entrevista com Gilles Lipovetsky 31/08/07
Que diferenças caracterizam o pós-moderno do hipermoderno e como acontece essa transição?Gilles Lipovetsky – A principal característica é a idéia de entender, enfim, de fazer sentir que algo era novo. Mas o conceito estava mal, não era pertinente, pois dava a idéia de que a modernidade estava morta, quando, na verdade, se trata simplesmente de uma outra modernidade que apareceu. Pós-moderno quer dizer: a modernidade está morta. Ora, ela não está morta. É uma outra modernidade, e penso até que se trata de uma modernidade muito mais radical, pois os antigos dispositivos que freavam a modernidade, como a política, a família, os papéis sexuais, tudo isso explodiu e somente os grandes princípios da modernidade estão nos conduzindo: a autonomia individual, o mercado, e a tecnociência.
E nessa transição, que relações o senhor poderia estabelecer entre a mídia, a mulher e a moda? Gilles Lipovetsky – A relação é bastante simples, pois durante muito tempo a moda, nas antigas sociedades, se disseminava em grupos pequenos, ou seja, tratava-se, no fundo, de modelos de proximidade que divulgavam a moda… E, a partir do século XIX e no século XX, a gente conhece a moda pela mídia, pelos jornais, pela propaganda comercial, ou seja, pelas imagens. É enorme esse papel, pois o exemplo da delgadeza é um dos mais terríveis. A gente vê muito bem que a força, o peso da mídia tem sido enorme. Todas as mulheres já integraram esse modelo da delgadeza. Há muito tempo, o cinema, a propaganda, tem gerado uma imagem ideal da beleza feminina. Esse é um ponto, mas há muitos mais… Afinal, as mulheres recebem suas informações pela mídia e acomodam-se, criam seus filhos... Os modelos tradicionais estão desaparecendo, e as pessoas procuram, no modelo educacional, as respostas para suas perguntas. “Meu filho não fala, como é que devo agir?” Elas (as mulheres) lêem as matérias. “Meu marido me trai, então será grave, não será grave?” A mídia, e acredito que cada vez mais será assim no futuro, nos oferece soluções. Nos anos 1950, 1960, isso não existia, era uma mídia unicamente para o entretenimento. Hoje vamos para uma mídia que responde às angústias dos homens e das mulheres, que estão um pouco perdidos. Então se oferece para eles debates, discussões, para eles verem que não estão sós, para eles verem o que se pode oferecer como soluções. O conceito de luxo diz respeito aos diferentes segmentos sociais ou está havendo uma mudança cultural nesse conceito?Gilles Lipovetsky – O mercado do luxo é complexo, é múltiplo. Existem vários luxos. Portanto, comprar um produto, um perfume Yves Saint-Laurent é um luxo relativamente acessível para as classes médias, mas existem outros luxos, totalmente inacessíveis… Ou seja, acho que passamos de um luxo relativamente homogêneo, que era o luxo tradicional, um luxo muito regulamentado, muito codificado, muito convencional, para consumos de luxo mais misturados. Há um mercado do luxo muito diferenciado e não há mais imperativos. É possível misturar diferentes estilos, diferentes preços. Não existe mais a pressão coletiva do luxo, ela desapareceu. O modelo tradicional era a corte real, com os imperativos. Hoje dá para fazer o que a gente quer, pode-se misturar as coisas.E quais as relações que podem ser estabelecidas entre o luxo e o consumo sem limite, e a falta das grandes regras e de metas no mundo contemporâneo?Gilles Lipovetsky – São duas as leituras disso. O luxo se desenvolve, porque ele vem compensar a falta de sonho, as pessoas procuram isso. Essa leitura é pessimista, mas não deixa de ser verdadeira. Parte dela é correta, mas não é tudo. Acho que tem uma parte positiva também, algo de gosto, um gosto hedonista, de saborear e descobrir coisas bonitas. Os grandes amantes do vinho não estão em fuga. Eles gostam de um bom vinho, compram garrafas de bom vinho, caras, um produto de luxo, e eles sentem uma real felicidade com coisas de altíssima qualidade, eles são colecionadores, ou seja, o colecionador sente prazer em comprar esse produto. A psicologia do colecionador é algo bastante complicado. Mas mostra que a libido pode estar em outro lugar que não no sexo. A libido pode estar nas mãos, no nariz, nos ouvidos, no gozo, e eu acho que o luxo é um. A paixão pelo descartável nas sociedades contemporâneas cria a necessidade do durável. Como se manifesta essa necessidade?Gilles Lipovetsky – São várias as causas do mito do durável. Primeiro, as razões ecológicas. Temos hoje uma cultura totalmente diferente, em que as pessoas começam a entender, acham imoral jogar tudo fora, desperdiçar... afetaria as próximas gerações. E uma segunda razão é que persiste o gosto pela novidade, mas o antigo reconquistou um certo valor. Eu sou da geração que gostava do novo. Hoje, a gente vê o gosto pelas coisas velhas, pelo vintage[1], pelas antiguidades. O passado recuperou um certo valor, porque a modernidade está mais angustiada e não estamos mais vivendo numa fase na qual se cultua apenas o moderno, o novo. O que dura gera uma certa segurança, uma marca do tempo contra a sociedade do efêmero, do digital, do virtual. Há nisso algo tangível, um pouco nostálgico também. Essa é uma tendência do consumo, não a única. E como o senhor relacionaria as características da nossa época e o aumento dos problemas, como o suicídio, a angústia, a depressão e o medo?Gilles Lipovetsky – É o que acompanha a individualização. Os indivíduos deixaram de ser conduzidos pelo coletivo. Eles não têm mais um grande objetivo coletivo que possa levá-los. Também houve uma mudança nas formas da educação. A gente gera filhos fracos, frágeis, e esse é um grande enigma para o futuro. Mas não há dúvidas de que a educação liberal gerou a fragilização em massa. Esse será um desafio para o século XXI. Deveremos reconquistar o espaço, mas a educação também, pois a gente vê pessoas muito frágeis, como se tivessem ficado sem força, e ali está um belo ideal: o que é educar? A gente não tem progredido muito nesse sentido.Não há limites para as crianças?Gilles Lipovetsky – Não. Elas não recebem uma boa educação. Como se diz agora, as crianças são hiperativas. Não têm senso dos limites. No futuro, deveremos pensar muito bem sobre esse assunto, já que há tudo por ser inventado. Não acho que isso possa durar muito tempo, pois não deixa de ser um grande desperdício humano. Os próprios pais reconhecem, com muita ansiedade até, que não sabem mais criar filhos. Como as relações entre os indivíduos influem na visão que temos de nós mesmos e no desastre ecológico que estamos vivendo, na instabilidade geral, em especial no mundo do trabalho e do desemprego?Gilles Lipovetsky – As relações de trabalho têm alterado as relações entre os indivíduos. Outrora, eles pertenciam a grupos, eram operários, as relações existiam no nosso universo, não se pediam coisas complicadas. Hoje temos as demissões, há uma incerteza quanto ao futuro, as pessoas se questionam. Antes se dizia: “É o capitalismo”. Hoje também, mas além disso se diz: “Eu é que não sou bom, não estou à altura”. Vemos que a instabilidade no mundo do trabalho tem gerado falhas e coisas muito difíceis de serem encaradas para indivíduos que se questionam, que têm dúvidas sobre si. Ao mesmo tempo, isso gera um maior distanciamento entre o indivíduo e a empresa. As pessoas estão mais desconfiadas, elas sabem que sua posição não é perpétua. Portanto, o futuro pede indivíduos cada vez mais móveis, capazes de trocar de empresa e até de profissão. E por isso é que, numa situação geradora de tanta angústia, a educação tem tanta importância. Quanto melhor a formação, maiores as chances de encontrar um novo emprego. Se não tiver uma formação inicial, a situação se torna trágica. Por isso, no século XXI, a hipermodernidade deve fazer um tremendo esforço em matéria de educação, de formação. Caso contrário, geraremos indivíduos que sempre serão rejeitados, e isso é algo terrível.
ato em são paulo DIA 06.09.2007 Quinta-feira Ás 16h, em frente ao Teatro Municipal email contato ato.ordenado@yahoo.com.br
http://www.youtube.com/watch?v=k8gvO4_T4mE
E nessa transição, que relações o senhor poderia estabelecer entre a mídia, a mulher e a moda? Gilles Lipovetsky – A relação é bastante simples, pois durante muito tempo a moda, nas antigas sociedades, se disseminava em grupos pequenos, ou seja, tratava-se, no fundo, de modelos de proximidade que divulgavam a moda… E, a partir do século XIX e no século XX, a gente conhece a moda pela mídia, pelos jornais, pela propaganda comercial, ou seja, pelas imagens. É enorme esse papel, pois o exemplo da delgadeza é um dos mais terríveis. A gente vê muito bem que a força, o peso da mídia tem sido enorme. Todas as mulheres já integraram esse modelo da delgadeza. Há muito tempo, o cinema, a propaganda, tem gerado uma imagem ideal da beleza feminina. Esse é um ponto, mas há muitos mais… Afinal, as mulheres recebem suas informações pela mídia e acomodam-se, criam seus filhos... Os modelos tradicionais estão desaparecendo, e as pessoas procuram, no modelo educacional, as respostas para suas perguntas. “Meu filho não fala, como é que devo agir?” Elas (as mulheres) lêem as matérias. “Meu marido me trai, então será grave, não será grave?” A mídia, e acredito que cada vez mais será assim no futuro, nos oferece soluções. Nos anos 1950, 1960, isso não existia, era uma mídia unicamente para o entretenimento. Hoje vamos para uma mídia que responde às angústias dos homens e das mulheres, que estão um pouco perdidos. Então se oferece para eles debates, discussões, para eles verem que não estão sós, para eles verem o que se pode oferecer como soluções. O conceito de luxo diz respeito aos diferentes segmentos sociais ou está havendo uma mudança cultural nesse conceito?Gilles Lipovetsky – O mercado do luxo é complexo, é múltiplo. Existem vários luxos. Portanto, comprar um produto, um perfume Yves Saint-Laurent é um luxo relativamente acessível para as classes médias, mas existem outros luxos, totalmente inacessíveis… Ou seja, acho que passamos de um luxo relativamente homogêneo, que era o luxo tradicional, um luxo muito regulamentado, muito codificado, muito convencional, para consumos de luxo mais misturados. Há um mercado do luxo muito diferenciado e não há mais imperativos. É possível misturar diferentes estilos, diferentes preços. Não existe mais a pressão coletiva do luxo, ela desapareceu. O modelo tradicional era a corte real, com os imperativos. Hoje dá para fazer o que a gente quer, pode-se misturar as coisas.E quais as relações que podem ser estabelecidas entre o luxo e o consumo sem limite, e a falta das grandes regras e de metas no mundo contemporâneo?Gilles Lipovetsky – São duas as leituras disso. O luxo se desenvolve, porque ele vem compensar a falta de sonho, as pessoas procuram isso. Essa leitura é pessimista, mas não deixa de ser verdadeira. Parte dela é correta, mas não é tudo. Acho que tem uma parte positiva também, algo de gosto, um gosto hedonista, de saborear e descobrir coisas bonitas. Os grandes amantes do vinho não estão em fuga. Eles gostam de um bom vinho, compram garrafas de bom vinho, caras, um produto de luxo, e eles sentem uma real felicidade com coisas de altíssima qualidade, eles são colecionadores, ou seja, o colecionador sente prazer em comprar esse produto. A psicologia do colecionador é algo bastante complicado. Mas mostra que a libido pode estar em outro lugar que não no sexo. A libido pode estar nas mãos, no nariz, nos ouvidos, no gozo, e eu acho que o luxo é um. A paixão pelo descartável nas sociedades contemporâneas cria a necessidade do durável. Como se manifesta essa necessidade?Gilles Lipovetsky – São várias as causas do mito do durável. Primeiro, as razões ecológicas. Temos hoje uma cultura totalmente diferente, em que as pessoas começam a entender, acham imoral jogar tudo fora, desperdiçar... afetaria as próximas gerações. E uma segunda razão é que persiste o gosto pela novidade, mas o antigo reconquistou um certo valor. Eu sou da geração que gostava do novo. Hoje, a gente vê o gosto pelas coisas velhas, pelo vintage[1], pelas antiguidades. O passado recuperou um certo valor, porque a modernidade está mais angustiada e não estamos mais vivendo numa fase na qual se cultua apenas o moderno, o novo. O que dura gera uma certa segurança, uma marca do tempo contra a sociedade do efêmero, do digital, do virtual. Há nisso algo tangível, um pouco nostálgico também. Essa é uma tendência do consumo, não a única. E como o senhor relacionaria as características da nossa época e o aumento dos problemas, como o suicídio, a angústia, a depressão e o medo?Gilles Lipovetsky – É o que acompanha a individualização. Os indivíduos deixaram de ser conduzidos pelo coletivo. Eles não têm mais um grande objetivo coletivo que possa levá-los. Também houve uma mudança nas formas da educação. A gente gera filhos fracos, frágeis, e esse é um grande enigma para o futuro. Mas não há dúvidas de que a educação liberal gerou a fragilização em massa. Esse será um desafio para o século XXI. Deveremos reconquistar o espaço, mas a educação também, pois a gente vê pessoas muito frágeis, como se tivessem ficado sem força, e ali está um belo ideal: o que é educar? A gente não tem progredido muito nesse sentido.Não há limites para as crianças?Gilles Lipovetsky – Não. Elas não recebem uma boa educação. Como se diz agora, as crianças são hiperativas. Não têm senso dos limites. No futuro, deveremos pensar muito bem sobre esse assunto, já que há tudo por ser inventado. Não acho que isso possa durar muito tempo, pois não deixa de ser um grande desperdício humano. Os próprios pais reconhecem, com muita ansiedade até, que não sabem mais criar filhos. Como as relações entre os indivíduos influem na visão que temos de nós mesmos e no desastre ecológico que estamos vivendo, na instabilidade geral, em especial no mundo do trabalho e do desemprego?Gilles Lipovetsky – As relações de trabalho têm alterado as relações entre os indivíduos. Outrora, eles pertenciam a grupos, eram operários, as relações existiam no nosso universo, não se pediam coisas complicadas. Hoje temos as demissões, há uma incerteza quanto ao futuro, as pessoas se questionam. Antes se dizia: “É o capitalismo”. Hoje também, mas além disso se diz: “Eu é que não sou bom, não estou à altura”. Vemos que a instabilidade no mundo do trabalho tem gerado falhas e coisas muito difíceis de serem encaradas para indivíduos que se questionam, que têm dúvidas sobre si. Ao mesmo tempo, isso gera um maior distanciamento entre o indivíduo e a empresa. As pessoas estão mais desconfiadas, elas sabem que sua posição não é perpétua. Portanto, o futuro pede indivíduos cada vez mais móveis, capazes de trocar de empresa e até de profissão. E por isso é que, numa situação geradora de tanta angústia, a educação tem tanta importância. Quanto melhor a formação, maiores as chances de encontrar um novo emprego. Se não tiver uma formação inicial, a situação se torna trágica. Por isso, no século XXI, a hipermodernidade deve fazer um tremendo esforço em matéria de educação, de formação. Caso contrário, geraremos indivíduos que sempre serão rejeitados, e isso é algo terrível.
ato em são paulo DIA 06.09.2007 Quinta-feira Ás 16h, em frente ao Teatro Municipal email contato ato.ordenado@yahoo.com.br
http://www.youtube.com/watch?v=k8gvO4_T4mE
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