Jean Malaurie 21/07/08
Incansável defensor dos Inuit e de outros esquecidos da História, o pesquisador e antropo-geógrafo Jean Malaurie fundou, há cinqüenta anos, a renomada coleção “Terra Humana”. E a França aproveita a oportunidade para homenageá-lo.Há personalidades únicas, homens que forçam o destino impondo pensamentos e ações fora dos caminhos já traçados. Jean Malaurie, hoje com oitenta e três anos de idade, é um deles. Pensador radicalmente independente, ele subverteu, tanto com suas pesquisas científicas quanto com seu projeto editorial, a maneira de se considerar a diversidade das terras e dos povos. Cruzando a geografia física, a etnologia e a história, ele erigiu uma nova abordagem interdisciplinar do estudo do homem.Este ano, para comemorar o qüinquagésimo aniversário de “Terra Humana”, a França dedicou a Malaurie quatro livros, cinco documentários para a televisão, um colóquio e uma grande exposição na Biblioteca Nacional da França (BNF), intitulada “Terra Humana, louvemos agora os grandes homens”. Na inauguração dessa manifestação, o presidente da República, Jacques Chirac, felicitou seu fundador pela criação dessa “formidável e exaltadora aventura editorial”.Nascido em 1922 em Mayenne, Jean Malaurie fica órfão de pai aos dezessete anos e de mãe aos vinte e um. Ele é estudante em Paris quando, em 1943, entra para a Resistência. Depois da guerra, o futuro pesquisador inscreve-se em geografia e ciências. Ele empregará ao todo quatorze anos na preparação de uma tese principal em geomorfologia e de uma tese complementar em etno-história.
Em 1948 e em 1949, esse apaixonado pelo Grande Norte participa, como geógrafo, de duas expedições francesas à Groelândia, dirigidas pelo explorador Paul-Émile Victor. Entretanto, logo se desvia dessas viagens de exploração, que não colocam suficientemente o homem no centro de suas preocupações, e passa a integrar o Centro Nacional da Pesquisa Científica (CNRS). De 1948 a 1950, ele visita regularmente os Tuaregs, no Saara, para realizar pesquisas geomorfológicas. O momento decisivo de sua carreira – seu encontro com os Inuits, os esquimós polares da Groenlândia – ocorre em 1950, durante sua primeira viagem solitária em missão geográfica a Thulé. Em seu livro Jean Malaurie, um homem singular, seu biógrafo, Jan Borm, cita-o: “Desembarquei no dia 23 de julho de 1950 em Thulé (...) depois de 23 dias de navegação. Decidi logo passar o inverno 150 quilômetros mais ao norte, em Siorapaluk: 32 habitantes, 6 iglus (…). Meu equipamento? Não tinha. Foi lá mesmo que arranquei das autoridades dinamarquesas a autorização para invernar por um ano.” Ao longo do tempo, Malaurie, alma solitária, fará uma profunda amizade com os Inuits, que ele admira por seu extraordinário conhecimento da natureza e pelos elos íntimos que mantêm com ela. Para prestar um serviço a esse povo de cultura oral, propõe criar um mapa genealógico, o primeiro de sua história. Ele sai, assim, em um trenó puxado por cães, em plena noite polar, sob uma temperatura de -30°C, para visitar cada um dos 11vilarejos espalhados por 300 quilômetros quadrados. De iglu em iglu ele colherá o testemunho de 302 habitantes.Em 1951, na companhia de dois casais Inuits, ele percorre em dois meses 1.500 quilômetros, sob um frio de -45°C, com o intuito de estabelecer um mapa geográfico da região. É durante essa missão que ele descobre uma base nuclear ultra-secreta da US Air Force em Thulé, no coração de um território habitado por 302 esquimós. Para protestar contra a base, decide escrever Os últimos reis de Thulé, uma coletânea de descrições, etno-história, dados, desenhos e fotos. “Tentei traduzir a vida excepcionalíssima que vivi em Thulé. Acho que não ocultei o que devo a esses homens exemplares que me obrigaram a chegar ao limite de minha identidade”, dirá ele sobre esse livro que deu a volta ao mundo. Outras obras e nove filmes sobre o Ártico vieram em seguida.O ano de 1951 também é o ano de seu encontro com Monique Laporte, a filha do célebre professor e físico Marcel Laporte. Malaurie decide casar-se com ela antes mesmo de vê-la, apenas pela sua voz, que escutou por trás de uma porta! Sendo “visceralmente nômade”, ele continua viajando (realizará ao todo 31 missões científicas, na maioria das vezes sozinho). Em 1954, de volta a Paris após uma missão de quatorze meses no Ártico, ele passeava com sua mulher e seu bebê quando decidiu espontaneamente bater à porta da editora Plon. Ele propõe não apenas a publicação de Os últimos reis de Thulé, mas também a criação de uma coleção que seria a ponte entre as ciências humanas e o grande público.Em cinqüenta anos, o método interdisciplinar de Malaurie fez de “Terra Humana” um fenômeno editorial único no mundo. Esse gosto pelo cruzamento de pensamentos encontra também partidários na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, da qual é eleito diretor de pesquisa em 1957. No ano seguinte, funda um Centro de Estudos Árticos, que ainda hoje dirige. Em 1997, a pedido das autoridades russas, torna-se um dos fundadores e presidente de honra vitalício da Academia Polar de São Petersburgo, que forma as futuras elites autóctones siberianas.
Minhas origens fazem de mim um homem do Norte. Do lado de meu pai, sou de uma família de armadores de Fecamp [na França, à beira do canal da Mancha] e, do lado de minha mãe, de origem escocesa. Nasci na Alemanha e fui muito influenciado pela educação romântica alemã. Aos seis anos, atravessei o Reno congelado. Pode-se assim dizer que recebi o chamado do Norte sobre o Reno! Concretamente, tenho uma formação de geomorfólogo. Vivi a época das ideologias dramáticas, o fascismo e o comunismo stalinista, às quais muitos intelectuais aderiram. Para que servem as ciências sociais? Para que serve a filosofia, é para se chegar a tais desastres? Esta é uma das razões pelas quais parti, ainda jovem, para o Grande Norte. Pensava que a idade de ouro do Ocidente já tinha passado.O senhor pode explicar?Esse grande foco de civilização que foi o Ocidente não irradia mais, acredito. É uma sociedade de consumo, uma sociedade em envelhecimento, que vive de seus dividendos e descobre que o mundo exterior afirma-se, que grandes impérios estão sendo construídos, como a China, a Índia, a América do Sul, o Brasil. Ela não tem muito mais a dizer sobre o destino do homem.

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