Na pele de um clandestino 04/03/08 por Séverine KODJO-GRANDVAUX
Durante quatro anos, o jornalista Serge Daniel seguiu, desde o interior, as correntes da emigração clandestina que conduzem do oeste da África até a Europa, e narra sua experiência em uma interessante obra [“Les Routes clandestines immigrés, passeurs et frontières”, de Serge Daniel, Hachette Littératures, 2008].
Em 29 de janeiro de 2008, surgiu um relatório da Agência Mauritana de Informação (AMI). Segundo o diretor regional da Segurança de Nouadhibou, Ahmed Ould Ely, em 2007 os serviços de segurança mauritanos detiveram e repatriaram 3.257 emigrantes clandestinos, a maioria originários da África subsaariana.
Nouadhibou, cidade portuária a 470 km ao norte de Nouakchott e a menos de dois quilômetros do arquipélago espanhol das Canárias, converteu-se no principal centro da emigração clandestina subsaariana desde que os aramados “que defendem” os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla – os “pequenos muros de Berlim”, como são chamados pelos emigrantes – tornaram-se intransponíveis.“Quando se esgota uma rede, imediatamente surge outra das cinzas da anterior”, explica Serge Daniel, de 45 anos, jornalista de Benin e correspondente de RFI em Bamako, que durante quatro anos investigou as redes que organizam este tráfico de seres humanos. “As rotas clandestinas”, título de sua obra, na qual escreve a crônica desta experiência única, é um livro simples e eficaz, que evita os grandes discursos e o sentimentalismo, e permite ao leitor seguir, passo a passo, as peregrinações do jornalista, descobrindo, através de múltiplos testemunhos, a vida cotidiana dos “aventureiros” dos tempos modernos.Serge Daniel revelou as conexões com o tráfico de drogas e armas, o contrabando de cigarros e as redes de prostituição. Mas também se integrou na massa anônima dos clandestinos e, como eles, suportou o frio, o cansaço e a angústia das passagens pelas fronteiras… Era a melhor maneira de compreender como funcionam estas organizações e também o que esses homens e mulheres podem suportar, e quais são suas motivações.“É, sobretudo, do ponto de vista psicológico como se reconhece um clandestino”, diz o autor, “é uma pessoa decidida”. Uma pessoa que, custe o que custar, cruzará a “barreira da morte” porque sua família apostou nela e não pode conceber a idéia de fracassar e voltar ao cercado com as mãos vazias. A pressão social e familiar é tão grande que muitos preferem a morte à vergonha.
Fábricas de passaportes:Quantos são? Milhares. “A maioria é gente pobre, sem características especiais, mas não necessariamente necessitada. Decidem partir para melhorar sua vida cotidiana ou a de sua família…”. As organizações melhor estruturadas radicam na Nigéria, até o ponto que este gigantesco país africano, com seus 140 milhões de habitantes, transformou-se na alma do mecanismo, e Lagos no centro de operações da emigração clandestina. Os cabeças das redes que se lá se instalam têm seus representantes em Benin, Camarões, Togo, Burkina Faso, Mali, Nigéria e Gana, principais países abastecedores de clandestinos.Em Lagos, Serge Daniel localizou duas “fábricas de passaportes”, um elemento determinante na medida em que “os documentos falsos têm uma importância essencial e, mais concretamente, os documentos camaroneses e maleses. […] Camarões é o único país da África central cujos cidadãos não necessitam visa para acessar o território de Mali; e a continuação, o passaporte malês permite entrar em Marrocos sem visa”.Os candidatos que chegam da África ocidental ou central são levados pelos recrutadores a Gao (no norte de Mali), onde são vendidos os falsos passaportes maleses. Na continuação, agrupam-nos por nacionalidades em guetos, em lugares alugados para “encostá-los”, enquanto esperam a saída para Tinzaouaten (Tinza), na fronteira com a Argélia. Em 2005, quase um milhar de cidadãos africanos ocuparam a referida localidade, a qual apelidam como “o distrito 49 de deserto”, antes de cruzar a fronteira. Levantaram pequenas casas de terra em uma extensão de 15 hectares e agruparam-se em guetos organizados como “mini-estados, com sua ‘presidência’ e seu cemitério”.A odisséia clandestina continua até Tamanrasset e Maghnia, não distantes de Marrocos. Fora desta última cidade está montada uma espécie de bairro de casebres batizado como os “Estados Unidos da África”, construído com tendas de plástico, cabanas de troncos de árvores, ramos e papelões de embalagem, que alberga mais de três mil subsaarianos. Cada comunidade tem seu presidente e tudo está previsto. Uma igreja para os católicos, uma mesquita para os muçulmanos, um campo de futebol, e inclusive uma prisão, já que “aqui, com a disciplina não se brinca.” No centro desta encruzilhada estão os “passadores” de fronteiras, que trabalham de forma independente ou agrupados em “sindicatos”.Depois vem Oujda e, finalmente, as portas de Ceuta e Melilla, o monte Gourougou e os bosques de Bel Younes, organizados como sendas “repúblicas”, com suas leis, seus cargos eleitos (o “chairman”, seus adjuntos e seus responsáveis da segurança), um tribunal com presidente, promotor e advogado, e uma prisão. “Justiça da selva, justiça expedita”, comenta Serge Daniel. A prostituição, as violações e as humilhações são o pão nosso de cada dia dos clandestinos.Em 25 de junho de 2005, quinhentos emigrantes que tentaram cruzar o controle entre Nador e Melilla “foram imediatamente enquadrados pelas forças de segurança espanholas, rechaçados sem considerações ao território marroquino e depois enviados à fronteira argelina de Marrocos”. Também ocorreu o mesmo nos meses de setembro e outubro seguintes. A opinião pública internacional comoveu-se quando os meios de comunicação difundiram as imagens de jovens abandonados em pleno deserto pelas autoridades marroquinas, e pressionou o reino marroquino, que não tardou em estabelecer uma política eficaz para desmantelar as redes em seu território.Dispersar as rotas:Depois, os clandestinos tentam a travessia do Mediterrâneo via Mauritânia ou Senegal. Mas também lá as autoridades locais reagem. “Vamos assistir a uma reestruturação das organizações”, prognostica Serge Daniel. “Os emigrantes voltarão a sair em pequenos grupos até Marrocos, Mauritânia ou Senegal. Não haverá mais fluxos importantes para um centro concreto como nos últimos anos. Mas, para revirar tudo, as rotas serão dispersadas.”Atualmente há milhares de pessoas imobilizadas nas rotas clandestinas, que não podem avançar nem voltar. Sem comida, submetidas às piores humilhações e expostas a todos os perigos. “Se a comunidade internacional e os dirigentes africanos não lhes propõem nada, outros se encarregarão”, prossegue o jornalista, pensando nos islamitas que vivem na região…
(As rutas dos clandestinos. Fonte : Radio France Internationale, Abril de 2008)
Em 29 de janeiro de 2008, surgiu um relatório da Agência Mauritana de Informação (AMI). Segundo o diretor regional da Segurança de Nouadhibou, Ahmed Ould Ely, em 2007 os serviços de segurança mauritanos detiveram e repatriaram 3.257 emigrantes clandestinos, a maioria originários da África subsaariana.
Nouadhibou, cidade portuária a 470 km ao norte de Nouakchott e a menos de dois quilômetros do arquipélago espanhol das Canárias, converteu-se no principal centro da emigração clandestina subsaariana desde que os aramados “que defendem” os enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla – os “pequenos muros de Berlim”, como são chamados pelos emigrantes – tornaram-se intransponíveis.“Quando se esgota uma rede, imediatamente surge outra das cinzas da anterior”, explica Serge Daniel, de 45 anos, jornalista de Benin e correspondente de RFI em Bamako, que durante quatro anos investigou as redes que organizam este tráfico de seres humanos. “As rotas clandestinas”, título de sua obra, na qual escreve a crônica desta experiência única, é um livro simples e eficaz, que evita os grandes discursos e o sentimentalismo, e permite ao leitor seguir, passo a passo, as peregrinações do jornalista, descobrindo, através de múltiplos testemunhos, a vida cotidiana dos “aventureiros” dos tempos modernos.Serge Daniel revelou as conexões com o tráfico de drogas e armas, o contrabando de cigarros e as redes de prostituição. Mas também se integrou na massa anônima dos clandestinos e, como eles, suportou o frio, o cansaço e a angústia das passagens pelas fronteiras… Era a melhor maneira de compreender como funcionam estas organizações e também o que esses homens e mulheres podem suportar, e quais são suas motivações.“É, sobretudo, do ponto de vista psicológico como se reconhece um clandestino”, diz o autor, “é uma pessoa decidida”. Uma pessoa que, custe o que custar, cruzará a “barreira da morte” porque sua família apostou nela e não pode conceber a idéia de fracassar e voltar ao cercado com as mãos vazias. A pressão social e familiar é tão grande que muitos preferem a morte à vergonha.
Fábricas de passaportes:Quantos são? Milhares. “A maioria é gente pobre, sem características especiais, mas não necessariamente necessitada. Decidem partir para melhorar sua vida cotidiana ou a de sua família…”. As organizações melhor estruturadas radicam na Nigéria, até o ponto que este gigantesco país africano, com seus 140 milhões de habitantes, transformou-se na alma do mecanismo, e Lagos no centro de operações da emigração clandestina. Os cabeças das redes que se lá se instalam têm seus representantes em Benin, Camarões, Togo, Burkina Faso, Mali, Nigéria e Gana, principais países abastecedores de clandestinos.Em Lagos, Serge Daniel localizou duas “fábricas de passaportes”, um elemento determinante na medida em que “os documentos falsos têm uma importância essencial e, mais concretamente, os documentos camaroneses e maleses. […] Camarões é o único país da África central cujos cidadãos não necessitam visa para acessar o território de Mali; e a continuação, o passaporte malês permite entrar em Marrocos sem visa”.Os candidatos que chegam da África ocidental ou central são levados pelos recrutadores a Gao (no norte de Mali), onde são vendidos os falsos passaportes maleses. Na continuação, agrupam-nos por nacionalidades em guetos, em lugares alugados para “encostá-los”, enquanto esperam a saída para Tinzaouaten (Tinza), na fronteira com a Argélia. Em 2005, quase um milhar de cidadãos africanos ocuparam a referida localidade, a qual apelidam como “o distrito 49 de deserto”, antes de cruzar a fronteira. Levantaram pequenas casas de terra em uma extensão de 15 hectares e agruparam-se em guetos organizados como “mini-estados, com sua ‘presidência’ e seu cemitério”.A odisséia clandestina continua até Tamanrasset e Maghnia, não distantes de Marrocos. Fora desta última cidade está montada uma espécie de bairro de casebres batizado como os “Estados Unidos da África”, construído com tendas de plástico, cabanas de troncos de árvores, ramos e papelões de embalagem, que alberga mais de três mil subsaarianos. Cada comunidade tem seu presidente e tudo está previsto. Uma igreja para os católicos, uma mesquita para os muçulmanos, um campo de futebol, e inclusive uma prisão, já que “aqui, com a disciplina não se brinca.” No centro desta encruzilhada estão os “passadores” de fronteiras, que trabalham de forma independente ou agrupados em “sindicatos”.Depois vem Oujda e, finalmente, as portas de Ceuta e Melilla, o monte Gourougou e os bosques de Bel Younes, organizados como sendas “repúblicas”, com suas leis, seus cargos eleitos (o “chairman”, seus adjuntos e seus responsáveis da segurança), um tribunal com presidente, promotor e advogado, e uma prisão. “Justiça da selva, justiça expedita”, comenta Serge Daniel. A prostituição, as violações e as humilhações são o pão nosso de cada dia dos clandestinos.Em 25 de junho de 2005, quinhentos emigrantes que tentaram cruzar o controle entre Nador e Melilla “foram imediatamente enquadrados pelas forças de segurança espanholas, rechaçados sem considerações ao território marroquino e depois enviados à fronteira argelina de Marrocos”. Também ocorreu o mesmo nos meses de setembro e outubro seguintes. A opinião pública internacional comoveu-se quando os meios de comunicação difundiram as imagens de jovens abandonados em pleno deserto pelas autoridades marroquinas, e pressionou o reino marroquino, que não tardou em estabelecer uma política eficaz para desmantelar as redes em seu território.Dispersar as rotas:Depois, os clandestinos tentam a travessia do Mediterrâneo via Mauritânia ou Senegal. Mas também lá as autoridades locais reagem. “Vamos assistir a uma reestruturação das organizações”, prognostica Serge Daniel. “Os emigrantes voltarão a sair em pequenos grupos até Marrocos, Mauritânia ou Senegal. Não haverá mais fluxos importantes para um centro concreto como nos últimos anos. Mas, para revirar tudo, as rotas serão dispersadas.”Atualmente há milhares de pessoas imobilizadas nas rotas clandestinas, que não podem avançar nem voltar. Sem comida, submetidas às piores humilhações e expostas a todos os perigos. “Se a comunidade internacional e os dirigentes africanos não lhes propõem nada, outros se encarregarão”, prossegue o jornalista, pensando nos islamitas que vivem na região…
(As rutas dos clandestinos. Fonte : Radio France Internationale, Abril de 2008)
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