Charles Taylor 11/05/08 por Guilherme d'Oliveira Martins.
Charles Taylor, Professor Emérito da Universidade McGill (Montréal, Canadá), foi discípulo de Sir Isaiah Berlin e teve um empenhamento político nos anos sessenta perante o seu amigo e futuro Presidente Pierre Elliot Trudeau, adoptando um programa social-democrático. Tem sido, com Michael Walzer e Michael Sandel, defensor de uma leitura do comunitarismo, que pretende integrar o significado e a identidade individuais nas relações sociais e institucionais. Tem procurado, assim, com uma sólida fundamentação na história da filosofia, completar a teoria liberal da identidade individual, através de uma atenção especial à inserção institucional e comunitária. Segundo defende, desde Locke ou Hobbes, até John Rawls e Ronald Dworkin, tem havido demasiada desatenção, por prevalência de uma lógica abstracta, à complexidade das relações individuais, entendidas como parte integrante da vida social. Por isso, tornar-se-ia necessário entender o eu (“self”), reconhecendo o que Taylor designa como “horizontes do sentido”, ou seja, a base das relações sociais e dialógicas com os outros, numa sociedade plural, onde as escolhas da vida ganhem importância e sentido. Sem essa base, as escolhas tornam-se vulneráveis, relativas, indiferentes e de valor igual, o que quer dizer, em última análise, que perdem significado.
Ben Rogers assina na “Prospect” um interessante e fundamentado ensaio e coordena a entrevista, onde Charles Taylor se espraia sobre religião, multiculturalismo e sobre a política do futuro. Os temas do multiculturalismo e do papel das diversas religiões no espaço público têm sido preocupações constantes de Charles Taylor, a partir da experiência concreta do Canadá e das relações entre as diferentes comunidades culturais, ora maioritárias, ora minoritárias. A integração voluntária e bem sucedida é, aliás, a proposta fundamental de Taylor para a coexistência e cooperação fecundas e criadoras de comunidades e culturas diferenciadas. O reconhecimento mútuo da diversidade e das especificidades torna-se, deste modo, fundamental, no sentido de uma “integração” que abra espaços de respiração e de diálogo, factores essenciais de compreensão e de enriquecimento mútuos. Como tem salientado Amartya Sem, do que se trata é de salvaguardar a necessidade de persuadir as pessoas, que chegam, por exemplo, à Europa, para aceitar a ideia de múltiplas identidades que se completam e enriquecem mutuamente. E o filósofo critica os métodos “naturalistas”, segundo os quais os fenómenos humanos e sociais, incluindo a nossa subjectividade, apenas são compreendidos no modelo dos fenómenos naturais, usando os cânones científicos de explanação. No entanto, para a compreensão da história, como um caminho crítico da razão, é preciso não reduzir a leitura do mundo a simplificações planas. Temos de compreender a nossa própria realidade individual, os nossos valores e a nossa cultura.
Em “Sources of the Self” (Harvard University Press, 1989; trad. franc.: “Les Sources du Moi – La Formation de l’Identité Moderne”, Seuil, 1998), porventura a sua obra-prima, Taylor analisa a genealogia da identidade moderna, desde Agostinho de Hipona, passando por Descartes e Montaigne, procurando compreender uma revolução que leva os modernos a verem-se dotados de interioridade. Mas, mais do que a busca do individualismo liberal, o que está em causa é a definição e o alcance do bem. E no cerne desta definição temos a afirmação da “vida ordinária”, em torno de cujo valor, desde os tempos da Reforma até aos nossos dias, se transformou profundamente o nosso entendimento de razão. Num percurso que vem do exterior para cada um de nós, Taylor defende a modernidade demarcando-se de uma lógica puramente liberal e atomística. Contra a abstracção liberal, preocupada com o mercado ou com a repartição dos bens, o filósofo canadiano preocupa-se fundamentalmente com a análise dos factos e com a auto-concepção da sociedade, tal como é vivida pelas pessoas, enquanto imaginário social. Rilke disse em “Elegias a Duíno” que “o mundo nada será se não for interior”. Este é o caminho a seguir, entendendo, porém, que o subjectivismo total tende para o vazio. E a consumação pessoal, relacionando elementos contraditórios, põe em contacto referências externas da “vida ordinária” e elementos da interioridade humana. E aqui entra a consideração dos limites e das contradições, mas também da esperança: “Uma esperança (diz Taylor) que considero implícita no teísmo judaico-cristão (por muito terríveis que sejam os anais dos seus fiéis na história), e na promessa central de uma afirmação divina do humano, mais total do que aquela a que os seres humanos alguma vez poderão chegar por si próprios”.
Para Charles Taylor, torna-se fundamental, pois, completar as fontes da sociedade liberal com os elementos ligados ao reconhecimento e à coesão social, dando atenção à nacionalidade e à língua, para torná-los factores de compreensão. Não se esqueça, aliás, a obra fundamental de 1992, “Política de reconhecimento” sobre a situação canadiana, na qual o autor pretende prevenir riscos de fragmentação, de incompreensão e de ressentimento. A ideia de “entendimentos partilhados” e a respectiva procura constituem, assim, elementos essenciais para que a interculturalidade possa funcionar sem artificialismo. E é neste contexto que Charles Taylor fala da crescente necessidade de compreender o desenvolvimento do “eu” moderno como um percurso que não pode esquecer os ideais do altruísmo e do serviço público.No último livro que publicou, e que serve de pretexto para os textos agora publicados por “Prospect Magazine”, “A Secular Age” (Harvard University Press, 2007), o filósofo depois de uma longa análise do percurso seguido pelas sociedades contemporâneas, afirma que o mundo secular é caracterizado não pela ausência de religião, apesar do declínio da prática religiosa em diversos países, mas por uma contínua multiplicação de novas opções, religiosas, espirituais e anti-religiosas, a que as pessoas recorrem para que as suas vidas façam sentido. O progresso científico tem sido animado pela procura infinita da verdade científica e pela consciência dos limites, enquanto os modos de pensamento pré-modernos têm sobrevivido com tenacidade. Por outro lado, o novo interesse pela natureza, dos movimentos ecologistas, não constitui um passo fora da perspectiva religiosa, antes representa uma mutação dentro dessa mesma perspectiva. A “idade secular” significa, pois, não que a religião esteja em declínio ou em decadência, mas que não há ortodoxia religiosa, vivendo a religião e o cepticismo lado a lado e muitas vezes até na mesma pessoa. Crítico do naturalismo e do ateísmo dogmático, Charles Taylor procura mostrar por que razão, ao contrário do que afirma Dawkins, a crença religiosa não é logicamente aberrante. E, longe de considerações gerais, o filósofo liga a história do pensamento e o percurso das sociedades no sentido do bem. Em suma, a modernidade caracteriza-se pelas “pressões cruzadas”, pelas influências contraditórias, e Charles Taylor afirma, nesse contexto, que a maior parte do mundo de hoje vive numa “terra de ninguém” neutra, entre um forte ateísmo e uma intensa religiosidade, num território onde as pessoas podem vaguear entre várias escolhas e construir o seu próprio caminho.
Ben Rogers assina na “Prospect” um interessante e fundamentado ensaio e coordena a entrevista, onde Charles Taylor se espraia sobre religião, multiculturalismo e sobre a política do futuro. Os temas do multiculturalismo e do papel das diversas religiões no espaço público têm sido preocupações constantes de Charles Taylor, a partir da experiência concreta do Canadá e das relações entre as diferentes comunidades culturais, ora maioritárias, ora minoritárias. A integração voluntária e bem sucedida é, aliás, a proposta fundamental de Taylor para a coexistência e cooperação fecundas e criadoras de comunidades e culturas diferenciadas. O reconhecimento mútuo da diversidade e das especificidades torna-se, deste modo, fundamental, no sentido de uma “integração” que abra espaços de respiração e de diálogo, factores essenciais de compreensão e de enriquecimento mútuos. Como tem salientado Amartya Sem, do que se trata é de salvaguardar a necessidade de persuadir as pessoas, que chegam, por exemplo, à Europa, para aceitar a ideia de múltiplas identidades que se completam e enriquecem mutuamente. E o filósofo critica os métodos “naturalistas”, segundo os quais os fenómenos humanos e sociais, incluindo a nossa subjectividade, apenas são compreendidos no modelo dos fenómenos naturais, usando os cânones científicos de explanação. No entanto, para a compreensão da história, como um caminho crítico da razão, é preciso não reduzir a leitura do mundo a simplificações planas. Temos de compreender a nossa própria realidade individual, os nossos valores e a nossa cultura.
Em “Sources of the Self” (Harvard University Press, 1989; trad. franc.: “Les Sources du Moi – La Formation de l’Identité Moderne”, Seuil, 1998), porventura a sua obra-prima, Taylor analisa a genealogia da identidade moderna, desde Agostinho de Hipona, passando por Descartes e Montaigne, procurando compreender uma revolução que leva os modernos a verem-se dotados de interioridade. Mas, mais do que a busca do individualismo liberal, o que está em causa é a definição e o alcance do bem. E no cerne desta definição temos a afirmação da “vida ordinária”, em torno de cujo valor, desde os tempos da Reforma até aos nossos dias, se transformou profundamente o nosso entendimento de razão. Num percurso que vem do exterior para cada um de nós, Taylor defende a modernidade demarcando-se de uma lógica puramente liberal e atomística. Contra a abstracção liberal, preocupada com o mercado ou com a repartição dos bens, o filósofo canadiano preocupa-se fundamentalmente com a análise dos factos e com a auto-concepção da sociedade, tal como é vivida pelas pessoas, enquanto imaginário social. Rilke disse em “Elegias a Duíno” que “o mundo nada será se não for interior”. Este é o caminho a seguir, entendendo, porém, que o subjectivismo total tende para o vazio. E a consumação pessoal, relacionando elementos contraditórios, põe em contacto referências externas da “vida ordinária” e elementos da interioridade humana. E aqui entra a consideração dos limites e das contradições, mas também da esperança: “Uma esperança (diz Taylor) que considero implícita no teísmo judaico-cristão (por muito terríveis que sejam os anais dos seus fiéis na história), e na promessa central de uma afirmação divina do humano, mais total do que aquela a que os seres humanos alguma vez poderão chegar por si próprios”.
Para Charles Taylor, torna-se fundamental, pois, completar as fontes da sociedade liberal com os elementos ligados ao reconhecimento e à coesão social, dando atenção à nacionalidade e à língua, para torná-los factores de compreensão. Não se esqueça, aliás, a obra fundamental de 1992, “Política de reconhecimento” sobre a situação canadiana, na qual o autor pretende prevenir riscos de fragmentação, de incompreensão e de ressentimento. A ideia de “entendimentos partilhados” e a respectiva procura constituem, assim, elementos essenciais para que a interculturalidade possa funcionar sem artificialismo. E é neste contexto que Charles Taylor fala da crescente necessidade de compreender o desenvolvimento do “eu” moderno como um percurso que não pode esquecer os ideais do altruísmo e do serviço público.No último livro que publicou, e que serve de pretexto para os textos agora publicados por “Prospect Magazine”, “A Secular Age” (Harvard University Press, 2007), o filósofo depois de uma longa análise do percurso seguido pelas sociedades contemporâneas, afirma que o mundo secular é caracterizado não pela ausência de religião, apesar do declínio da prática religiosa em diversos países, mas por uma contínua multiplicação de novas opções, religiosas, espirituais e anti-religiosas, a que as pessoas recorrem para que as suas vidas façam sentido. O progresso científico tem sido animado pela procura infinita da verdade científica e pela consciência dos limites, enquanto os modos de pensamento pré-modernos têm sobrevivido com tenacidade. Por outro lado, o novo interesse pela natureza, dos movimentos ecologistas, não constitui um passo fora da perspectiva religiosa, antes representa uma mutação dentro dessa mesma perspectiva. A “idade secular” significa, pois, não que a religião esteja em declínio ou em decadência, mas que não há ortodoxia religiosa, vivendo a religião e o cepticismo lado a lado e muitas vezes até na mesma pessoa. Crítico do naturalismo e do ateísmo dogmático, Charles Taylor procura mostrar por que razão, ao contrário do que afirma Dawkins, a crença religiosa não é logicamente aberrante. E, longe de considerações gerais, o filósofo liga a história do pensamento e o percurso das sociedades no sentido do bem. Em suma, a modernidade caracteriza-se pelas “pressões cruzadas”, pelas influências contraditórias, e Charles Taylor afirma, nesse contexto, que a maior parte do mundo de hoje vive numa “terra de ninguém” neutra, entre um forte ateísmo e uma intensa religiosidade, num território onde as pessoas podem vaguear entre várias escolhas e construir o seu próprio caminho.
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