O Haiti não é o Tibete: as misérias do discurso duplo 21/04/08 por Raúl ZIBECHI
Nas últimas semanas pudemos ver como a grande mídia e os governos conservadores do mundo lançaram uma campanha contra os Jogos Olímpicos por conta da repressão do governo da China no Tibete. Neste tempo, também pudemos ver como as esquerdas latino-americanas e os meios progressistas criticaram com energia o governo de Álvaro Uribe pela ação militar da Colômbia contra um acampamento das FARC em solo equatoriano.Nos últimos dias, a população do Haiti saiu às ruas para protestar contra o escandaloso aumento dos preços dos alimentos, que triplicou desde novembro, e contra a presença das tropas da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). A repressão ordenada pelos comandos da missão provocou até agora cinco mortos e dezenas de feridos. Porém, os que rasgam as roupas pela repressão no Tibete e boa parte dos que criticam com inteira razão o governo de Uribe mantêm silêncio diante dos crimes no Haiti.
O duplo discurso das direitas do mundo não é nenhuma novidade nem pode surpreender, já que essa dupla está na cultura das direitas. Dói, entretanto, que as esquerdas não tenham o valor de serem conseqüentes quando a repressão é levada adiante por tropas de países governados por partidos de esquerda. Com efeito, o grosso das tropas da Minustah provém de países como o Brasil (1.211 efetivos) que, além disso, comanda a missão, Uruguai (1.147), Argentina (562) e Chile (502). Todos estes países são governados por pessoas que se dizem de esquerda ou progressistas.Esta presença militar “progressista” contrasta com as brigadas de saúde que Cuba mantém em sua ilha. Comparado com os quatro países do Cone Sul que mantêm soldados no Haiti, Cuba é um país pobre que, apesar disto, tem mostrado que a ajuda humanitária pode ser feita a favor dos povos sem recorrer à violência. Segundo o presidente René Preval, os 400 médicos cubanos que estão no Haiti há mais de cinco anos “já atenderam oito milhões de casos, já fizeram mais de 100 mil operações cirúrgicas, dentre elas 50 mil de alto risco”. Além disso, Preval destaca a cooperação na agricultura, pesca e aqüicultura, e o apoio de engenheiros cubanos na única indústria haitiana que produz açúcar. Cuba recebeu 600 bolsistas haitianos que estudam na Universidade de Santiago de Cuba.
Os médicos cubanos estão dispersos em todo o país, inclusive nas regiões mais remotas. Em contraste, o Haiti tem apenas dois mil médicos, sendo que 90% residem na capital, Porto Príncipe. Nas zonas atendidas pelos médicos cubanos, a mortalidade infantil caiu de 80 a 28 mortes a cada mil nascimentos, e estima-se que mais de 100 mil vidas foram salvas pela ajuda cubana. Segundo Preval, “o tipo de ajuda que necessitamos é como a de Cuba”, assegurando que, para os haitianos, “depois de Deus, estão os médicos cubanos”.Por que Cuba pode enviar ajuda que salva vidas e Brasil e Uruguai, cujos presidentes se dizem de esquerda, enviam balas e morte? A resposta está diante de nossos olhos: Cuba é um país solidário que combate o capitalismo, enquanto os países do Cone Sul estimulam as mesmas políticas que estão deixando com fome os haitianos, entre elas, a expansão dos agrocombustíveis às custas da soberania alimentar. Como assinala um comunicado da Serpaj América Latina, “o Haiti produzia há 20 anos 95% do arroz que consumia; hoje importa dos Estados Unidos 80% desse produto”.Até o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, admitiu a relação entre o aumento do preço dos alimentos e a produção de agrocombustíveis. Já o havia admitido Fidel Castro em 2007, logo depois da visita de Bush ao Brasil, quando fechou o acordo com o presidente Lula sobre a expansão dos combustíveis à base de cana-de-açúcar e milho.
Didier Dominque, dirigente da associação de sindicatos Batay Ouvriye, aponta: “O Haiti está sendo destruído por intenção explícita daqueles que constroem paulatinamente um bolsão de mão-de-obra barata para seus objetivos capitalistas. O estado de severa destruição social habilita o argumento da ajuda da comunidade internacional desde parâmetros hegemônicos, que dissimulam um projeto de exploração como são as zonas francas e seu conjunto de indústrias maquiadoras”. As esquerdas que governam na América do Sul formam parte desse projeto hegemônico do capital. Dói e machuca comprovar tanto silêncio cúmplice. Alegra o espírito a iniciativa do sociólogo peruano Aníbal Quijano e da economista mexicana Ana Esther Ceceña em promover um manifesto (leia texto) para reivindicar a saída da erradamente chamada missão de paz do Haiti, e uma investigação independente dos assassinatos cometidos pela Minustah, que garanta castigo aos responsáveis. Mas o castigo político que merecem nossos governantes só poderá vir da pressão dos movimentos sociais, para forçá-los a romper de uma vez com as políticas funcionais ao império.
Os médicos cubanos estão dispersos em todo o país, inclusive nas regiões mais remotas. Em contraste, o Haiti tem apenas dois mil médicos, sendo que 90% residem na capital, Porto Príncipe. Nas zonas atendidas pelos médicos cubanos, a mortalidade infantil caiu de 80 a 28 mortes a cada mil nascimentos, e estima-se que mais de 100 mil vidas foram salvas pela ajuda cubana. Segundo Preval, “o tipo de ajuda que necessitamos é como a de Cuba”, assegurando que, para os haitianos, “depois de Deus, estão os médicos cubanos”.Por que Cuba pode enviar ajuda que salva vidas e Brasil e Uruguai, cujos presidentes se dizem de esquerda, enviam balas e morte? A resposta está diante de nossos olhos: Cuba é um país solidário que combate o capitalismo, enquanto os países do Cone Sul estimulam as mesmas políticas que estão deixando com fome os haitianos, entre elas, a expansão dos agrocombustíveis às custas da soberania alimentar. Como assinala um comunicado da Serpaj América Latina, “o Haiti produzia há 20 anos 95% do arroz que consumia; hoje importa dos Estados Unidos 80% desse produto”.Até o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, admitiu a relação entre o aumento do preço dos alimentos e a produção de agrocombustíveis. Já o havia admitido Fidel Castro em 2007, logo depois da visita de Bush ao Brasil, quando fechou o acordo com o presidente Lula sobre a expansão dos combustíveis à base de cana-de-açúcar e milho.
Didier Dominque, dirigente da associação de sindicatos Batay Ouvriye, aponta: “O Haiti está sendo destruído por intenção explícita daqueles que constroem paulatinamente um bolsão de mão-de-obra barata para seus objetivos capitalistas. O estado de severa destruição social habilita o argumento da ajuda da comunidade internacional desde parâmetros hegemônicos, que dissimulam um projeto de exploração como são as zonas francas e seu conjunto de indústrias maquiadoras”. As esquerdas que governam na América do Sul formam parte desse projeto hegemônico do capital. Dói e machuca comprovar tanto silêncio cúmplice. Alegra o espírito a iniciativa do sociólogo peruano Aníbal Quijano e da economista mexicana Ana Esther Ceceña em promover um manifesto (leia texto) para reivindicar a saída da erradamente chamada missão de paz do Haiti, e uma investigação independente dos assassinatos cometidos pela Minustah, que garanta castigo aos responsáveis. Mas o castigo político que merecem nossos governantes só poderá vir da pressão dos movimentos sociais, para forçá-los a romper de uma vez com as políticas funcionais ao império.
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