entrevista Michel Winock 17/03/08
Como podemos explicar o fato de tantos escritores franceses do século XIX terem se engajado na ação política?Isso poderá ser explicado por um desejo de glória pessoal, mas podemos discernir uma razão mais profunda, ligada a essa idéia, fundamentalmente aristocrática, de que os homens das letras, pelo fato de pertencerem à elite, possuem uma missão a desempenhar junto à sociedade. Uma missão que preenche o vazio deixado pela Igreja católica, mal recuperada dos abalos da Revolução. É necessário dizer também que ainda estávamos em um período de amadorismo, no sentido nobre da palavra, bastante distanciado da profissionalização que a política conhecerá, no início do século seguinte, com a organização dos partidos e os compromissos em que isso implica.
Podemos falar de uma exceção francesa a propósito desses engajamentos?
Sem dúvida. Criou-se na mente francesa essa convicção de que, desde os filósofos das Luzes do século xviii, os escritores, ao contribuir para solapar a autoridade monárquica e eclesiástica, tiveram uma atuação nos acontecimentos que levaram à Revolução. Com Voltaire, Rousseau, Diderot e outros, aqueles que serão chamados de intelectuais adquiriram um prestígio que não se encontra em outro lugar. Portanto, existe sim uma exceção, uma singularidade que permanece no exterior, ainda hoje, como algo surpreendente.
Podemos falar de uma exceção francesa a propósito desses engajamentos?
Sem dúvida. Criou-se na mente francesa essa convicção de que, desde os filósofos das Luzes do século xviii, os escritores, ao contribuir para solapar a autoridade monárquica e eclesiástica, tiveram uma atuação nos acontecimentos que levaram à Revolução. Com Voltaire, Rousseau, Diderot e outros, aqueles que serão chamados de intelectuais adquiriram um prestígio que não se encontra em outro lugar. Portanto, existe sim uma exceção, uma singularidade que permanece no exterior, ainda hoje, como algo surpreendente.
O fantasma da Revolução paira sobre esses escritores. Em relação a 1789, talvez mesmo em relação ao 14 de julho, proclamado como data nacional em 1880, término ou quase do período que o senhor está estudando, eles são vistos como uma referência, seja para a aprovação de sua herança, seja para a sua rejeição.O século XIX irá se determinar com relação à Revolução em seu todo. A história do século é lida através dos regimes que se sucederam2 e que tentaram terminar, cada um de maneira diferente, a Revolução, que deixou um legado indelével. Observe Chateaubriand, um ultra-partidário do legitimismo3 que durante a Revolução luta contra seus pares ao lado de Benjamin Constant, um liberal da oposição, pela liberdade de expressão, a primeira das liberdades e uma conquista de 1789.
O senhor se lembra de outras trajetórias contraditórias como a de Victor Hugo, que passou da bandeira branca da monarquia para a tricolor da República e a de Zola condenando a Comuna4 antes de defender, no final do século, o capitão Dreyfus5...A primeira dissidência de Victor Hugo foi literária. Sua evolução é um germe em sua revolta contra as tradições na poesia e no teatro clássico. Com o prefácio de Cromwell, em 1827, e a representação de Hernani , em 1830, ele age como revolucionário. Mesmo sendo um notável da monarquia de Julho, é no final desse período mesmo que ele começa a redação de Os Miseráveis. Eleito deputado em 1848, toma assento à direita, mas mistura a sua voz às da esquerda sobre certas questões e, de maneira imperceptível, desliza para esse lado.Apesar de ter se exilado depois de se colocar contra o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte em 1851, ele surge como o profeta da liberdade amordaçada, recusando a anistia de 1859 e esperando a queda do Império em 1870 para voltar à França. Durante a República, eleito senador, ele prossegue em seu combate pela justiça e defende a anistia aos revoltosos da Comuna, exilados ou deportados. Uma trajetória que atravessa o século (1802-1885) e que termina com uma apoteose: seu funeral, acompanhado pelo povo de Paris, mais de um milhão de pessoas, do Arco do Triunfo até o Panteão.
O século XIX não é feminino. No entanto, algumas escritoras também se engajaram.?Do princípio ao fim. Madame de Staël abre o século, no período de Napoleão, e Louise Michel faz o seu fechamento ao voltar da deportação na Nova Caledônia, nove anos depois da Comuna6. Mas seria necessário falar de George Sand, evidentemente, generosa, transbordante de atividade e que teve uma vida mais do que romanesca. É o seu encontro com Pierre Leroux, uma figura do socialismo francês, que orientará as suas opções políticas. Ela se colocará literalmente a seu serviço, irá ajudá-lo financeiramente e fundará juntamente com ele uma revista e um jornal.Romanesca também é a vida de Flora Tristan que, segundo o senhor, inventou a classe operária antes de Marx!?Ela viveu em condições muito difíceis, com uma mãe solitária e um pai ausente. Seu casamento transformou-se em uma comédia burlesca e terminou com uma tentativa de assassinato! Uma existência curta – ela morreu aos quarenta e um anos – porém ardente. Flora Tristan começou escrevendo romances medíocres antes de assumir integralmente a causa social. Se existe um problema operário, acredita ela, é porque não há uma classe operária organizada. O proletariado está disperso, dividido, fracionado em corporações. Assim, ela lança a idéia de uma "União Universal dos Operários e Operárias", da qual se torna a porta-voz durante uma volta à França que não consegue concluir.
Em Paris, cruzamos com Marx, o poeta alemão Heine, o anarquista russo Bakunin, o poeta polonês Mickiewicz... Paris é a capital européia da liberdade?Paris é reconhecida por ser o farol do mundo, a cidade das revoluções e da liberdade. Quando Heine chegou, expulso de um país que restabeleceu as medidas antijudaicas, ele prestou homenagem a uma terra receptiva que emancipou os judeus em 1791 e a uma capital que o deixa maravilhado logo de início. Marx também refugia-se em Paris, obrigado a deixar a sua Renânia natal, e conhece um socialista que passa a admirar porque, diferentemente de outros, ele professa um ateísmo bem definido: Proudhon.Quando o senhor relê esses destinos, esses combates de escritores que se lançaram de corpo e alma na coisa pública, que ensinamentos extrai disso para os dias atuais?Se há um assunto sobre o qual essas grandes vozes nos faltam hoje, eu arriscaria dizer que é a Europa. Depois de 1945, a Europa foi erguida por políticos, por economistas, mas os escritores, estranhamente, ficaram ausentes dessa construção por estarem, sem dúvida, mobilizados na época pela descolonização, por confrontos ideológicos. Mas temos razão para lamentar essa falha, esse silêncio ensurdecedor sobre uma questão que, no entanto, não pára de nos engajar nos nossos dias.
O senhor se lembra de outras trajetórias contraditórias como a de Victor Hugo, que passou da bandeira branca da monarquia para a tricolor da República e a de Zola condenando a Comuna4 antes de defender, no final do século, o capitão Dreyfus5...A primeira dissidência de Victor Hugo foi literária. Sua evolução é um germe em sua revolta contra as tradições na poesia e no teatro clássico. Com o prefácio de Cromwell, em 1827, e a representação de Hernani , em 1830, ele age como revolucionário. Mesmo sendo um notável da monarquia de Julho, é no final desse período mesmo que ele começa a redação de Os Miseráveis. Eleito deputado em 1848, toma assento à direita, mas mistura a sua voz às da esquerda sobre certas questões e, de maneira imperceptível, desliza para esse lado.Apesar de ter se exilado depois de se colocar contra o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte em 1851, ele surge como o profeta da liberdade amordaçada, recusando a anistia de 1859 e esperando a queda do Império em 1870 para voltar à França. Durante a República, eleito senador, ele prossegue em seu combate pela justiça e defende a anistia aos revoltosos da Comuna, exilados ou deportados. Uma trajetória que atravessa o século (1802-1885) e que termina com uma apoteose: seu funeral, acompanhado pelo povo de Paris, mais de um milhão de pessoas, do Arco do Triunfo até o Panteão.
O século XIX não é feminino. No entanto, algumas escritoras também se engajaram.?Do princípio ao fim. Madame de Staël abre o século, no período de Napoleão, e Louise Michel faz o seu fechamento ao voltar da deportação na Nova Caledônia, nove anos depois da Comuna6. Mas seria necessário falar de George Sand, evidentemente, generosa, transbordante de atividade e que teve uma vida mais do que romanesca. É o seu encontro com Pierre Leroux, uma figura do socialismo francês, que orientará as suas opções políticas. Ela se colocará literalmente a seu serviço, irá ajudá-lo financeiramente e fundará juntamente com ele uma revista e um jornal.Romanesca também é a vida de Flora Tristan que, segundo o senhor, inventou a classe operária antes de Marx!?Ela viveu em condições muito difíceis, com uma mãe solitária e um pai ausente. Seu casamento transformou-se em uma comédia burlesca e terminou com uma tentativa de assassinato! Uma existência curta – ela morreu aos quarenta e um anos – porém ardente. Flora Tristan começou escrevendo romances medíocres antes de assumir integralmente a causa social. Se existe um problema operário, acredita ela, é porque não há uma classe operária organizada. O proletariado está disperso, dividido, fracionado em corporações. Assim, ela lança a idéia de uma "União Universal dos Operários e Operárias", da qual se torna a porta-voz durante uma volta à França que não consegue concluir.
Em Paris, cruzamos com Marx, o poeta alemão Heine, o anarquista russo Bakunin, o poeta polonês Mickiewicz... Paris é a capital européia da liberdade?Paris é reconhecida por ser o farol do mundo, a cidade das revoluções e da liberdade. Quando Heine chegou, expulso de um país que restabeleceu as medidas antijudaicas, ele prestou homenagem a uma terra receptiva que emancipou os judeus em 1791 e a uma capital que o deixa maravilhado logo de início. Marx também refugia-se em Paris, obrigado a deixar a sua Renânia natal, e conhece um socialista que passa a admirar porque, diferentemente de outros, ele professa um ateísmo bem definido: Proudhon.Quando o senhor relê esses destinos, esses combates de escritores que se lançaram de corpo e alma na coisa pública, que ensinamentos extrai disso para os dias atuais?Se há um assunto sobre o qual essas grandes vozes nos faltam hoje, eu arriscaria dizer que é a Europa. Depois de 1945, a Europa foi erguida por políticos, por economistas, mas os escritores, estranhamente, ficaram ausentes dessa construção por estarem, sem dúvida, mobilizados na época pela descolonização, por confrontos ideológicos. Mas temos razão para lamentar essa falha, esse silêncio ensurdecedor sobre uma questão que, no entanto, não pára de nos engajar nos nossos dias.
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