ENSAIOS SOBRE IDEOLOGIA, PODER E DOMINAÇÃO NO ESTADO CONTEMPORÂNEO,PARTE 2.







Como resistir a perda da liberdade. Como resistir a sacralização das relações sociais, econômicas e logo a perda da possibilidade de fazer diferente, de fazer livremente o uso das coisas, das palavras, das idéias? Como se opor à subtração das coisas ao livre uso? Como se opor a sacralização de parte importante de nosso mundo, de nossa vida? A palavra que Agambem usa para significar esta possibilidade de libertação é “negligência” que pode permitir a profanação da coisa sacralizada.Não é uma atitude de incredulidade e indiferença que ameaça o sagrado, isto pode até fortalecê-lo. Tampouco o confronto direto. O que ameaça ao sagrado é uma atitude de negligência. Negligência entendida como uma atitude, uma conduta simultaneamente livre e distraída face às coisas e seus usos. Não é ignorar a coisa[2] sacralizada mas prestar atenção na coisa sem considerar o mito que sustenta sua sacralização. Negligência neste caso significa desligar-se das normas para o uso. Adotar um novo uso descompromissado de sua finalidade sagrada, ou seja, de sua função de separar. Logo profanar significa liberar a possibilidade de uma forma particular de negligencia que ignora a separação, ou antes, que faz uso particular da coisa.A passagem do sagrado para o profano pode corresponder a uma reutilização. Muitos jogos infantis (jogo de roda; balão; brincadeiras de roda) derivam de ritos, de cerimônias para a sacralização como uma cerimônia de casamento. Os jogos de sorte, de dados, derivam das práticas dos oráculos. Estes ritos separados de seus mitos ganharam um livre uso para as crianças. O poder do ato sagrado é a consagração do mito (a estória) e o rito que o reproduz. O jogo (negligência) desfaz esta ligação. O rito sem o mito vira jogo, é devolvido ao livre uso das pessoas. O mito sem o rito perde o caráter sagrado, vira uma estória. Importante lembrar que negligência não significa falta de atenção. Uma criança quando joga tem toda a atenção no jogo. Ela apenas negligencia o uso sagrado ou o mito que fundamenta o rito. A criança negligencia a proibição.Devemos dessacralizar a economia, o direito, a política devolvendo estas esferas ao livre uso do povo. Construir novos usos livres.Numa época onde a dessacralização é fundamental diante da dimensão que a sacralização tomou, as pessoas, em meio ao desespero, buscam um retorno ao sagrado em tudo, O jogo como profanação, como uso livre está hoje decadente. As pessoas parecem incapazes de jogar e isto se demonstra com a proliferação de jogos prontos, sacralizados, com regras herméticas, onde os novos usos são quase impossíveis ou invisíveis. Os jogos televisados como grandes espetáculos de massa acompanham a profissionalização e a mitificação dos jogadores (os ídolos).A secularização dos processos de sacralização que dominam as sociedades contemporâneas permite com que as forças de separação permaneçam intactas sendo apenas mudadas de lugar. A profanação de maneira diferente neutraliza a força que subtrai o livre uso, neutraliza a força do que é profanado. Tratam-se de duas operações políticas: a primeira mantém e garante o poder por meio da junção do mito e rito agora em outro espaço; a segunda desativa os dispositivos do poder; separa o rito do mito permitindo o livre uso.


O capitalismo é mostrado por vários autores como um espaço de secularização dos processos de sacralização. Max Weber mostra o capitalismo como secularização da fé protestante; Benjamin demonstra que o capitalismo se constitui em um fenômeno religioso que se desenvolve de forma parasitária a partir do cristianismo.Para Giorgio Agambem o capitalismo tem três fortes características religiosas específicas:a) É uma religião do culto mais do que qualquer outra. No capitalismo tudo tem sentido relacionado ao culto e não em relação a um dogma ou idéia. O culto ao consumo; o culto a beleza; a velocidade; ao corpo; ao sexo; etc.b) É um culto permanente sem trégua e sem perdão. Os dias de festas e de férias não interrompem o culto, mas, ao contrário o reforça.c) O culto do capitalismo não é consagrado à redenção ou a expiação da falta uma vez que é o culto da falta. O capitalismo precisa da falta pra sobreviver. O capitalismo cria a falta para então supri-la com um novo objeto de consumo. Assim que este objeto é consumido outra falta aparece para ser suprida. O capitalismo talvez seja o único caso de um culto que ao expiar a falta mais torna a falta universal.O capitalismo, por ser o culto, não da redenção e sim da falta, não da esperança, mas do desespero, faz com que este capitalismo religioso não tenha como finalidade a transformação do mundo mas sim sua destruição.Existe no capitalismo um processo incessante de separação única e multiforme. Cada coisa é separada dela mesma não importando a dimensão sagrado/profano ou divino/humano. Ocorre uma profanação absoluta sem nenhum resíduo que coincide com uma consagração vazia e integral. Ou seja, o capitalismo profana as idéias, objetos, nomes não para permitir o livre uso mas para ressacralizar imediatamente. Um automóvel não é mais um objeto que é usado para o transporte mas é um objeto de desejo que oferece para quem compra status, poder, velocidade, emoção, reconhecimento. O consumidor em geral não compra o bem que pode transporta-lo. O que o consumidor compra não pode ser apropriado pois o que é consumível é inapropriável. O consumidor compra o status, o reconhecimento, a ilusão de poder, a velocidade, e isto não pode ser apropriado, isto desaparece na medida em que é consumido. Trata-se de um fetiche incessante. Ao conferir um novo uso a ser consumido, qualquer uso durável se torna impossível: está é a esfera do consumismo.Na lógica da sociedade de consumo a profanação torna-se quase impossível pois o que se usa não é o uso inicial do objeto mas o novo uso dado pelo capitalista. Logo o que se consome se extingue e desaparece e, portanto, não pode ser dado novo uso. Não há possibilidade de liberdade dentro deste sistema. O novo uso da liberdade exige enxergarmos este processo de aprisionamento da lógica capitalista consumista.
O consumo pode ser visto como uso puro que leva a destruição da coisa consumida. O consumo é, portanto, a negação do uso uma vez que há a negação do uso que pressupõe que a substancia da coisa fique intacta. No consumo a coisa desaparece no momento do uso. A propriedade é uma esfera de separação. A propriedade é um dispositivo que desloca o livre uso das coisas para uma esfera separada que se converte no estado moderno em direito. Entretanto o que é consumido não pode ser apropriado. Os consumidores são infelizes nas sociedades de massa não apenas porque eles consomem objetos que incorporam uma não aptidão para o uso, mas também, sobretudo, porque eles acreditam exercer sobre estas coisas consumidas o seu direito de propriedade. Isto é insuportável e torna o consumo interminável. Como não me aproprio do que consumi tenho que consumir de novo e de novo para alimentar a ilusão de apropriação. Está escravidão ocorre pela incapacidade de profan

0 Comments:
Post a Comment
<< Home