A Filosofia Tem Perdido o Contacto com as Pessoas? 17/07/08 por Willard Van Orman Quine


Aristóteles foi, entre outras coisas, um físico pioneiro e biólogo. Platão foi, entre outras coisas, de certo modo um físico, se a cosmologia é uma parte teórica da física. Descartes e Leibniz foram em parte físicos. Naqueles tempos, a biologia e a física eram chamadas de filosofia natural. Elas foram chamadas de filosofia natural até ao século dezanove. Platão, Descartes e Leibniz eram também matemáticos, e Locke, Berkeley, Hume, e Kant eram em larga medida psicólogos. Todas estas luminárias e outras que nós veneramos como grandes filósofos eram cientistas na busca de uma concepção organizada da realidade. A sua busca foi, de facto, para além das ciências restritas como nós agora as definimos; havia também conceitos amplos e mais básicos para desemaranhar e clarificar. Mas as dificuldades com estes conceitos e a procura por um sistema numa grande escala eram ainda integrais a toda a busca científica. Os mais gerais e especulativos alcances de uma teoria são aquilo que olhamos nos nossos dias como distintamente filosóficos. Acresce que hoje, o que é perseguido sob o nome de filosofia tem também estas mesmas preocupações, quando é o que considero a sua melhor técnica.

Seguramente, muita literatura produzida sob o título de filosofia linguística é filosoficamente inconsequente. Algumas peças são divertidas ou medianamente interessantes como estudos de linguagem, mas têm sido publicadas em jornais filosóficos apenas por associação superficial. Alguns, mais filosóficos no propósito, são simplesmente incompetentes; o controlo da qualidade é uma mancha na imprensa filosófica florescente. A filosofia tem sofrido há muito tempo, ao contrário das ciências duras, de um irresoluto consenso em questões de competência profissional. Os estudantes do céu são separáveis em astrónomos e astrólogos assim como os pequenos ruminantes domésticos são separáveis em carneiros e cabras, mas a separação dos filósofos em sábios e excêntricos parece ser mais sensível a sistemas de referência. Isto é talvez como deve ser, em virtude do carácter não regimentado e especulativo da disciplina.Muito do que foi recôndito na física moderna foi aberto pela divulgação. Estou agradecido por isto, pois tenho um gosto por física mas não posso adquiri-la em bruto. Um bom filósofo que é um expositor competente podia fazer o mesmo com a filosofia técnica corrente. Seria preciso talento, porque nem tudo o que é filosoficamente importante precisa de ser de interesse do leigo mesmo quando claramente explicado e posto no lugar. Pensemos na química orgânica; reconheço a sua importância, mas não estou curioso em relação a ela, nem vejo por que o leigo deva apreciar muito daquilo que me interessa em filosofia. Se, em vez de ter sido chamado para aparecer na série da televisão britânica “Men of Ideas”, tivesse sido consultado sobre a sua viabilidade, devia ter expressado dúvida.O que tenho estado a discutir sob o título de filosofia é aquilo a que eu chamo de filosofia científica, velha e nova, pois tem sido a disciplina cuja moderna tendência Adler critica. Mas deste título vago não excluo estudos filosóficos de valores morais e estéticos. Alguns destes estudos, em moldes analíticos, podem ser científicos no espírito. Eles estão aptos, porém, para oferecer pouco no sentido da inspiração ou da consolação. O estudante que se forma em filosofia primariamente por conforto espiritual está mal orientado e, provavelmente, não é um muito bom estudante de qualquer modo, dado que a curiosidade intelectual não é o que o move.
A escrita inspirativa e edificante é admirável, mas o lugar para isso é a novela, o poema, o sermão, ou o ensaio literário. Os filósofos, no sentido profissional, não têm qualquer peculiar aptidão para isso. Nem têm qualquer peculiar aptidão para ajudar a sociedade para um equilíbrio, embora devamos todos fazer o que pudermos. O que pode satisfazer estas necessidades perpetuamente urgentes é sabedoria: sofia sim, filosofia não necessariamente.Nota: Esta peça foi escrita para o Newsday por pedido de resposta a uma peça de Mortimer Adler. As duas eram para aparecer juntas sob o título acima. Aquando da publicação, em 18 de Novembro, 1979, o que apareceu sob o meu nome verificou-se ter sido rescrito para agradar à vontade do editor. Este é o meu texto não corrompido.

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