rebelião na argentina 02/04/08



Em que consiste esse conjunto de protestos que fazem parte da crise do agro na Argentina e quais serão as suas conseqüências?Miguel Croceri – A Argentina está vivendo uma crise política e social de grande magnitude. Trata-se de um protesto agrário, dos setores do campo argentino, um país que, vale lembrar, tem a base da sua economia na atividade agrícola e pecuária, nos seus cereais e suas carnes, famosas no mundo inteiro. E os setores que são proprietários do campo argentino iniciaram um protesto que já leva duas semanas e que atingiu uma magnitude inesperada. E coloca o governo perante um sério desafio político e, ao mesmo tempo, produz uma fratura na sociedade. Conseqüências imediatas como o desabastecimento alimentar. E há a possibilidade de fatos de violência grave que, mesmo não tendo ainda se concretizado, estão latentes.Também surpreendem as modalidades utilizadas pelos setores que tradicionalmente não costumavam se manifestar dessa maneira...Este protesto, esta medida de força começou com a suspensão do comércio de carne e grãos. Quer dizer, que nos campos a produção continua sua rotina, mas não é vendida nem para o mercado interno nem para o internacional. Começou dessa maneira, mas a isso foi acrescentada uma forma de protesto que na Argentina é muito comum desde a década passada por parte dos setores excluídos da sociedade, os que foram jogados na miséria durante a época neoliberal, o piquete, o bloqueio de uma via de trânsito, seja uma estrada, uma rua etc, para chamar a atenção da sociedade e do poder público. Essa modalidade que faz já mais de 10 anos começou na Argentina e se generalizou na crise econômica de final de 2001 e início de 2002. Agora está sendo utilizada não pelos setores excluídos, mas pelos proprietários rurais. Quer dizer, essa modalidade de protesto que ao mesmo tempo é muito repudiada pela maioria da sociedade argentina, agora é utilizada pelos setores rurais que estão promovendo este movimento. É importante deixar claro que há uma unanimidade das diferentes frações sociais que têm vinculação com o campo.



Esse sistema de impostos à exportação de soja é o que provocou a convergência de setores tão diferenciados?Este negócio, dominado pelos capitais transnacionais, mas que ao mesmo tempo traz lucros para agricultores e para a população a ele vinculado no interior argentino. Para quem vive de maneira direta ou indireta da agricultura, faz que tenha uma convergência de interesses que se opõe a essas retenções, a esses impostos à exportação de soja, ainda de setores que estão em níveis muito diferentes da escala social. Os grandes capitais transnacionais do agronegócio surgem numa articulação de interesses com os pequenos e médios produtores. Disto está derivando este movimento que se iniciou como uma demanda setorial. Num começo ia durar dois dias. Agora já vão quinze dias que o país está praticamente paralisado nas suas conexões físicas pelas principais estradas nacionais. Começa a se sentir gravemente o desabastecimento alimentar.

Há alguns apoios de setores das classes médias e altas nas grandes cidades que têm afinidade social e ideológica com os setores do campo. E, ao mesmo tempo, o que tem aparecido neste movimento é uma espécie de aliança política de todas as frações das classes médias e altas que tradicionalmente estiveram contra o peronismo, o partido fundado pelo general Juan Perón em meados da década de 40 do século passado. Uma parcela da população que se opõem atualmente ao governo da presidente Cristina Fernández de Kirchner, que ganhou as eleições no mês de outubro passado com o 45% dos votos, sustentada em grande parte pelas classes populares, nos setores mais empobrecidos e ainda nos excluídos, com uma afinidade histórica com o peronismo e que, por outra parte, com o uso clientelista do aparato do Estado que explora as necessidades populares. E isso garante a fidelidade do voto do povo ao Partido Justicialista [peronista]. Mas esse setor político, que se expressa no governo da presidente Cristina, tem uma rejeição importante nas classes médias e altas que neste momento, a partir do protesto dos setores agropecuários, também manifestam uma forma de rejeição à atual presidenta da nação.
O governo de Cristina representa uma mudança de postura com respeito aos interesses do agronegócio?Não, não representa qualquer mudança importante perante aos interesses do agronegócio, mas recorreu aos impostos sobre as exportações agropecuárias, a principal das quais passou a ser, ultimamente, a da soja. Os impostos são muito altos. Foram aumentados faz pouco mais de vinte dias e isto é o que deslanchou o protesto. A arrecadação altíssima que se propõe o governo vem do ano 2002, durante a presidência de transição de Eduardo Duhalde, depois da crise da economia argentina. E que depois Nestor Kirchner continuou nos seus 4 anos e meio de mandato. E agora é continuada pela presidente Cristina Fernández de Kirchner, que leva pouco mais de 3 meses no governo.




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