Branco x Negro = Negro 12/02/08 por Jorge MAJFUD
O centro dos debates no interior do partido Democrata dos Estados Unidos é um caso interessante, seja qual for seu resultado, significará uma mudança relativa. Não é nenhuma surpresa para aqueles que o observaram a partir de uma perspectiva histórica. Sem dúvida, o triunfo mais provável de Hillary Clinton não será tão significativo como seria o de Obama. Não são o gênero ou a raça que os separam tanto, mas sim um abismo entre gerações. Uma, representante de um passado hegemônico; a outra, representante de uma juventude um pouco mais crítica e desiludida. Uma geração, acredito, que operará mudanças importantes na década seguinte.Entretanto, em essência, o que ainda não mudou radicalmente são os velhos problemas raciais e de gênero. O centro e, sobretudo, o fundo dos debates foram: gender or race, ao mesmo tempo em que se afirma o contrário. É significativo que, em meio a uma crise econômica e de temores à recessão, as discussões mais acaloradas não sejam sobre economia, mas sobre gênero e raça. Na potência econômica que, por sua economia, dominou ou influiu na vida de quase todos os países do mundo, a economia quase nunca foi o tema central, como pode ocorrer em países como os latino-americanos.Igualmente, entendo que o desinteresse pela política é próprio da população de uma potência política global. Quando existem déficit fiscal ou quedas do PIB, ou debilitamento do dólar, os mais conservadores sempre acenam com seus temas favoritos: a ameaça exterior, a guerra da vez, a defesa da família – a negação de direitos civis aos casais de mesmo sexo – e, em geral, a defesa dos "valores", isto é, os valores morais segundo suas próprias interpretações e conveniências.Mas, agora, as mais recentes pesquisas de opinião indicam que a economia passou a ser um dos assuntos principais que chamam a atenção da população. Isto acontece sempre que a máquina econômica se aproxima de uma recessão. Contudo, os candidatos à presidência temem se desprender demasiadamente do discurso conservador. Talvez Obama tenha ido um pouco mais longe nesse descolamento, criticando o abuso da religião e certo tipo de patriotismo, enquanto Hillary resgatou o breve e eficaz estribilho de seu esposo que o levou à vitória em 1992, em plena recessão da presidência de George H. Bush: "É a economia, estúpido". Seu consumo fácil deve-se a essa singeleza que a geração McDonald compreende.Hillary Clinton é filha de um homem e uma mulher, porém, apesar do que possa dizer a psicanálise, todos a vêem como uma mulher, and period. Barack Obama é filho de uma branca e um negro, mas é negro, e ponto. O último se deduz de toda a linguagem que é manejada nos meios e na população. Ninguém observou algo tão óbvio como o fato de que também ele pode ser considerado tão branco como negro, se é que cabem essas categorias arbitrárias. Isto representa a mesma dificuldade em ver a mescla de culturas no famoso "melting pot": os elementos estão misturados, mas não se mesclam. Da fundição de cobre e estanho não surge o bronze, mas cobre ou estanho. Se é branco ou se é negro. Se é hispano ou se é asiático. O prejudicado é John Edwards, um talentoso homem branco que saiu da pobreza e parece não esquecê-la, mas que não tem nada de politicamente correto para atrair. Nem sequer é feio ou mal educado, algo que se dirija a um público compassivo.Mas as palavras podem – e na política quase sempre o fazem – criar a realidade oposta: Hillary Clinton disse há poucos dias, na Carolina do Sul, que amava estas primárias porque parece que se nomeará a um afro-americano ou a uma mulher, e nenhum vai perder nem um só voto por seu gênero – aqui a palavra “sexo” é evitada – ou por sua raça ("I love this primary because it looks like we are going to nominate an African-American man or a woman and they aren't going to lose any votes because of their race or gender"). Razão pela qual Obama fala às mulheres e Clinton aos afro-americanos. Razão pela qual a Flórida e a Califórnia – dois dos estados mais hispânicos da União – resistirão a apoiar Obama, o representante de outra minoria.Assim, embora o hábito tenha passado a depreciar a qualificação de "politicamente correto", ninguém quer deixar de sê-lo. Os debates das eleições 2008 lembram-me do lanche Feliz do McDonalds. Tanto esbanjamento de alegria, de felicidade, de sorrisos alegres, não necessariamente significam saúde. A Secretária de Estado da maior potência mundial é uma mulher negra. Há anos, uma mulher afro-americana tem mais influência sobre vastos países que milhões de homens brancos. Mesmo assim, a população negra dos Estados Unidos – como a de muitos países latino-americanos – continua sem estar proporcionalmente representada nas classes altas, nas universidades e nos parlamentos, enquanto que sua representação é excessiva nos bairros mais pobres e nas prisões onde competem à morte com os hispanos pela hegemonia nesse duvidoso reino.
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