Noam Chomsky:a lista dos mais procurados no terrorismo 06/03/08



O Financial Times informou que a maioria das acusações contra Moughniyeh não estavam provadas, mas ''uma das poucas vezes em que é possível afirmar com certeza sua participação [é no] seqüestro do avião da companhia TWA, em 1985, quando foi assassinado um mergulhador da armada norte-americana''. Esta foi uma das duas atrocidades terroristas que, segundo uma pesquisa entre diretores de jornais, fez com que o terrorismo no Oriente Médio se transformasse na notícia mais importante de 1985; a outra foi o seqüestro do navio de linha Archille Lauro, no qual resultou brutalmente assassinado Leon Klinghoffer, um inválido norte-americano. Isto reflete o julgamento do ''mundo''. É possível que o mundo visse as coisas de outra maneira.O seqüestro do Achille Lauro foi a represália pelo bombardeio da Tunísia, ordenado uma semana antes pelo Primeiro-Ministro israelense Simón Peres. Sua força aérea assassinou setenta e cinco tunisianos e palestinos com bombas inteligentes que os deixaram em mil pedaços, entre outras atrocidades narradas de maneira vívida pelo destacado jornalista israelense Amnon Kapeliouk. Washington colaborou, uma vez que omitiu advertir seu aliado tunisino de que as bombas estavam a caminho, e é impossível que a Sexta Frota e a inteligência norte-americana não soubessem do iminente ataque. George Schultz, então Secretário de Estado, comunicou ao Ministro israelense de Assuntos Exteriores, Yitzhak Shamir, que em Washington ''a ação israelense despertou uma enorme simpatia'', e qualificou essa ação –com o aplauso geral— como uma ''resposta legítima'' aos ''ataques terroristas''.Poucos dias depois, o Conselho de Segurança da ONU denunciou de forma unânime (com a abstenção dos EUA) os bombardeios como um ''ato de agressão armada''. Sobra dizer que ''agressão'' é um crime muito mais grave que terrorismo internacional. Mas, concedendo o beneficio da dúvida aos EUA e a Israel, vamos deixar que recaia sobre os responsáveis apenas a acusação menos grave.
Poucos dias antes, Peres foi a Washington para consultar com o principal terrorista internacional do momento, Ronald Reagan, que denunciou ''o terrível flagelo do terrorismo'', novamente com o aplauso geral do ''mundo''.Os ''ataques terroristas'' que Shultz e Peres pretextaram para bombardear a Tunísia foram os assassinatos de três israelenses em Larnaca, Chipre. Os assassinos, como admitiu Israel, não tinham nenhuma relação com a Tunísia, mas talvez tivessem conexões com a Síria. Contudo, a Tunísia era um alvo bem melhor: estava inerme, diferente de Damasco. Além disso, proporcionava um prazer adicional: ali podiam ser assassinados mais palestinos exilados.Por sua vez, os assassinatos de Larnaca foram considerados uma represália de seus perpetradores: uma resposta aos sistemáticos seqüestros israelenses em águas internacionais, que resultaram nos assassinatos de muitas pessoas e no seqüestro e conseguinte encarceramento de muitas outras, retidas sem acusações por longos períodos em cárceres israelenses. A mais famosa destas foi a prisão/câmara-de-tortura 1391. Há muita informação sobre isso na imprensa israelense e estrangeira. Esses crimes sistemáticos, é claro, são conhecidos pelas redações dos jornais dos EUA e, de vez em quando, são mencionados quase de passagem.
O assassinato de Klinghoffer's foi vivenciado com uma verdadeira sensação de horror e é muito célebre. Transformou-se em tema de uma ópera aclamada e em roteiro de um filme feito para a televisão. Mas também causaram horror os assombrosos comentários condenando a selvageria dos palestinos: ''bestas bicéfalas'' (segundo o Primeiro-Ministro Menachen Begin), ''baratas drogadas debatendo-se em uma garrafa'' (segundo o Chefe da Equipe Raful Eitan), ''como grilos, comparados a nós'', seres cujas cabeças deveriam ser ''transformadas em picadinho batendo-as contra o canto rodado das paredes'' (disse o Primeiro-Ministro Yitzhak Shamir). Ou, simplesmente, chamados de araboushim, o equivalente ao nosso ''judeu'' ou ao nosso ''negro''.
Assim, depois de uma exibição particularmente depravada de terror militar e de uma intencionada humilhação na cidade de Halhul, na Ribeira Ocidental, em dezembro de 1982 (deixou incomodados até os falcões israelenses!), o conhecido analista militar e político Yoram Peri escreveu consternado: ''hoje, um dos objetivos do nosso exército [é] demolir os direitos de pessoas inocentes simplesmente porque são araboushim que vivem em territórios que Deus prometeu a nós'', tarefa, esta, cada vez mais urgente, e que se realiza com crescente brutalidade desde que os araboushim começaram a ''levantar a cabeça'' uns anos atrás.Não é difícil averiguar se os sentimentos expressados com motivo do assassinato de Klinghoffer foram sinceros. Basta investigar a reação diante dos crimes israelenses respaldados pelos EUA. Vamos pensar, por exemplo, no assassinato de dois inválidos palestinos em abril de 2002, Kemal Zughayer e Jamal Rashid, pelas mãos das forças israelenses em incursão no campo de refugiados de Jenin, na Ribeira Ocidental. Os jornalistas britânicos encontraram o corpo esmagado de Zughayer e os restos da sua cadeira de rodas, junto com o que restava de uma bandeira branca que ele segurava no momento de ser assassinado, quando tentava fugir dos tanques israelenses que foram lançados sobre ele partindo seu rosto em dois pedaços e amputando braços e pernas. Jamal Rashid terminou esmagado em sua cadeira de rodas quando uma das enormes pás escavadoras fornecidas pelos EUA destruiu sua casa em Jenin, com toda sua família dentro. A diferente reação, ou por melhor dizer, a falta absoluta de reação, é a rotina, e é tão fácil de explicar que não precisa de maiores comentários.


Um dos aspirantes foi o carro-bomba colocado em Beirute na saída de uma Mesquita e programado para explodir quando os devotos se retiravam depois de suas orações de sexta-feira. A bomba matou 80 pessoas e feriu outras 256. A maioria dos mortos eram meninas e mulheres que saíam da Mesquita, apesar de que a ferocidade da onda expansiva ''carbonizou bebês em seus berços'', ''matou uma noiva que estava comprando seu enxoval'', e ''fez voar pelos ares três crianças que voltavam para casa vindas da Mesquita''. Também devastou a rua principal do subúrbio densamente povoado de Beirute oeste, como informou há três anos Nora Boustany no Washington Post.O alvo pretendido era o clérigo xiita xeque Mohammad Hussein Fadlallah, que conseguiu escapar com vida. O atentando foi perpetrado pela CIA de Reagan e seus aliados sauditas, com ajuda britânica, e autorizado especificamente pelo Diretor da CIA, William Casey, segundo o relato do jornalista do Washington Post, Bob Woodward, em seu livro ''O Véu: as guerras secretas da CIA 1981-1987''. Muito pouco se conhece além dos meros fatos, graças à escrupulosa aceitação da doutrina, segundo a qual não se deve investigar nossos próprios crimes (a menos que fiquem conhecidos demais para que possamos negá-los e a investigação fique limitada ao círculo de umas poucas ''maçãs podres'' subalternas que, todo o mundo já sabe, agem de modo ''descontrolado'').



Todos estes fatos contaram com o firme aval do Presidente Bill Clinton, que entendeu a necessidade de instruir com severidade os araboushim sobre ''as regras do jogo''. E Rabin apareceu como o outro grande herói, como o homem da paz, muito diferente das ''bestas bicéfalas'', ''dos grilos'' e das ''baratas drogadas''. Esta é, simplesmente, uma pequena amostra dos fatos que poderiam ter interesse para o mundo, uma vez relacionados com a suposta responsabilidade de Moughniyeh no ato de vingança terrorista em Buenos Aires.
Outra das acusações é que Moughniyeh ajudou a preparar as defesas do Hezbolá contra a invasão israelense do Líbano, em 2006, um crime terrorista intolerável, conforme os critérios do ''mundo'', convencido de que nada deve cruzar-se no caminho do justo terror e da agressão praticados pelos EUA e seus clientes.Os apologistas mais vulgares dos crimes dos EUA e Israel explicam com solenidade digna de melhor causa que, enquanto os árabes têm o propósito de matar pessoas, os EUA e Israel – sendo, como são, sociedades democráticas— não têm a menor intenção de fazê-lo. Seus mortos são, simplesmente, acidentais, e por isso seus assassinatos não podem ser comparados, no ponto da depravação moral, com os de seus adversários. Esta foi, por exemplo, a posição do Tribunal Supremo de Israel quando recentemente autorizou um severo corretivo coletivo contra o povo de Gaza, privando-o de eletricidade (e de água, de eliminação de resíduos e águas servidas e de outros elementos básicos da vida civilizada).Uma linha de defesa, esta, que é recorrente na hora de enfrentar outros velhos pecadilhos de Washington. Por exemplo, a destruição da Planta Farmacêutica ao-Shifa no Sudão, em 1998. Aparentemente, o ataque custou dez mil vidas, mas não houve qualquer intenção de matá-las; daí que não fosse um crime resultante de uma ordem com expressa intenção de matar. Assim nos ensinam esses moralistas sistematicamente empenhados em apagar toda réplica efetiva a essas vulgares tentativas de autojustificação. Vamos dizer mais uma vez: é possível distinguir três categorias de crimes: assassinato intencional, morte acidental e assassinato premeditado mas sem uma intenção específica. As atrocidades dos EUA e Israel são um caso típico da terceira categoria.
Assim, quando Israel destruiu o fornecimento de energia em Gaza ou colocou obstáculos para viajar para a Ribeira Oriental, não teve a intenção específica de assassinar as pessoas que morreriam pela contaminação da água, ou em ambulâncias que não podiam chegar até os hospitais. E quando Bill Clinton ordenou o bombardeio da planta ao-Shifa, era óbvio que isso poderia terminar em uma catástrofe humana. O Observatório de Direitos Humanos deu a ele essa informação imediatamente, facilitando todo tipo de detalhes, mas nem Clinton nem seus assessores quiseram matar pessoas concretas entre aqueles que inevitavelmente morreriam quando a metade das instalações da planta farmacêutica foram destruídas em um país africano pobre que não poderia reconstruí-la.Ocorre, na verdade, que eles e seus apologistas olham para os africanos sentindo o que nós sentiríamos ao esmagar uma formiga quando caminhamos pela rua. Somos conscientes de que é possível que ocorra (se nos incomodarmos em pensar sobre isso), mas não queremos matá-las, porque não são dignas nem dessa consideração. Não é necessário dizer que ataques similares perpetrados por araboushim em áreas habitadas por seres humanos seriam considerados de maneira muito diferente.Se por um momento fôssemos capazes de adotar a perspectiva do mundo, poderíamos nos perguntar quem são os criminosos ''mais procurados no mundo inteiro''.

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