GIORGIO AGAMBEN : NOTAS SOBRE A POLÍTICA.02/07/07
A queda do partido comunista soviético e a dominação sem véus em escala planetária do Estado democrático-capitalista eliminaram os dois obstáculos ideológicos maiores que se opunham à reconsideração de uma filosofia política digna de nosso tempo: o stalinismo de um lado, o progressismo e o Estado de direito de outro. O pensamento se encontra assim pela primeira vez confrontado a sua tarefa sem nenhuma ilusão e sem nenhum álibi possível. Por todo lado, sob nossos olhos, conclui-se a "grande transformação" que arrasta um após o outro os reinos de nosso planeta (repúblicas e monarquias, tiranias e democracias, federações e Estados nacionais) em direção ao Estado espetacular integrado (Debord) ou "capital-parlamentarismo" (Badiou), grau último da forma Estado. E, assim como a grande transformação da primeira revolução industrial destruiu as estruturas sociais e políticas e as categorias do direito público do Antigo Regime, também os termos soberania, nação, povo e democracia e vontade geral recobrem a partir de agora uma realidade que nada tem a ver com aquela que esses conceitos designavam, e aquele que continua a deles se servir de modo acrítico não sabe literalmente do que fala. A opinião pública e o consenso nada tem a ver com a vontade geral, como a "polícia internacional" que conduz hoje as guerras nada tem a ver com a soberania do Jus publicum europaeum. A política contemporânea é esta experiência devastadora que desarticula e esvazia de seu sentido instituições e crenças, ideologias e religiões, identidades e comunidades, por todo o planeta, para os repropor sob uma forma definitivamente marcada pela nulidade.O pensamento que vem deverá, entretanto, tentar levar a sério o tema hegeliano-kojéviano (e marxista) do fim da história, assim como o tema heideggeriano da entrada na Ereignis como fim da história do ser. Esta questão opõe hoje aqueles que pensam o fim da história sem o fim do Estado (os teóricos pós-kojévianos ou pós-modernos da realização do processo histórico da humanidade em um Estado universal homogêneo) e aqueles que pensam o fim do Estado sem o fim da história (os progressismos da diversos ramos). Ambas as posições ficam aquém de sua tarefa, pois pensar a extinção do Estado sem a realização do telos histórico é tão impossível quanto pensar uma realização da história na qual perduraria a forma vazia da soberania estatal. Assim como a primeira tese revela toda sua impotência diante da sobrevivência tenaz, numa transição infinita, da forma estatal, também a segunda se choca com a resistência cada vez mais viva das instâncias históricas (de tipo nacional, religioso ou étnico). As duas posições podem por outro lado co-habitar perfeitamente através da multiplicação das instâncias estatais tradicionais (isto é, de tipo histórico), sob a égide de um organismo técnico-jurídico de vocação pós-histórico.
Só um pensamento capaz de imaginar ao mesmo tempo o fim do Estado e o fim da história, e de mobiliza-los um contra o outro, pode se revelar a altura da tarefa. É o que procurou fazer, ainda de modo insuficiente, o Heidegger dos últimos anos com a idéia de um Ereignis, de um evento último, no qual o que é apropriado e assim subtraído ao destino histórico é a retirada mesma do princípio historicizante, a própria historicidade. Se a história significa a expropriação da natureza humana em uma série de épocas e destinos históricos, a realização e a apropriação do telos histórico não significa que o processo histórico da humanidade conheça hoje um agenciamento definitivo (cuja gestão possa ser confiada a um Estado homogêneo universal), mas que a mesma historicidade anárquica que, sempre restando pressuposta, destinou o homem em épocas e culturas históricas diferentes, deve hoje se elevar como tal ao pensamento, isto é, o homem deve se apropriar hoje de seu ser histórico próprio, de sua própria impropriedade. O devir próprio (natureza) do impróprio (linguagem) não pode ser formalizado nem reconhecido segundo a dialética hegeliana da Anerkennung [reconhecimento], pois ele é, na mesma medida, um devir impróprio (linguagem) do próprio (natureza).Por esta razão, a apropriação da historicidade não pode revestir ainda uma vez a forma estatal - o Estado não sendo outro coisa senão a pressuposição e a representação da arché histórica enquanto esta permanece oculta, mas deve deixar campo livre a uma vida humana e a uma política não-estatal e não jurídica, que permanecem ainda inteiramente por pensar.Os conceitos de soberania e poder constituinte que estão no coração da nossa tradição política devem ser abandonados ou, ao menos, totalmente repensados. Eles marcam o ponto de indiferença entre violência e direito, natureza e logos, próprio e impróprio e, como tais, designam não um atributo ou um órgão de ordem jurídica ou do Estado, mas sua própria estrutura original. A soberania é a idéia de um laço indecidido entre violência e direito, e esse laço tem necessariamente a forma paradoxal de uma decisão sobre o estado de exceção (Carl Schmitt) ou de um ban [interdito] (Nancy), no qual a lei (a linguagem) mantém sua relação com o vivente retirando-se, abandonando-o à sua própria violência e à sua própria ir-relação. A vida sagrada, isto é, pressuposta e abandonada pela lei em um estado de exceção, é a portadora muda da soberania, o verdadeiro sujeito soberano.
A soberania é a guardiã que vigia para que o limiar indecidido entre violência e direito, natureza e linguagem, não seja posto à luz. Nós devemos ao contrário manter os olhos fixados sobre o que estátua da justiça (que, como lembra Montesquieu, devia ser coberta no momento em que fosse proclamado o estado de exceção) não deveria ver, sobre o que é hoje entretanto claro para todos, isto é, que o estado de exceção tornou-se a regra, que a vida nua é imediatamente portadora do laço de soberania e que, como tal, ela se encontra hoje abandonada a uma violência tanto mais eficaz quanto ele reveste um caráter anônimo e cotidiano.Se ela (a soberania) é hoje uma potência social, ela deve ir até o fim de sua própria impotência e, declinando toda vontade tanto de por o direito quanto de o manter, fazer por todo o lado explodir o laço entre violência e direito, entre vivente e linguagem que constitui a soberania.Enquanto o declínio do Estado deixa por todo lado subsistir seu envoltório vazio, pura estrutura de soberania e de dominação, a sociedade em seu conjunto irrevogavelmente se volta para o modelo da sociedade de consumo e de produção visando o bem estar. Os teóricos da soberania política como Schmitt viam aí o signo mais certo do fim da política. E, em verdade, as massas planetárias de consumidores (quando elas não recaem simplesmente nos velhos ideais étnicos ou religiosos) não deixam entrever nenhuma nova figura de polis.Todavia, o problema que deve afrontar a nova política é precisamente este: como uma política que seria unicamente voltada à completa fruição da vida é possível nesse mundo? Mas não é esse precisamente, olhando bem, o objetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento político moderno nasce com Marsílio de Pádua, este não se define pela retomada com fins políticos do conceito averroísta de "vida suficiente" e de bene vivere? Benjamin, ele também, no Fragmento teológico-político, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que "a ordem do profano deve ser orientada em direção à idéia de felicidade". A definição do conceito de "vida feliz" (que, em verdade, não deve ser separado da ontologia, porque do "ser nós não temos outra experiência senão viver") permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.A "vida feliz" sobre a qual deve se fundar a filosofia não pode mais ser nem a vida nua que pressupõe a soberania para dela fazer seu próprio sujeito, nem a estraneidade impenetrável da ciência moderna que se busca hoje em vão sacralizar, mas bem ao contrário, uma "vida suficiente" e absolutamente profana, que atingiu a perfeição de sua própria potência e de sua própria comunicabilidade, e sobre a qual a soberania e o direito não têm mais nenhum domínio.
O plano de imanência na qual se constitui a nova experiência política é a expropriação da linguagem produzida pelo Estado-espetáculo. Com efeito, enquanto no Antigo Regime a estraneidade* da essência comunicativa do homem se substancializava em um pressuposto que fazia função de fundamento comum (a nação, a língua, a religião...), no Estado contemporâneo é esta comunicabilidade mesma, esta essência genérica mesma (isto é, a linguagem) que se constitui como esfera autônoma, na medida em que ela torna-se fator essencial do ciclo produtivo. O que incomoda a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens são separados por isso que os une.Entretanto, isso que dizer também que, no espetáculo, é nossa natureza lingüística que retorna, revertida. É por esta razão (justamente porque a possibilidade mesma do Comum é expropriada) que a violência do espetáculo é tão destrutiva; mas, pela mesma razão, ela contém também alguma coisa como uma possibilidade positiva que pode ser utilizada contra si própria. A época que nós estamos por viver é, com efeito, também aquela na qual torna-se pela primeira vez possível para os homens fazer a experiência de sua essência lingüística - não de tal ou tal conteúdo da linguagem, mas do próprio fato de que fala-se.A experiência que está aqui em questão não tem nenhum conteúdo objetivo, e não é formulável em proposições sobre um estado de coisas ou uma situação histórica. Ela nada tem a ver com um 'estado', mas com um evento de linguagem, ela não concerne a tal ou tal gramática, mas, por assim dizer, ao factum loquendi como tal. Ela deve concebida como uma experiência concernente à matéria mesma ou à potência do pensamento (em termos spinozanos, uma experiência de potentia intellectus, sive de libertate). Pois o que está em jogo nesta experiência não é, de nenhuma maneira, a comunicação enquanto destino e fim específico do homem ou como condição lógico-transcendental da política (o que é o caso nas pseudo-filosofias da comunicação), mas a única experiência material possível do ser genérico (isto é, a experiência da comparution ou, em termos marxistas, do general intellect). A primeira conseqüência que deriva da experiência do ser genérico é a abolição da falsa alternativa entre fins e meios que paralisa toda ética e toda política. Uma finalidade sem meios (o bem e o belo como fins em si) produz tanta estraneidade como uma medialidade** [médialité] pura, do ser-em-um-meio como condição genérica irredutível dos homens. A política é a exibição de uma medialidade, ela torna visível um meio enquanto tal. Não é a esfera de um fim em si, nem de meios subordinados a um fim, mas a de uma medialidade pura e sem fim como campo da ação e do pensamento humano. A segunda conseqüência do experimentum linguae é que para além dos conceitos de apropriação e expropriação, o que importa sobretudo é pensar a possibilidade e as modalidade de um livre uso. A práxis e reflexão política se movem hoje exclusivamente no seio da dialética entre o próprio e o impróprio, na qual seja o impróprio (e é o que se passa nas democracias industriais) impõe por todo lado sua dominação em uma vontade desenfreada de falsificação e de consumo; seja, como se passa nos Estados integristas ou totalitários, o próprio pretende excluir de si próprio toda impropriedade. Se, por outro lado, chamamos Comum o ponto de indiferença entre o próprio e o impróprio, isto é, qualquer coisa que não pode jamais ser apreendida em termos de apropriação ou expropriação, mas somente como uso, então o problema político essencial torna-se: "como fazer uso do comum" (Heidegger pensava talvez em qualquer coisa desse gênero quando ele formulava seu conceito supremo não como apropriação ou expropriação, mas como apropriação de uma expropriação.).Somente se conseguirem articular o lugar, os modos e os sentidos desta experiência do evento da linguagem com uso livre do Comum e como esfera dos puros meios, é que as novas categorias do pensamento político - "comunidade dos sem obra", "igualdade", "fidelidade", "intelectualidade de massa", "povo por vir", "singularidade qualquer" - poderão dar uma forma à matéria política que nos encara.
Só um pensamento capaz de imaginar ao mesmo tempo o fim do Estado e o fim da história, e de mobiliza-los um contra o outro, pode se revelar a altura da tarefa. É o que procurou fazer, ainda de modo insuficiente, o Heidegger dos últimos anos com a idéia de um Ereignis, de um evento último, no qual o que é apropriado e assim subtraído ao destino histórico é a retirada mesma do princípio historicizante, a própria historicidade. Se a história significa a expropriação da natureza humana em uma série de épocas e destinos históricos, a realização e a apropriação do telos histórico não significa que o processo histórico da humanidade conheça hoje um agenciamento definitivo (cuja gestão possa ser confiada a um Estado homogêneo universal), mas que a mesma historicidade anárquica que, sempre restando pressuposta, destinou o homem em épocas e culturas históricas diferentes, deve hoje se elevar como tal ao pensamento, isto é, o homem deve se apropriar hoje de seu ser histórico próprio, de sua própria impropriedade. O devir próprio (natureza) do impróprio (linguagem) não pode ser formalizado nem reconhecido segundo a dialética hegeliana da Anerkennung [reconhecimento], pois ele é, na mesma medida, um devir impróprio (linguagem) do próprio (natureza).Por esta razão, a apropriação da historicidade não pode revestir ainda uma vez a forma estatal - o Estado não sendo outro coisa senão a pressuposição e a representação da arché histórica enquanto esta permanece oculta, mas deve deixar campo livre a uma vida humana e a uma política não-estatal e não jurídica, que permanecem ainda inteiramente por pensar.Os conceitos de soberania e poder constituinte que estão no coração da nossa tradição política devem ser abandonados ou, ao menos, totalmente repensados. Eles marcam o ponto de indiferença entre violência e direito, natureza e logos, próprio e impróprio e, como tais, designam não um atributo ou um órgão de ordem jurídica ou do Estado, mas sua própria estrutura original. A soberania é a idéia de um laço indecidido entre violência e direito, e esse laço tem necessariamente a forma paradoxal de uma decisão sobre o estado de exceção (Carl Schmitt) ou de um ban [interdito] (Nancy), no qual a lei (a linguagem) mantém sua relação com o vivente retirando-se, abandonando-o à sua própria violência e à sua própria ir-relação. A vida sagrada, isto é, pressuposta e abandonada pela lei em um estado de exceção, é a portadora muda da soberania, o verdadeiro sujeito soberano.
A soberania é a guardiã que vigia para que o limiar indecidido entre violência e direito, natureza e linguagem, não seja posto à luz. Nós devemos ao contrário manter os olhos fixados sobre o que estátua da justiça (que, como lembra Montesquieu, devia ser coberta no momento em que fosse proclamado o estado de exceção) não deveria ver, sobre o que é hoje entretanto claro para todos, isto é, que o estado de exceção tornou-se a regra, que a vida nua é imediatamente portadora do laço de soberania e que, como tal, ela se encontra hoje abandonada a uma violência tanto mais eficaz quanto ele reveste um caráter anônimo e cotidiano.Se ela (a soberania) é hoje uma potência social, ela deve ir até o fim de sua própria impotência e, declinando toda vontade tanto de por o direito quanto de o manter, fazer por todo o lado explodir o laço entre violência e direito, entre vivente e linguagem que constitui a soberania.Enquanto o declínio do Estado deixa por todo lado subsistir seu envoltório vazio, pura estrutura de soberania e de dominação, a sociedade em seu conjunto irrevogavelmente se volta para o modelo da sociedade de consumo e de produção visando o bem estar. Os teóricos da soberania política como Schmitt viam aí o signo mais certo do fim da política. E, em verdade, as massas planetárias de consumidores (quando elas não recaem simplesmente nos velhos ideais étnicos ou religiosos) não deixam entrever nenhuma nova figura de polis.Todavia, o problema que deve afrontar a nova política é precisamente este: como uma política que seria unicamente voltada à completa fruição da vida é possível nesse mundo? Mas não é esse precisamente, olhando bem, o objetivo mesmo da filosofia? E quando um pensamento político moderno nasce com Marsílio de Pádua, este não se define pela retomada com fins políticos do conceito averroísta de "vida suficiente" e de bene vivere? Benjamin, ele também, no Fragmento teológico-político, não deixa nenhuma dúvida quanto ao fato de que "a ordem do profano deve ser orientada em direção à idéia de felicidade". A definição do conceito de "vida feliz" (que, em verdade, não deve ser separado da ontologia, porque do "ser nós não temos outra experiência senão viver") permanece uma das tarefas essenciais do pensamento que vem.A "vida feliz" sobre a qual deve se fundar a filosofia não pode mais ser nem a vida nua que pressupõe a soberania para dela fazer seu próprio sujeito, nem a estraneidade impenetrável da ciência moderna que se busca hoje em vão sacralizar, mas bem ao contrário, uma "vida suficiente" e absolutamente profana, que atingiu a perfeição de sua própria potência e de sua própria comunicabilidade, e sobre a qual a soberania e o direito não têm mais nenhum domínio.
O plano de imanência na qual se constitui a nova experiência política é a expropriação da linguagem produzida pelo Estado-espetáculo. Com efeito, enquanto no Antigo Regime a estraneidade* da essência comunicativa do homem se substancializava em um pressuposto que fazia função de fundamento comum (a nação, a língua, a religião...), no Estado contemporâneo é esta comunicabilidade mesma, esta essência genérica mesma (isto é, a linguagem) que se constitui como esfera autônoma, na medida em que ela torna-se fator essencial do ciclo produtivo. O que incomoda a comunicação é a própria comunicabilidade, os homens são separados por isso que os une.Entretanto, isso que dizer também que, no espetáculo, é nossa natureza lingüística que retorna, revertida. É por esta razão (justamente porque a possibilidade mesma do Comum é expropriada) que a violência do espetáculo é tão destrutiva; mas, pela mesma razão, ela contém também alguma coisa como uma possibilidade positiva que pode ser utilizada contra si própria. A época que nós estamos por viver é, com efeito, também aquela na qual torna-se pela primeira vez possível para os homens fazer a experiência de sua essência lingüística - não de tal ou tal conteúdo da linguagem, mas do próprio fato de que fala-se.A experiência que está aqui em questão não tem nenhum conteúdo objetivo, e não é formulável em proposições sobre um estado de coisas ou uma situação histórica. Ela nada tem a ver com um 'estado', mas com um evento de linguagem, ela não concerne a tal ou tal gramática, mas, por assim dizer, ao factum loquendi como tal. Ela deve concebida como uma experiência concernente à matéria mesma ou à potência do pensamento (em termos spinozanos, uma experiência de potentia intellectus, sive de libertate). Pois o que está em jogo nesta experiência não é, de nenhuma maneira, a comunicação enquanto destino e fim específico do homem ou como condição lógico-transcendental da política (o que é o caso nas pseudo-filosofias da comunicação), mas a única experiência material possível do ser genérico (isto é, a experiência da comparution ou, em termos marxistas, do general intellect). A primeira conseqüência que deriva da experiência do ser genérico é a abolição da falsa alternativa entre fins e meios que paralisa toda ética e toda política. Uma finalidade sem meios (o bem e o belo como fins em si) produz tanta estraneidade como uma medialidade** [médialité] pura, do ser-em-um-meio como condição genérica irredutível dos homens. A política é a exibição de uma medialidade, ela torna visível um meio enquanto tal. Não é a esfera de um fim em si, nem de meios subordinados a um fim, mas a de uma medialidade pura e sem fim como campo da ação e do pensamento humano. A segunda conseqüência do experimentum linguae é que para além dos conceitos de apropriação e expropriação, o que importa sobretudo é pensar a possibilidade e as modalidade de um livre uso. A práxis e reflexão política se movem hoje exclusivamente no seio da dialética entre o próprio e o impróprio, na qual seja o impróprio (e é o que se passa nas democracias industriais) impõe por todo lado sua dominação em uma vontade desenfreada de falsificação e de consumo; seja, como se passa nos Estados integristas ou totalitários, o próprio pretende excluir de si próprio toda impropriedade. Se, por outro lado, chamamos Comum o ponto de indiferença entre o próprio e o impróprio, isto é, qualquer coisa que não pode jamais ser apreendida em termos de apropriação ou expropriação, mas somente como uso, então o problema político essencial torna-se: "como fazer uso do comum" (Heidegger pensava talvez em qualquer coisa desse gênero quando ele formulava seu conceito supremo não como apropriação ou expropriação, mas como apropriação de uma expropriação.).Somente se conseguirem articular o lugar, os modos e os sentidos desta experiência do evento da linguagem com uso livre do Comum e como esfera dos puros meios, é que as novas categorias do pensamento político - "comunidade dos sem obra", "igualdade", "fidelidade", "intelectualidade de massa", "povo por vir", "singularidade qualquer" - poderão dar uma forma à matéria política que nos encara.
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