Robert Fisk:A única lição que aprendemos é que nunca aprendemos 23/03/08


Com que facilidade os homenzinhos nos atraíram ao inferno, sem conhecimento ou, sequer, interesse pela História. Nenhum deles leu o relato da sublevação iraquiana de 1920 contra a ocupação britânica, nem do brusco e brutal acordo assinado por Churchill no ano seguinte.Nos nossos radares históricos, nem sequer apareceu Crassus, o mais abastado dos generais romanos que exigiu o título de imperador depois de ter conquistado a Macedónia - missão cumprida - e como vingança se propôs destruir a Mesopotâmia. Algures no deserto, perto do rio Eufrates, os partas, antecessores dos actuais rebeldes iraquianos, aniquilaram as legiões, cortaram a cabeça a Crassus e enviaram-na para Roma, recheada de ouro. Se fosse hoje, teriam filmado a decapitação.Com uma monumental arrogância, estes homenzinhos que nos levaram para a guerra há cinco anos mostram agora que não aprenderam nada. Anthony Blair - como deveríamos ter sempre chamado a este advogado de província - devia estar a ser julgado por hipocrisia. Em vez disso, agora pretende trazer a paz a um conflito Israelo-Árabe que tanto fez para exacerbar. E temos agora o homem que mudou de opinião quanto à legalidade da guerra - e o conseguiu fazer numa única folha A4 - a ter a audácia de sugerir que deveríamos fazer exames aos imigrantes antes de lhes conceder a cidadania britânica. A primeira pergunta, proponho eu, deveria ser: Que Procurador-Geral britânico com as mãos cobertas de sangue ajudou a mandar 176 soldados britânicos para a morte a troco de uma mentira? Segunda pergunta: Como conseguiu escapar impune?


Churchill teve de prestar contas pela perda de Singapura perante um Hemiciclo lotado. Brown nem sequer prestará contas pelo Iraque até a guerra acabar.É um truísmo grotesco que hoje - depois das poses assumidas pelos nossos anões políticos há cinco anos - nem sequer nos seja permitido fazer uma sessão espírita com os fantasmas da Segunda Guerra Mundial. As estatísticas são o medium e a sala teria de estar às escuras. Mas é um facto que o número total de norte-americanos mortos no Iraque (3 mil 978) ultrapassa em muito o número de baixas americanas no desembarque original do Dia-D na Normandia (3 mil 384, entre mortos e desaparecidos) a 6 de Junho de 1944, ou mais de três vezes superior ao número total de baixas britânicas em Arnhem no mesmo ano (mil e duzentas).Correspondem a pouco mais de um terço do total de baixas (11 mil e 14) de toda a Força Expedicionária Britânica, desde a invasão germânica da Bélgica à evacuação final em Dunquerque, em Junho de 1940. O número de britânicos mortos no Iraque - 176 - é quase igual ao total de militares britânicos perdidos na Batalha do Bulge, nas Ardenas, em 1944-45 (pouco mais de 200). O número dos feridos americanos no Iraque - 29 mil 395 - é mais de nove vezes superior ao número de americanos feridos a 6 de Junho (3 mil 184) e mais de um quarto do total de americanos feridos em toda a Guerra da Coreia (103 mil e 284), entre 1950-53.As baixas iraquianas permitem uma comparação ainda mais próxima com a Segunda Guerra Mundial. Mesmo que aceitemos a mais optimista das estatísticas de civis mortos - vão de 350 mil a um milhão - esta há muito que suplantou o número de civis britânicos mortos durante os bombardeamentos aéreos de Londres em 1944-45 (seis mil) e já ultrapassa em muito o total de civis mortos em bombardeamentos aéreos em todo o Reino Unido - 60 mil e 595 mortos e 86 mil e 182 feridos graves - de 1940 a 1945.Com efeito, o número de civis iraquianos mortos desde a nossa invasão é agora superior ao número de baixas britânicas em toda a Segunda Guerra Mundial, que atingiu a impressionante cifra de 265 mil mortos (algumas histórias apontam para 300 mil) e 277 mil feridos. As estimativas mais conservadoras para os mortos iraquianos significam que a população civil da Mesopotâmia sofreu seis ou sete Dresdens - ou ainda mais terrível - duas Hiroshimas.
Em certa medida, porém, tudo isto não passa de uma digressão da terrível verdade contida no aviso de Buchanan. Mandámos os nossos exércitos para as terras do Islão. Fizemo-lo com o único encorajamento de Israel, cujo informações falsas sobre o Iraque têm sido discretamente esquecidas pelos nossos líderes enquanto choram lágrimas de crocodilo pelas centenas de milhar de iraquianos mortos.O enorme prestígio militar americano sofreu danos irreparáveis. E se há hoje, como calculo, 22 vezes mais tropas ocidentais no mundo islâmico do que havia no tempo das cruzadas dos séculos XI e XII, temos de nos perguntar o que andamos a fazer. Estamos lá pelo petróleo? Pela democracia? Por Israel? Por medo das armas de destruição maciça? Ou por medo do Islão?É com ligeireza que associamos o Afeganistão ao Iraque. Se Washington não tivesse sido desviada do curso pelo Iraque, segundo nos dizem agora, os Taliban não se teriam reinstalado no terreno. Mas a Al-Qaeda e o nebuloso Osama bin Laden não se deixaram distrair, razão por que expandiram as suas operações pelo Iraque adentro e depois usaram esta experiência para atacar o ocidente no Afeganistão com o bombista suicida, até então inédito no país.E atrevo-me a fazer uma terrível previsão: que é tão certo termos perdido o Afeganistão como é certo termos perdido o Iraque e iremos "perder" o Paquistão. São a nossa presença, o nosso poder, a nossa arrogância, a nossa recusa em aprendermos com a História, e o nosso terror - sim, o nosso terror - do Islão que nos empurram para o abismo. E enquanto não aprendermos a deixar estes povos muçulmanos em paz, a nossa catástrofe no Médio Oriente só irá piorar. Não há qualquer ligação entre Islão e "terror". Mas há uma ligação entre a nossa ocupação das terras muçulmanas e o "terror". Não é uma equação demasiado complicada. E não precisamos de um inquérito público para a acertar.

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