Jean-Pierre Vernant 26/02/08
Como o senhor descobriu a Grécia?
Jean-Pierre Vernant - Em primeiro lugar, fisicamente, por causa de uma viagem em 1935. Imaginem um país muito diferente do de hoje, sem turistas, que era percorrido a pé, um país de camponeses e de marinheiros muito hospitaleiros, que davam ao estrangeiro a sensação de que sua visita era uma honra para eles.
A civilização da Grécia antiga é comumente sintetizada entre nós numa fórmula: o milagre grego. O sr. aceita isso?Vernant - Absolutamente não! Essa idéia, expressa por Renan e amplamente retomada depois dele, segundo a qual a Grécia, e somente a Grécia, teria inventado a razão, o pensamento científico, a filosofia e todos os grandes valores universais, parece-me inaceitável. É verdade que, por volta do século 7.º antes de nossa era, houve um conjunto de fenômenos complexos. Em primeiro lugar, a passagem de uma civilização oral para uma cultura escrita e de uma palavra poética e profética - a de Homero e Hesíodo - para um discurso lógico e demonstrativo - o de Platão e Aristóteles. Ao mesmo tempo, o antigo sistema de governo, mantido por um rei ou por um grupo aristocrático, dá lugar à organização da cidade (polis), na qual todos os cidadãos podem discutir igualmente e concorrer à decisão coletiva. No seio desse duplo processo cultural e político, é impossível discernir onde está a causa e o efeito. Entretanto, o triunfo do logos na era clássica foi desfavorável aos gregos, cuja civilização não tem, portanto, nada de miraculosa: na realidade, não tentavam compreender o que contradiz a esse princípio lógico de identidade, particularmente os fenômenos exteriores, que não se prestam a demonstrações nem ao cálculo. É por isso que não existiu na realidade uma física grega, por causa da ausência da experimentação e da aplicação do cálculo à realidade.
O surgimento e a afirmação do discurso lógico não deveriam levar ao desaparecimento do mito? Vernant - Mythos significa apenas relato, narração, embora, entre os gregos, os termos mythos e logos não se oponham entre si. Essa palavra serve hoje para designar, na história do pensamento grego, uma tradição transmitida oralmente e que não se insere na ordem do racional. Observe que os mythoi (mitos) não são um apanágio dos gregos. Nossa ciência atual está repleta de mithos: por acaso o big-bang original de nossos cientistas seria muito diferente do chaos (caos) evocado por Hesíodo, esse camponês da Beócia do século 8.º antes de Cristo? As narrativas da origem transmitidas pelos mitos continuam inteiramente atuais na Grécia clássica, porque respondem a desafios relacionados com a identidade: o grego sabe de onde é porque conhece de cor todas essas histórias. Além disso, essas narrativas transmitem modos de ser e de comportar-se. Em Homero, aprende-se a trabalhar, a navegar, a fazer a guerra e a morrer - afirmava Platão. A tradição mitológica define assim um estilo exemplar de existência, nos planos moral e estético, que para os gregos se confundem.
A mitologia assim descrita exprime o essencial da religião grega? Vernant - Não. Apenas em parte. Naturalmente, ela se refere a deuses aos quais devem ser rendidas honras, junto aos quais os humanos se sentem inferiores ao nada e cujo brilho divino não chega até os mortais porque estes não são dignos. Mas a religião está relacionada também com a prática, com rituais que acompanham e ordenam todos os gestos da existência. De fato, a religião está em toda a parte, no modo de comer, de entrar e sair, de se reunir na "agorá". Nada separa a esfera religiosa da esfera civil: o religioso é político, o político é religioso. Na vida coletiva, a irreligião é inconcebível.
Jean-Pierre Vernant - Em primeiro lugar, fisicamente, por causa de uma viagem em 1935. Imaginem um país muito diferente do de hoje, sem turistas, que era percorrido a pé, um país de camponeses e de marinheiros muito hospitaleiros, que davam ao estrangeiro a sensação de que sua visita era uma honra para eles.
A civilização da Grécia antiga é comumente sintetizada entre nós numa fórmula: o milagre grego. O sr. aceita isso?Vernant - Absolutamente não! Essa idéia, expressa por Renan e amplamente retomada depois dele, segundo a qual a Grécia, e somente a Grécia, teria inventado a razão, o pensamento científico, a filosofia e todos os grandes valores universais, parece-me inaceitável. É verdade que, por volta do século 7.º antes de nossa era, houve um conjunto de fenômenos complexos. Em primeiro lugar, a passagem de uma civilização oral para uma cultura escrita e de uma palavra poética e profética - a de Homero e Hesíodo - para um discurso lógico e demonstrativo - o de Platão e Aristóteles. Ao mesmo tempo, o antigo sistema de governo, mantido por um rei ou por um grupo aristocrático, dá lugar à organização da cidade (polis), na qual todos os cidadãos podem discutir igualmente e concorrer à decisão coletiva. No seio desse duplo processo cultural e político, é impossível discernir onde está a causa e o efeito. Entretanto, o triunfo do logos na era clássica foi desfavorável aos gregos, cuja civilização não tem, portanto, nada de miraculosa: na realidade, não tentavam compreender o que contradiz a esse princípio lógico de identidade, particularmente os fenômenos exteriores, que não se prestam a demonstrações nem ao cálculo. É por isso que não existiu na realidade uma física grega, por causa da ausência da experimentação e da aplicação do cálculo à realidade.
O surgimento e a afirmação do discurso lógico não deveriam levar ao desaparecimento do mito? Vernant - Mythos significa apenas relato, narração, embora, entre os gregos, os termos mythos e logos não se oponham entre si. Essa palavra serve hoje para designar, na história do pensamento grego, uma tradição transmitida oralmente e que não se insere na ordem do racional. Observe que os mythoi (mitos) não são um apanágio dos gregos. Nossa ciência atual está repleta de mithos: por acaso o big-bang original de nossos cientistas seria muito diferente do chaos (caos) evocado por Hesíodo, esse camponês da Beócia do século 8.º antes de Cristo? As narrativas da origem transmitidas pelos mitos continuam inteiramente atuais na Grécia clássica, porque respondem a desafios relacionados com a identidade: o grego sabe de onde é porque conhece de cor todas essas histórias. Além disso, essas narrativas transmitem modos de ser e de comportar-se. Em Homero, aprende-se a trabalhar, a navegar, a fazer a guerra e a morrer - afirmava Platão. A tradição mitológica define assim um estilo exemplar de existência, nos planos moral e estético, que para os gregos se confundem.
A mitologia assim descrita exprime o essencial da religião grega? Vernant - Não. Apenas em parte. Naturalmente, ela se refere a deuses aos quais devem ser rendidas honras, junto aos quais os humanos se sentem inferiores ao nada e cujo brilho divino não chega até os mortais porque estes não são dignos. Mas a religião está relacionada também com a prática, com rituais que acompanham e ordenam todos os gestos da existência. De fato, a religião está em toda a parte, no modo de comer, de entrar e sair, de se reunir na "agorá". Nada separa a esfera religiosa da esfera civil: o religioso é político, o político é religioso. Na vida coletiva, a irreligião é inconcebível.
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