*(LITERATURA CLANDESTINA REVOLUCIONÁRIA)*MICHEL FOUCAULT LIBERTE-ME.

VC LEU MICHEL FOUCAULT,NÃO?ENTÃO O QUE VC ESTÁ ESPERANDO FILHO DA PUTA?ELE É A CHAVE DA EVOLUÇÃO DOS HUMANOS.HISTORIA DA LOUCURA,NASCIMENTO DA CLINICA,AS PALAVRAS E AS COISAS,ARQUEOLOGIA DO SABER,A ORDEM DO DISCURSO,EU PIERRE RIVIÉRE,A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS,VIGIAR E PUNIR,HISTORIA DA SEXUALIDADE,EM DEFESA DA SOCIEDADE,OS ANORMAIS...EVOLUÇÃO OU MORTE!

Tuesday, September 26, 2006

Fidel Castro conta os momentos decisivos do golpe de estado contra Chávez





No dia 15 de Setembro de 2006, foi distribuído na Cimeira dos Não-Alinhados um capítulo do livro de Ignacio Ramonet: Cem horas com Fidel Castro. Eis aqui um excerto do capítulo 24, que diz respeito ao golpe de estado contra Hugo Chávez. Uma primeira tradução, a partir da edição espanhola, já circulou, mas esta foi revista e corrigida pelo próprio Fidel Castro, que lhe consagrou parte do seu tempo de convalescença. O presente capítulo compreende as seguintes secções: O Sub-Comandante Marcos – As lutas dos autóctones – Evo Morales – Hugo Chávez e a Venezuela – O golpe de Estado contra CHávez – Os militares progressistas – Kirchner e o símbolo argentino – Lula e o Brasil. Publicam-se aqui as secções intituladas: "O golpe de estado contra Chávez" e "Os militares progressistas". Você seguiu de perto o curso dos acontecimentos na Venezuela, em particular as tentativas de desestabilização contra o presidente Chávez? Sim, nós seguimos aqui os acontecimentos com muita atenção. Chávez visitou-nos em 1994, nove meses após a sua saída [da prisão] e quatro anos antes da sua primeira eleição para a presidência. Ele foi muito corajoso, pois criticaram-no bastante por ter vindo a Cuba. Ele veio e nós conversámos. Descobrimos que ele é culto, inteligente, muito progressista, um verdadeiro bolivariano. Depois, ele ganhou as eleições. Por diversas vezes. Modificou a Constituição. Com um apoio formidável do povo. Os seus adversários tentaram liquidá-lo através do uso da força ou sabotagens económicas. Ele soube combater todos os assaltos da oligarquia e do imperialismo contra a revolução bolivariana. Segundo os cálculos que efectuámos com a ajuda dos quadros mais experientes do sistema bancário, cerca de 300 mil milhões de dólares saíram da Venezuela durante os famosos 40 anos da democracia anterior a Chávez. Actualmente, a Venezuela poderia ser mais industrializada do que a Suécia, e o seu povo ter a educação que existe nesse país, caso tivesse existido de verdade uma democracia distributiva, se esses mecanismos tivessem funcionado, se tivesse havido um pouquinho que seja de verdadeiro e de credível em toda essa demagogia e na sua publicidade colossal. Calculámos também que mais 30 mil milhões de dólares desapareceram da Venezuela entre a chegada de Chávez ao poder e o momento em que ele instaurou o controlo sobre o sistema de câmbios em Janeiro de 2003. Já o disse: todos estes fenómenos tornam a ordem existente no nosso continente insuportável. O golpe de estado contra Chávez, em Caracas, ocorreu em 11 de Abril de 2002. Acompanhou estes acontecimentos? No dia 11 de Abril, por volta do meio-dia, quando eu vi que a manifestação convocada pela oposição tinha sido desviada pelos golpistas e se aproximava de Miraflores, compreendi de imediato que acontecimentos graves estavam prestes a rebentar. Na verdade, estávamos a assistir a essa marcha no canal Venezolana de Televisión, que ainda transmitia. As provocações, os tiros, as vítimas, tudo aconteceu muito rápido. Alguns minutos depois, as transmissões do Venezolana de Televisión foram interrompidas. As notícias começaram a chegar fragmentadas e por diversas vias. Soubemos que oficiais superiores do Exército se tinham pronunciado publicamente contra o presidente. Afirmava-se que o grupo presidencial se tinha retirado e que o Exército ia atacar o palácio de Miraflores. Personalidades venezuelanas telefonavam aos seus amigos de Cuba para se despedirem, pois estavam prontos para resistir e para morrer; falavam concretamente de imolação. Durante essa tarde, estive reunido numa sala do palácio dos Congressos com o Comité executivo do Conselho de Ministros. Depois do meio-dia, tinha comigo uma delegação oficial do País Basco conduzida pelo Lehendakari, que nós tínhamos convidado para almoçar, quando ninguém imaginava o que se iria passar durante esse dia trágico. Essa delegação foi testemunha dos acontecimentos entre as 13 e as 17 horas do dia 11 de Abril. Desde muito cedo, durante a tarde, tentava falar com o presidente venezuelano pelo telefone. Impossível! Finalmente, é o próprio Chávez que liga, à meia-noite e trinta e oito minutos, já na noite de 12 de Abril, portanto. Pergunto-lhe o que se passa. Ele responde: "Nós refugiámo-nos no palácio. Perdemos as forças militares com poder de decisão. Os sinais de televisão foram retirados. Não disponho de forças para utilizar e estou a analisar a situação" Pergunto rapidamente: — "Que forças estão contigo?" — "Duzentos ou trezentos homens muito cansados." — "Tens tanques de guerra?" — "Não, eles levaram-nos para as suas casernas." Eu pergunto: "De que outras forças podes dispor?" Ele responde: "Existem outras, mas estão afastadas e não tenho comunicação com elas". Ele quer falar com general Baduel e os seus paramilitares, a divisão blindada e outras forças, mas infelizmente perdeu toda a comunicação com essas unidades bolivarianas leais. Eu digo-lhe com afabilidade: "Permites que eu te dê a minha opinião?" "Sim", responde-me ele. Então, eu continuo, no meu tom mais persuasivo: "Apresenta as condições de um acordo honroso e digno, e preserva a vida dos homens que tens contigo, que são os teus homens mais leais. Não os sacrifiques, nem te sacrifiques a ti". Ele responde, comovido: "Eles estão prontos para morrer aqui". Sem perder um segundo, eu acrescento: "Eu sei, mas creio poder pensar com mais serenidade do que tu neste momento. Não te demitas, exige condições honrosas e garantias de que não serás vítima de uma perfídia, penso que te deves preservar. E depois, tens um dever para com os teus companheiros. Não te imoles!" Eu estava consciente da profunda diferença que existia entre a situação de Allende, em 11 de Setembro de 1973, e a de Chávez, nesse dia 12 de Abril de 2002. Allende não tinha um único soldado. Chávez podia contar com uma grande parte dos soldados e dos oficiais da armada, principalmente os mais jovens. "Não demissiones! Não te demitas!", reiterei. Falámos de outras questões: o modo como eu achava que ele devia abandonar provisoriamente o país, entrando em contacto com um militar que tivesse realmente autoridade dentro das fileiras dos golpistas, informá-lo da sua disposição em abandonar o país, mas não se demitir nunca. De Cuba, nós trataríamos mobilizar o corpo diplomático aqui e na Venezuela, disponibilizaríamos dois aviões levando o nosso ministro das Relações Exteriores e um grupo de diplomatas que o resgatariam. Ele reflectiu alguns segundos e finalmente aceitou a minha proposta. Tudo dependia agora do chefe militar inimigo. José Vicente Rangel, na altura ministro da Defesa e actualmente vice-presidente, afirma textualmente numa entrevista do livro Chávez nuestro: "O telefonema de Fidel foi decisivo para evitar a imolação. Foi, de facto, determinante. O seu conselho permitiu-nos ver melhor na obscuridade. Ele ajudou-nos muito". Encorajou-o a resistir de armas na mão? Não, pelo contrário. Foi o que fez Allende de forma correcta, na minha opinião, em tais circunstâncias, tendo pago heroicamente com a sua vida, como ele havia prometido. Chávez tinha três soluções: refugiar-se dentro do Miraflores e resistir até à morte; sair do palácio e tentar reunir-se com o povo para desencadear uma resistência nacional, com possibilidades de sucesso ínfimas naquelas circunstâncias; ou abandonar o país sem renunciar nem se demitir com o intuito de retomar a luta com perspectivas de sucesso reais e rápidas. Nós sugerimos-lhe a terceira. As minhas últimas palavras desta conversa telefónica, para o convencer, foram essencialmente estas: "Salva esses homens corajosos que estão contigo nessa batalha inútil, neste momento". A minha ideia era que um dirigente tão popular e carismático como Chávez, deposto por traição nestas circunstâncias, se não fosse morto, seria reclamado pelo povo, estava convencido disso – nesse caso, com o apoio considerável das forças armadas – e o seu retorno seria inevitável. Eis a razão pela qual eu tomei a responsabilidade de lhe propor o que propus. Nesse momento preciso, uma vez que existia uma alternativa real: um regresso vitorioso e rápido, as palavras de ordem "morrer combatendo", como muito bem fez Salvador Allende, estavam fora de questão. E esse regresso vitorioso foi exactamente o que aconteceu, todavia muito antes do que eu podia imaginar. Vocês, aqui, tentaram ajudar Chávez? Bom, nesse momento, nós aqui só podíamos recorrer à diplomacia. De madrugada, convocámos todos os embaixadores acreditados de Havana e propusemos-lhes que acompanhassem Felipe [Pérez Roque], o nosso ministro das Relações Exteriores, a Caracas para resgatar, de modo pacífico, e são e salvo, Chávez – o presidente legítimo da Venezuela. Eu não tinha a mínima dúvida de que Chávez estaria rapidamente de volta aos ombros do povo e das tropas. Mas para isso tínhamos de o proteger da morte. Tínhamos proposto expedir dois aviões para o trazer para aqui, caso os golpistas aceitassem a sua partida. Mas o chefe militar golpista recusou essa solução, e informou-o que ele teria de passar por conselho de guerra. Chávez vestiu o seu uniforme de paraquedista e, acompanhado apenas pelo seu fiel adjunto, Jesus Suárez Chourio, dirigiu-se para o forte Tiuna, que era o posto de comando do golpe de estado militar. Quando tornei a ligar-lhe duas horas mais tarde, como havíamos combinado, Chávez já fora feito prisioneiro pelos militares golpistas. Eu perdera toda a comunicação com ele. A televisão não cessava de difundir a notícia de sua "demissão" para desmobilizar os seus partidários e todo o povo. Algumas horas mais tarde, já no dia 12, em pleno dia, Chávez consegue fazer um telefonema à sua filha María Gabriela. Ele diz-lhe que não se demitiu e que é um "presidente prisioneiro". Pede-lhe também para ela me contar o sucedido, para que eu pudesse informar o mundo. A filha dele telefona-me imediatamente, no dia 12, pelas 10 horas e 2 minutos, e transmite-me o que lhe havia dito o pai. Eu pergunto-lhe de seguida: "Estarias pronta para informar o mundo através das tuas próprias palavras?" "O que é que eu não faria pelo meu pai!" responde ela de modo preciso, admirável e decidido. Sem perder um segundo, eu telefono a Randy Alonso, um jornalista que dirige a "Mesa Redonda", um programa com muita audiência. De imediato, de telefone e gravador na mão, Randy liga para o número de telemóvel que María Gabriela me tinha dado. São quase onze horas da manhã. Ele grava as palavras claras, comovidas e convincentes que, depois de transcritas, foram enviadas para as agências de imprensa acreditadas de Cuba, para serem transmitidas no jornal televisivo, ao meio-dia e quarenta minutos, no dia 12 de Abril de 2002. Tínhamos enviado também cópias da gravação para os canais de notícias estrangeiras acreditados aqui; assim, enquanto a CNN, a partir da Venezuela, transmitia, com deleite, as notícias de fontes golpistas, a sua correspondente em Havana difundia, em contrapartida, ao meio-dia, a mensagem esclarecedora de María Gabriela. E quais foram as consequências? Pois bem, a mensagem foi escutada por milhares de venezuelanos, que estavam contra o golpe na sua grande maioria, e por militares fiéis a Chávez que os golpistas tentavam enganar e paralisar mentindo-lhe sem escrúpulos acerca da sua pretensa demissão. À noite, pelas 23 horas e 15 minutos, María Gabriela telefona de novo. A sua voz tem um tom trágico. Eu não a deixo terminar as suas primeiras palavras e pergunto: "O que se passa?" Ela responde: "O meu pai foi transferido durante a noite, por um helicóptero, para um destino desconhecido". Eu digo: "Depressa, depressa, tens de denunciar essa situação imediatamente!" Randy estava a dar-me apoio, numa reunião sobre os programas da Batalha de Ideias com os dirigentes das juventudes comunistas e de outras organizações. Como ele tinha um gravador, a história do meio-dia repetiu-se. E foi assim que nós informámos, de novo, a opinião venezuelana e mundial da estranha transferência nocturna de Chávez para um destino desconhecido. Isto passa-se na noite de 12 para 13 de Abril. No sábado, dia 13, foi convocada uma Tribuna livre, logo cedo, em Güira de Melena – um município da grande periferia havanesa. De volta ao meu escritório, antes das dez horas da manhã, María Gabriela telefona de novo. Ela diz que "os pais de Chávez estão inquietos", que eles querem falar comigo a partir de Barinas, e fazer uma declaração. Eu informo María Gabriela que segundo um despacho de uma agência de imprensa internacional, Chávez foi transferido para Turiamo, um posto naval em Aragua, na costa norte da Venezuela. Digo-lhe que, tendo em conta o tipo de informação e o detalhe, a notícia devia ser verdadeira. Peço-lhe que ela tente saber o mais possível sobre isso. Ela acrescenta que o general Lucas Rincón, inspector-geral das forças armadas, quer falar comigo e fazer, também ele, uma declaração. A mãe e o pai de Chávez telefonam-me: tudo decorre dentro da normalidade no Estado de Barinas. A mãe de Chávez informa que o chefe da guarnição militar acaba de falar com o seu marido, Hugo de los Reyes Chávez, que por sua vez, é o governador de Barinas. Esforço-me por os tranquilizar da melhor maneira possível. O presidente da câmara de Sabaneta, local de nascimento de Chávez, em Barinas, telefona-me também. Quer fazer uma declaração. Diz-me que todas as guarnições militares são leais. Deixava transparecer grande optimismo. Falo com Lucas Rincón. Ele afirma que a brigada de paramilitares, a divisão blindada e a base de caças-bombardeiros F-16 estão contra o golpe e prontos para entrar em acção. Eu arrisco sugerir-lhe que faça todo o possível para encontrar uma solução sem combates entre militares. Evidentemente, o golpe tinha abortado. O inspector-geral já não tem tempo de fazer a sua declaração, a comunicação interrompe-se e é impossível restabelecê-la. María Gabriela liga alguns minutos depois: diz-me que o general Baduel, chefe da brigada dos paramilitares, precisa de falar comigo e que as forças leais de Maracay querem fazer uma declaração ao povo venezuelano e à opinião internacional. Uma vontade de saber insaciável leva-me a interrogar Baduel sobre três ou quatro detalhes antes de continuar o diálogo. Ele satisfaz a minha curiosidade correctamente: ele respira combatividade a cada frase. Digo-lhe, então: "Está tudo pronto para a sua declaração". Ele diz: "Espere um minuto, vou passar-lhe o general de divisão Julio García Montoya, secretário permanente do Conselho Nacional de Segurança e Defesa. Ele veio apoiar a nossa posição". Este oficial, mais velho que os jovens chefes militares de Maracay, no momento, não comandava tropas. Baduel, cuja brigada de pára-quedistas constituía um dos eixos essenciais da poderosa força de tanques de guerra, de infantaria blindada e de caças-bombardeiros estacionada em Maracay, no Estado de Aragua, respeitador da hierarquia militar, passa-me, então, o general Montoya. O que me diz este oficial superior é deveras inteligente, convincente e adaptado à situação. No fundo, ele diz que as forças armadas venezuelanas são fiéis à Constituição. Estava tudo dito. Tinha-me tornado uma espécie de repórter de imprensa que recebia e transmitia notícias e mensagens públicas, utilizando apenas um telemóvel, e um gravador nas mãos de Randy. Eu era testemunha do formidável contra-ataque do povo e das forças amadas bolivarianas da Venezuela. A situação no momento era excelente. O golpe de estado de 11 de Abril não tinha a menor possibilidade de sucesso. Mas um risco terrível pesava ainda sobre esse país irmão. A vida de Chávez corria sérios perigos. Capturado pelos golpistas, Chávez era tudo o que restava à oligarquia e ao imperialismo da aventura fascista. O que fariam eles? Iriam assassiná-lo? Iriam eles satisfazer o seu ódio e sede de vingança nesse militante bolivariano rebelde e audacioso, amigo dos pobres, defensor incansável da dignidade e da soberania da Venezuela? O que iria acontecer se, como se passou em Bogotá na sequência do assassínio de Gaitán, o povo soubesse do assassinato de Chávez? Eu estava obcecado pela ideia de uma tragédia semelhante e pelas suas consequências sangrentas e destruidoras. Depois dos telefonemas de que falei, à medida que a tarde avançava, as notícias de indignação e de rebelião populares chegavam-nos de todo o lado. Em Caracas, centro dos acontecimentos, uma multidão de gente avançava pelas ruas e pelas avenidas em direcção ao palácio de Miraflores e às instalações centrais dos golpistas. Atormentado pelo desespero, enquanto amigo e irmão do prisioneiro, senti-me invadido por uma vaga de ideias. Que poderia eu fazer com o meu simples telemóvel? Estive prestes a telefonar, por minha iniciativa, ao general Vázquez Velasco em pessoa. Eu nunca tinha falado com ele e não sabia como ele era. Ignorava se ele responderia sim ou não, e de que modo o faria. E nem sequer podia contar com os preciosos serviços de María Gabriela para esta missão singular. Reflecti melhor. Pelas 16 horas e 15 minutos, telefonei para o nosso embaixador na Venezuela, Germán Sánchez. Perguntei-lhe se ele achava que Vázquez Velasco responderia. Ele disse-me que talvez sim. "Liga-lhe" – pedi eu, cita o meu nome, diz-lhe da minha parte, que um rio de sangue está prestes a correr na Venezuela, por causa do que se está a passar. Que apenas um homem pode evitar esse risco: Hugo Chávez. "Exorta-o a pô-lo em liberdade para que se possa evitar o curso provável dos acontecimentos". O general Vázquez Velasco atendeu a chamada. Afirmou que tinha Chávez nas suas mãos e que garantia a sua vida, no entanto, não podia ceder ao que lhe pediam. O nosso embaixador insistiu, argumentou, tentou persuadi-lo. O general, furioso, acabou por desligar. Telefono de imediato para María Gabriela e conto-lhe o que me disse Vázquez Velasco, em particular o seu comprometimento em garantir a vida de Chávez. Peço-lhe que ela me ponha em contacto com Baduel: o que aconteceu às 16 horas e 49 minutos. Conto-lhe em detalhe a conversa entre Germán e Vázquez Velasco. Digo-lhe o quanto foi importante que Velasco tenha reconhecido ter Chávez nas suas mãos. Eram circunstâncias propícias para exercer o máximo de pressão sobre ele. Nesse momento, não se sabia com certeza, em Cuba, se Chávez tinha sido transferido ou não e para que lugar. Segundo rumores de muitas horas atrás, o prisioneiro teria sido enviado para a ilha de Orchila. Quando falo com Baduel, quase às cinco horas da tarde, o chefe da brigada escolhia os seus homens e preparava os helicópteros encarregados de salvar o presidente Chávez. Eu imagino até que ponto não seria difícil para ele e para os seus paramilitares obterem informação precisa e exacta para uma missão tão delicada. Durante o resto do dia 13 de Abril, até à meia-noite, passei o meu tempo a falar com quantas pessoas pude a propósito da vida de Chávez. E consegui falar com tanta gente, porque, durante essa tarde, o povo, com o apoio dos chefes e dos soldados da armada, esforçavam-se por controlar tudo. Ainda hoje não sei a que horas nem de que maneira Carmona o Breve abandonou o palácio de Miraflores. Sei que a escolta, sob a direcção de Chourio, e de membros da guarda presidencial, controlavam os pontos estratégicos do edifício, e que Rangel, tendo permanecido firme durante todo o tempo, tinha voltado a ser ministro da Defesa. Cheguei mesmo a telefonar para Diosdado Cabello após a sua tomada de posse da presidência. Como a comunicação foi interrompida por razões técnicas, transmiti-lhe uma mensagem através de Héctor Navarro, ministro do Ensino Superior, sugerindo-lhe que, na sua condição de presidente constitucional, ordenasse a Vázquez Velasco a libertação de Chávez, advertindo-o para a grave responsabilidade em que ele incorria, caso não obedecesse. Falei com praticamente toda a gente. Sentia-me participante desse drama no qual o telefonema de María Gabriela me tinha envolvido na manhã de 12 de Abril. Não foi senão depois de ter conhecido todos os detalhes do calvário de Hugo Chávez, desde que ele fora transferido para destino desconhecido na noite de 11 de Abril, que pude constatar quantos perigos inacreditáveis ele correu, e teve de combater com toda a sua acuidade mental, a sua serenidade, o seu sangue-frio e o seu instinto revolucionário. O mais inacreditável é que os golpistas o tenham mantido desinformado, até ao último momento, sobre o que se passava no país e que tenham insistido até ao fim para que ele assinasse uma demissão que ele nunca assinou. Um avião privado, dizem que pertencente a um oligarca conhecido, mas do qual eu não digo o nome, porque não tenho a certeza, esperava para o transportar não sei para onde e para as mãos não sei de quem. Contei-lhe tudo o que sei. Outras mãos escreverão, um dia, todos os detalhes que ainda faltam a esta história. Chávez é um representante dos militares progressistas. Mas na Europa e também na América Latina, numerosos progressistas criticam-no justamente por ele ser um soldado. O que é que pensa sobre esta aparente contradição entre o progressista e o militar? Omar Torrijos, do Panamá, foi um exemplo de militar com uma profunda consciência da justiça social e da pátria. Juan Velasco Alvarado, no Peru, realizou igualmente importantes acções de progresso. Devo lembrar ainda, entre os brasileiros, Luís Carlos Prestes, um oficial revolucionário que realizou uma marcha heróica entre 1924 e 1926, quase semelhante à de Mao Tse-toung em 1943-1935. Jorge Amado, entre as suas magníficas obras literárias, escreveu uma sobre essa marcha de Prestes, uma bela história, O Cavaleiro da Esperança. Esta empresa militar foi verdadeiramente impressionante: durou mais de dois anos e meio através da imensidão do seu país, sem conhecer a mínima derrota. Os militares deste último século, o XX, realizaram importantes feitos revolucionários. Pode-se citar também outros militares ilustres, como Lázaro Cárdenas, um general da revolução mexicana que nacionalizou o petróleo, fez reformas agrárias e conquistou o apoio do seu povo. Entre os primeiros a sublevarem-se, durante o século XX, na América Central, está aquele grupo de militares guatemaltecos dos anos 50 que, reunido em torno de Jacob Arbenz, um oficial superior da Exército, participou em actividades revolucionárias históricas. Um exemplo disso é a nobre e corajosa reforma agrária que provocou a invasão mercenária, lançada pelo imperialismo contra este governo, à semelhança da que ocorreu em Playa Girón e pelas mesmas razões. Este é um exemplo de governo que merece ser qualificado de progressista com toda a legitimidade. Existe um bom número de militares progressistas. Juan Domingo Perón, na Argentina, também era de origem militar. Note-se o momento em que ele aparece: em 1943, é nomeado ministro do Trabalho e promulga leis tão favoráveis aos trabalhadores que, em sinal de reconhecimento, quando ele é preso, estes libertam-no. No entanto, Perón comete erros: ao ofender a oligarquia, humilhando-a, nacionalizando o seu teatro e outros símbolos da classe rica, deixa intacto o seu poder político e económico, e num momento propício, esta derruba-o com a cumplicidade dos Estados Unidos. A grandeza de Perón está no facto de ele ter feito um apelo às reservas e aos recursos de que dispunha este país rico e de ter feito os possíveis para melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Esta classe social, sempre grata e fiel, converteu Péron até ao final da sua vida num ídolo do povo. O general Líber Seregni, que até há poucos anos era presidente da Frente Ampla no Uruguai, é um dos dirigentes mais progressistas e mais respeitados que a América Latina já conheceu. A sua integridade, a sua decência, a sua firmeza e a sua tenacidade contribuíram para a vitória deste povo nobre e solidário que elegeu Tabaré Vázquez, seu sucessor, para a presidência do país e que conduziu a esquerda ao governo, quando o país estava à beira do abismo. Cuba agradece a Líber Seregni ter sabido forjar, com o apoio de numerosos uruguaios eminentes, bases sólidas para as relações fraternais e solidárias que existem actualmente entre o Uruguai e Cuba. Não temos o direito de esquecer Francisco Caamaño, esse jovem militar dominicano que combateu heroicamente, durante meses, contra os 40 mil soldados que o presidente Jonhson ordenou que desembarcassem na República Dominicana em 1965, para impedirem o regresso do presidente constitucional, Juan Bosch. A sua resistência tenaz aos invasores, à cabeça de um grupo de militares e de civis, que durou meses, constitui um dos episódios revolucionários mais gloriosos inscritos neste continente. Caamaño, depois de ter arrancado uma trégua ao Império, regressou à sua pátria e deu a sua vida lutando pela libertação do seu povo. Sem alguém como Hugo Chávez, nascido num berço modesto e formado pela disciplina das escolas militares do seu país, a Venezuela, onde Bolívar semeou tantas ideias de liberdade, de unidade e de integração latino-americana, um fenómeno de uma importância histórica e internacional tão capital como a Revolução neste país irmão não se teria dado neste momento decisivo da nossa América. Não, não vejo a menor contradição. Declarações recolhidas por Ignacio Ramonet.

O plano de Bush para Cuba

Enquanto Fidel se recupera de cirurgia, EUA prosseguem com estratégia para desestabilizar a ilha
Jorge Pereira Filho,da Redação
"Fidel Castro tem câncer terminal"; "as fotos de Fidel divulgadas na imprensa são falsas"; "o 'povo cubano' pode contar conosco para uma 'transição democrática'". Não que alguém esperasse algo diferente, mas essas declarações tão gentis, feitas por representantes do governo de George W. Bush na última semana, são apenas uma pequena amostra do compromisso dos Estados Unidos com a estabilidade na ilha revolucionária.
Também não se trata de uma ação eufórica, após o anúncio do afastamento de Fidel Castro da Presidência por motivos de saúde. As insinuações sobre o risco de uma "crise interna" em Cuba, as medidas supostamente tomadas para prevenir uma "migração em massa para os Estados Unidos", estão inseridas uma detalhada estratégia do governo Bush de acabar com a história do socialismo na ilha caribenha. E não se trata de teoria da conspiração, como podem acusar os mais incrédulos. Essa estratégia é pública, foi divulgada pela própria secretária de Estado, Condoleezza Rice, e pode ser acessada na página do governo dos Estados Unidos na internet.
Para implementar o sistema democrático em Cuba, o governo Bush inclusive já se ocupou de definir quem seria o interventor para essa transição: Caleb McCarry, que é pago pelo povo estadunidense para ostentar o cargo de Coordenador para a Transição em Cuba. McCarry teria um papel semelhante ao que desempenhou Paul Bremer, no Iraque.
Uma de suas missões é "sensibilizar" a comunidade internacional em prol do plano de transição. O orçamento para essa tarefa é nada menos do que 80 milhões de dólares, como anunciou Rice. Não é à toa que, nessa guerra de informação, analistas da CIA são fontes da mídia corporativa para opinar sobre o estado de saúde de Fidel Castro, como Brian Latell, ouvido por O Estado de S. Paulo dia 15. Já o neoliberal The Wall Street Journal, mais preocupado com o mercado, especula em suas páginas as possibilidades de negócios que podem surgir com a abertura da economia de Cuba ao capital estrangeiro, a exemplo do que ocorre hoje na China.
O Plano de Bush diz defender, basicamente, a introdução de uma "economia de mercado" na ilha, dispensando a Cuba um tratamento colonial, mas alegando supostos "objetivos democráticos" para essa intervenção direta em assuntos cubanos.
No entanto, do ponto de vista das políticas sociais, as propostas de Bush parecem não ser tão atrativas para uma pequena ilha caribenha, não tão farta de recursos naturais, mas que ostenta índices sociais (como a taxa de mortalidade) melhores do que a de muitos Estados estadunidenes. Por exemplo, para "enfrentar as necessidades humanas básicas", os EUA querem "a realização de transformações profundas e dramáticas para eliminar todas as manifestações do 'comunismo castrista' e introduzir práticas democráticas e de livre mercado".
Além disso, os EUA querem que os descendentes de cubanos que deixaram o país após a revolução, em 1959, retomem terras que foram divididas entre a população durante o processo de reforma agrária e urbana. O plano de Bush propõe, ainda, a criação de um Comitê Permanente dos EUA para a Reconstrução da Economia e a privatização do sistema de saúde, eliminando o seu caráter universal e gratuito.
E os cubanos?
Apesar da ansiedade dos falcões de Bush e da máfia de Miami para definir os rumos de Cuba, não é provável que a história seja escrita conforme os seus desejos. "Basta observar a atual relação de forças no continente para concluir que sopram ventos contrários às ambições imperiais de Washington, para não mencionar sua estratégia no Oriente Médio e no Golfo Pérsico. Uma aventura militar estaria destinada ao fracasso pela segura resistência cubana", escreveu o jornalista do semanário uruguaio Brecha, Raúl Zibechi, especialista em América Latina.
O brasileiro Frei Betto, amigo pessoal de Fidel, concorda com a avaliação. "Hoje, comprova-se que a revolução está institucionalizada e não depende de ninguém em particular, pois existem 11 milhões de Fidel dispostos a seguir o sonho de José Martí", disse o religioso, durante passagem por Cuba, dia 13, por conta de atividades programadas para o aniversário do comandante en jefe.
Mas a melhor respostas às insinuações difundidas pela mídia corporativa foi dada pelo próprio Fidel e pelo povo cubano. Primeiro, no dia 14, a televisão cubana mostrou o encontro do líder revolucionário com seu aliado, o venezuelano Hugo Chávez e seu irmão Raúl Castro, provisoriamente à frente do governo cubano.
Na gravação, Fidel aparece em um leito hospitalar, deitado, sorridente. Ele e Chávez usam a mesma camisa, vermelha, com a distinção de que o cubano ostenta no peito uma imagem das bandeiras dois dois países entrelaçadas. O venezuelano faz piadas: "Por que não aproveitamos e fazemos uma cirurgia plástica em seu nariz?". Fidel diz, com voz baixa: "Hugo... Ainda queres outra cirurgia?".
A cena impressiona, sobretudo porque é a primeira vez em que o líder revolucionário aparece convalescente, em uma cama de hospital. Uma carta, escrita pelo próprio Fidel após o encontro com Chávez e seu irmão, não deixa dúvidas da gravidade da cirurgia, feita em decorrência de um sangramento intestinal cuja causa ainda não foi divulgada:
"Dizer que a estabilidade objetiva melhorou não é inventar uma mentira. Afirmar que o período de recuperação durará pouco e que já não existe risco seria absolutamente incorreto. Sugiro a todos que sejam otimistas, mas sempre prontos para enfrentar qualquer notícia adversa. Ao povo de Cuba, minha infinita gratidão por seu apoio. O país marcha e continuará marchando perfeitamente bem. Aos meus companheiros de luta, eterna glória por resistir e vencer o império, demonstrando que um mundo melhor é possível".
Apesar do tom preocupante da mensagem, o venezuelano Hugo Chávez tratou de animar quem torce pela saúde de Fidel, prevendo que, pelo o que pode constatar, "Fidel vai se recuperar antes do tempo previsto".
Nas ruas
Apesar de o líder revolucionário pedir, em seu afastamento, que as comemorações de seu aniversário fossem prorrogadas, a data não passou em branco. Uma apresentação musical, com vários grupos, foi realizada justamente em frente à Oficina de Interesses dos Estados Unidos, na capital Havana. Dezenas de milhares de cubanos participaram dos festejos, entoando gritos de "Pátria ou morte, venceremos!", entrecortados pelos refrões de salsa que embalaram a multidão pela madrugada. No campo, cerca de 100 mil pessoas se apresentaram para realizar trabalho voluntário em uma jornada que contou com a presença do ministro do Açúcar, general Ulisses Rosales del Toro. Por que será que nenhuma informação sobre isso foi publicada nos jornais brasileiros?

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