos alemães, britânicos e espanhóis, no que concerne aos montantes disponíveis para os parlamentares, o controle sobre a ordem do dia, a possibilidade de criar comissões parlamentares, a importância simbólica que lhe é dada pelo poder executivo, os mecanismos de produção da lei (vaivém entre as duas casas até que haja acordo sobre os textos, controle do executivo sobre os textos, etc.). A França também é o país onde há o mais estreito recrutamento da classe política em sua cúpula e sua profissionalização é mais intensa.Assim, a situação francesa é paradoxal: a 5a República, instituída em 1958, foi construída em nome do equilíbrio entre os poderes, mas, na verdade, a onipresença do executivo não possui qualquer contrapeso. Entretanto, a situação melhorou um pouco nos últimos trinta anos, graças ao papel mais relevante da justiça: crescimento do poder do Conselho Constitucional, com a independência dos juízes fortalecida.

Presença no segundo turno da eleição presidencial de 2002 de um candidato da extrema-direita, aumento da abstenção, redução do número de filiados aos sindicatos e aos partidos: a democracia francesa está em crise?De certa maneira, a democracia sempre esteve em crise. É m regime sempre em questionamento. Mais do que uma crise da democracia, pode-se falar de uma crise de legitimidade do sistema político atual, que se manifestou com a chegada ao segundo turno da eleição presidencial de 2002, em 21 de abril, do candidato da Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen. Durante essa mesma eleição, o presidente em fim de mandato, Jacques Chirac, obteve no primeiro turno apenas 19,9% dos votos, enquanto os candidatos de partidos sem representação no Parlamento somaram 29,6%.Em 2005, a rejeição, por referendo, do Tratado de Constituição Européia interveio, após a aprovação desse mesmo tratado por 92% do Congresso (que reúne as duas casas parlamentares, a Assembléia Nacional e o Senado). Mais genericamente, as pesquisas apontam que a confiança nos políticos chegou a um nível historicamente baixo.
Como se explica esse fenômeno?Várias razões se conjugam, o que vemos também em nível europeu: a incapacidade dos políticos de sair da situação de crises econômicas e sociais de um outro modo, não por meio de estratégias de crescimento desiguais que atingem, sobretudo, as camadas populares; crise da ação pública tradicional, burocrática demais; profissionalização crescente da política que tende a distanciá-la das energias que poderiam alimentá-la; processos de decisão que passam cada vez mais por acordos de governança entre Estados, tendendo a reduzir o campo de ação do sistema político clássico.Enfim, em toda a Europa, o sistema político, do final do século XIX ao início do século XX, organizou-se em torno dos partidos de massa (partidos social-democratas e democrata-cristãos, por exemplo) que organizavam em torno de si uma parte da sociedade. Hoje, os partidos subsistem, mas perderam, em grande parte, a função de mediação que tiveram entre a sociedade e o sistema político.

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