rebelião na argentina 02/04/08
Para o jornalista Miguel Croceri, da Universidade de La Plata, o fundo da crise na Argentina está na polarização entre setores da classe média alta e grupos peronistas
Na Argentina, os proprietários rurais estão em pé de guerra contra o governo de Cristina Kirchner, provocando desabastecimento nas grandes cidades. As colheitas continuam o calendário habitual, mas os produtos não chegam às prateleiras. Uma convergência de diferentes camadas de proprietários rurais provoca também dificuldades com o transporte, pelos bloqueios de estradas que esses setores protagonizam, métodos tradicionalmente usados pelos trabalhadores desempregados para fazer ouvir as suas demandas.Leia entrevista com Miguel Croceri, jornalista argentino e docente da Universidad de La Plata, comentando o cenário político na Argentina radicalizado pelos protestos dos produtores rurais.
Em que consiste esse conjunto de protestos que fazem parte da crise do agro na Argentina e quais serão as suas conseqüências?Miguel Croceri – A Argentina está vivendo uma crise política e social de grande magnitude. Trata-se de um protesto agrário, dos setores do campo argentino, um país que, vale lembrar, tem a base da sua economia na atividade agrícola e pecuária, nos seus cereais e suas carnes, famosas no mundo inteiro. E os setores que são proprietários do campo argentino iniciaram um protesto que já leva duas semanas e que atingiu uma magnitude inesperada. E coloca o governo perante um sério desafio político e, ao mesmo tempo, produz uma fratura na sociedade. Conseqüências imediatas como o desabastecimento alimentar. E há a possibilidade de fatos de violência grave que, mesmo não tendo ainda se concretizado, estão latentes.Também surpreendem as modalidades utilizadas pelos setores que tradicionalmente não costumavam se manifestar dessa maneira...Este protesto, esta medida de força começou com a suspensão do comércio de carne e grãos. Quer dizer, que nos campos a produção continua sua rotina, mas não é vendida nem para o mercado interno nem para o internacional. Começou dessa maneira, mas a isso foi acrescentada uma forma de protesto que na Argentina é muito comum desde a década passada por parte dos setores excluídos da sociedade, os que foram jogados na miséria durante a época neoliberal, o piquete, o bloqueio de uma via de trânsito, seja uma estrada, uma rua etc, para chamar a atenção da sociedade e do poder público. Essa modalidade que faz já mais de 10 anos começou na Argentina e se generalizou na crise econômica de final de 2001 e início de 2002. Agora está sendo utilizada não pelos setores excluídos, mas pelos proprietários rurais. Quer dizer, essa modalidade de protesto que ao mesmo tempo é muito repudiada pela maioria da sociedade argentina, agora é utilizada pelos setores rurais que estão promovendo este movimento. É importante deixar claro que há uma unanimidade das diferentes frações sociais que têm vinculação com o campo.
Esta crise parece desafiar os analistas pela quantidade de setores rurais nela envolvidos. Pode comentar a participação de setores tão diferenciados?Trata-se de um protesto massivo das classes médias e altas do interior argentino. Das cidades mais ligadas à atividade agrícola e pecuária. Numa magnitude que é verdadeiramente surpreendente. Em princípio não parecia que fosse ganhar uma adesão de grupos tão diferentes. Aqui estão participando no protesto pequenos e médios agricultores e pecuaristas, numa unanimidade de convergência de interesses com os proprietários mais poderosos, com os capitalistas do campo. Inclusive numa aliança estratégica com os grandes capitais transnacionais do agronegócio da qual talvez os pequenos e médios produtores não sejam conscientes.O que originou o protesto?Este protesto iniciou-se logo que o governo aprofundou uma modalidade de arrecadação de impostor sobre as exportações de produtos agropecuários que já vinha exercendo desde a brutal desvalorização que o peso argentino sofreu no início de 2002, quando a relação de peso-dólar era um a um. O que se manteve por onze anos e que implodiu, fez implodir o sistema econômico no final de 2001. Como saída dessa restrição monetária, o dólar logo se estabilizou numa relação um a três com respeito do peso argentino. A partir daquele momento, começou um sistema de impostos, de direitos à exportação que são chamados retenções. Esse sistema faz poucos dias que foi ampliado pelo atual governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, especialmente para a soja. Levando em conta os níveis recordistas, as ganâncias extraordinárias e a renda fabulosa da exportação de soja.
Esse sistema de impostos à exportação de soja é o que provocou a convergência de setores tão diferenciados?Este negócio, dominado pelos capitais transnacionais, mas que ao mesmo tempo traz lucros para agricultores e para a população a ele vinculado no interior argentino. Para quem vive de maneira direta ou indireta da agricultura, faz que tenha uma convergência de interesses que se opõe a essas retenções, a esses impostos à exportação de soja, ainda de setores que estão em níveis muito diferentes da escala social. Os grandes capitais transnacionais do agronegócio surgem numa articulação de interesses com os pequenos e médios produtores. Disto está derivando este movimento que se iniciou como uma demanda setorial. Num começo ia durar dois dias. Agora já vão quinze dias que o país está praticamente paralisado nas suas conexões físicas pelas principais estradas nacionais. Começa a se sentir gravemente o desabastecimento alimentar.
Na Argentina, os proprietários rurais estão em pé de guerra contra o governo de Cristina Kirchner, provocando desabastecimento nas grandes cidades. As colheitas continuam o calendário habitual, mas os produtos não chegam às prateleiras. Uma convergência de diferentes camadas de proprietários rurais provoca também dificuldades com o transporte, pelos bloqueios de estradas que esses setores protagonizam, métodos tradicionalmente usados pelos trabalhadores desempregados para fazer ouvir as suas demandas.Leia entrevista com Miguel Croceri, jornalista argentino e docente da Universidad de La Plata, comentando o cenário político na Argentina radicalizado pelos protestos dos produtores rurais.
Em que consiste esse conjunto de protestos que fazem parte da crise do agro na Argentina e quais serão as suas conseqüências?Miguel Croceri – A Argentina está vivendo uma crise política e social de grande magnitude. Trata-se de um protesto agrário, dos setores do campo argentino, um país que, vale lembrar, tem a base da sua economia na atividade agrícola e pecuária, nos seus cereais e suas carnes, famosas no mundo inteiro. E os setores que são proprietários do campo argentino iniciaram um protesto que já leva duas semanas e que atingiu uma magnitude inesperada. E coloca o governo perante um sério desafio político e, ao mesmo tempo, produz uma fratura na sociedade. Conseqüências imediatas como o desabastecimento alimentar. E há a possibilidade de fatos de violência grave que, mesmo não tendo ainda se concretizado, estão latentes.Também surpreendem as modalidades utilizadas pelos setores que tradicionalmente não costumavam se manifestar dessa maneira...Este protesto, esta medida de força começou com a suspensão do comércio de carne e grãos. Quer dizer, que nos campos a produção continua sua rotina, mas não é vendida nem para o mercado interno nem para o internacional. Começou dessa maneira, mas a isso foi acrescentada uma forma de protesto que na Argentina é muito comum desde a década passada por parte dos setores excluídos da sociedade, os que foram jogados na miséria durante a época neoliberal, o piquete, o bloqueio de uma via de trânsito, seja uma estrada, uma rua etc, para chamar a atenção da sociedade e do poder público. Essa modalidade que faz já mais de 10 anos começou na Argentina e se generalizou na crise econômica de final de 2001 e início de 2002. Agora está sendo utilizada não pelos setores excluídos, mas pelos proprietários rurais. Quer dizer, essa modalidade de protesto que ao mesmo tempo é muito repudiada pela maioria da sociedade argentina, agora é utilizada pelos setores rurais que estão promovendo este movimento. É importante deixar claro que há uma unanimidade das diferentes frações sociais que têm vinculação com o campo.
Esta crise parece desafiar os analistas pela quantidade de setores rurais nela envolvidos. Pode comentar a participação de setores tão diferenciados?Trata-se de um protesto massivo das classes médias e altas do interior argentino. Das cidades mais ligadas à atividade agrícola e pecuária. Numa magnitude que é verdadeiramente surpreendente. Em princípio não parecia que fosse ganhar uma adesão de grupos tão diferentes. Aqui estão participando no protesto pequenos e médios agricultores e pecuaristas, numa unanimidade de convergência de interesses com os proprietários mais poderosos, com os capitalistas do campo. Inclusive numa aliança estratégica com os grandes capitais transnacionais do agronegócio da qual talvez os pequenos e médios produtores não sejam conscientes.O que originou o protesto?Este protesto iniciou-se logo que o governo aprofundou uma modalidade de arrecadação de impostor sobre as exportações de produtos agropecuários que já vinha exercendo desde a brutal desvalorização que o peso argentino sofreu no início de 2002, quando a relação de peso-dólar era um a um. O que se manteve por onze anos e que implodiu, fez implodir o sistema econômico no final de 2001. Como saída dessa restrição monetária, o dólar logo se estabilizou numa relação um a três com respeito do peso argentino. A partir daquele momento, começou um sistema de impostos, de direitos à exportação que são chamados retenções. Esse sistema faz poucos dias que foi ampliado pelo atual governo da presidenta Cristina Fernández de Kirchner, especialmente para a soja. Levando em conta os níveis recordistas, as ganâncias extraordinárias e a renda fabulosa da exportação de soja.
Esse sistema de impostos à exportação de soja é o que provocou a convergência de setores tão diferenciados?Este negócio, dominado pelos capitais transnacionais, mas que ao mesmo tempo traz lucros para agricultores e para a população a ele vinculado no interior argentino. Para quem vive de maneira direta ou indireta da agricultura, faz que tenha uma convergência de interesses que se opõe a essas retenções, a esses impostos à exportação de soja, ainda de setores que estão em níveis muito diferentes da escala social. Os grandes capitais transnacionais do agronegócio surgem numa articulação de interesses com os pequenos e médios produtores. Disto está derivando este movimento que se iniciou como uma demanda setorial. Num começo ia durar dois dias. Agora já vão quinze dias que o país está praticamente paralisado nas suas conexões físicas pelas principais estradas nacionais. Começa a se sentir gravemente o desabastecimento alimentar.
Como se posicionam os setores urbanos?
Há alguns apoios de setores das classes médias e altas nas grandes cidades que têm afinidade social e ideológica com os setores do campo. E, ao mesmo tempo, o que tem aparecido neste movimento é uma espécie de aliança política de todas as frações das classes médias e altas que tradicionalmente estiveram contra o peronismo, o partido fundado pelo general Juan Perón em meados da década de 40 do século passado. Uma parcela da população que se opõem atualmente ao governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner, que ganhou as eleições no mês de outubro passado com o 45% dos votos, sustentada em grande parte pelas classes populares, nos setores mais empobrecidos e ainda nos excluídos, com uma afinidade histórica com o peronismo e que, por outra parte, com o uso clientelista do aparato do Estado que explora as necessidades populares. E isso garante a fidelidade do voto do povo ao Partido Justicialista [peronista]. Mas esse setor político, que se expressa no governo da presidente Cristina, tem uma rejeição importante nas classes médias e altas que neste momento, a partir do protesto dos setores agropecuários, também manifestam uma forma de rejeição à atual presidenta da nação.
O governo de Cristina representa uma mudança de postura com respeito aos interesses do agronegócio?Não, não representa qualquer mudança importante perante aos interesses do agronegócio, mas recorreu aos impostos sobre as exportações agropecuárias, a principal das quais passou a ser, ultimamente, a da soja. Os impostos são muito altos. Foram aumentados faz pouco mais de vinte dias e isto é o que deslanchou o protesto. A arrecadação altíssima que se propõe o governo vem do ano 2002, durante a presidência de transição de Eduardo Duhalde, depois da crise da economia argentina. E que depois Nestor Kirchner continuou nos seus 4 anos e meio de mandato. E agora é continuada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner, que leva pouco mais de 3 meses no governo.
Qual a finalidade dessa arrecadação?A finalidade dessa arrecadação permitiu uma série de conseqüências econômicas muito favoráveis para o Estado e para o conjunto da sociedade. Por exemplo, permitiu que o Estado tenha um altíssimo nível de reservas monetárias que o preserva das crises, das turbulências financeiras internacionais. Permitiu ter a capacidade desde o Estado para regular o mercado de câmbio, e, em conseqüência, o valor da moeda argentina mantém-se estável faz 5 anos. Permitiu também que o Estado recupere, depois da longa década neoliberal, a capacidade de intervenção na economia através de subsídios, do estímulo às obras públicas, da presença do Estado na atividade econômica.Quais são as conseqüências dessa política impositiva para o Estado e para os setores populares?Resumindo, não é que o governo tenha afetado os interesses do agronegócio. Nem sequer estimulou a diversificação produtiva. Ao contrário, a expansão das fronteiras agrícolas e dos cultivos de soja continuam crescendo. Mas a presidente Cristina recorreu a essa fonte de financiamento público que permitiu, como já disse, algumas situações favoráveis para as finanças públicas. As reservas monetárias. A estabilidade da moeda. A possibilidade do Estado ter fundos para intervir na economia. E isto, por sua vez, trouxe algum benefício indireto para os setores populares.
Há alguns apoios de setores das classes médias e altas nas grandes cidades que têm afinidade social e ideológica com os setores do campo. E, ao mesmo tempo, o que tem aparecido neste movimento é uma espécie de aliança política de todas as frações das classes médias e altas que tradicionalmente estiveram contra o peronismo, o partido fundado pelo general Juan Perón em meados da década de 40 do século passado. Uma parcela da população que se opõem atualmente ao governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner, que ganhou as eleições no mês de outubro passado com o 45% dos votos, sustentada em grande parte pelas classes populares, nos setores mais empobrecidos e ainda nos excluídos, com uma afinidade histórica com o peronismo e que, por outra parte, com o uso clientelista do aparato do Estado que explora as necessidades populares. E isso garante a fidelidade do voto do povo ao Partido Justicialista [peronista]. Mas esse setor político, que se expressa no governo da presidente Cristina, tem uma rejeição importante nas classes médias e altas que neste momento, a partir do protesto dos setores agropecuários, também manifestam uma forma de rejeição à atual presidenta da nação.
O governo de Cristina representa uma mudança de postura com respeito aos interesses do agronegócio?Não, não representa qualquer mudança importante perante aos interesses do agronegócio, mas recorreu aos impostos sobre as exportações agropecuárias, a principal das quais passou a ser, ultimamente, a da soja. Os impostos são muito altos. Foram aumentados faz pouco mais de vinte dias e isto é o que deslanchou o protesto. A arrecadação altíssima que se propõe o governo vem do ano 2002, durante a presidência de transição de Eduardo Duhalde, depois da crise da economia argentina. E que depois Nestor Kirchner continuou nos seus 4 anos e meio de mandato. E agora é continuada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner, que leva pouco mais de 3 meses no governo.
Qual a finalidade dessa arrecadação?A finalidade dessa arrecadação permitiu uma série de conseqüências econômicas muito favoráveis para o Estado e para o conjunto da sociedade. Por exemplo, permitiu que o Estado tenha um altíssimo nível de reservas monetárias que o preserva das crises, das turbulências financeiras internacionais. Permitiu ter a capacidade desde o Estado para regular o mercado de câmbio, e, em conseqüência, o valor da moeda argentina mantém-se estável faz 5 anos. Permitiu também que o Estado recupere, depois da longa década neoliberal, a capacidade de intervenção na economia através de subsídios, do estímulo às obras públicas, da presença do Estado na atividade econômica.Quais são as conseqüências dessa política impositiva para o Estado e para os setores populares?Resumindo, não é que o governo tenha afetado os interesses do agronegócio. Nem sequer estimulou a diversificação produtiva. Ao contrário, a expansão das fronteiras agrícolas e dos cultivos de soja continuam crescendo. Mas a presidente Cristina recorreu a essa fonte de financiamento público que permitiu, como já disse, algumas situações favoráveis para as finanças públicas. As reservas monetárias. A estabilidade da moeda. A possibilidade do Estado ter fundos para intervir na economia. E isto, por sua vez, trouxe algum benefício indireto para os setores populares.
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