Quem tem medo da reforma agrária de Evo Morales?
Apesar do alarde da imprensa brasileira, presidente boliviano promete cumprir a lei: expropriar terras “griladas” e que não cumprem sua função social
Marcelo Netto Rodriguesda Redação
A reforma agrária que o presidente Evo Morales quer fazer na Bolívia não prevê nada de absurdo. Além de expropriar 200 propriedades de fazendeiros estrangeiros que estão ilegalmente dentro de uma zona de 50 km de fronteira – como prevê a Constituição do país –, o Estado pretende retomar para si as terras que não possuem documentos legítimos – conhecidas, entre nós, como terras "griladas" – e aquelas que não cumprem a sua função social.
Ou seja, a medida – a ser anunciada no dia 31 de maio – não atinge os fazendeiros que estão produzindo de acordo com a lei. Nem mesmo os cem produtores de soja brasileiros que vivem no país desde o início da década de 90 – quando saíram principalmente do Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, em busca de menos impostos e solos mais férteis e baratos.
Plantar soja na Bolívia custa 40% a menos do que no Brasil. Uma propriedade com 70 funcionários e 4.500 hectares plantados, em Santa Cruz de La Sierra – departamento vizinho ao Mato Grosso –, fatura US$ 4 milhões por ano, por exemplo. A fértil região, que dispensa o custo com adubos, é berço de brasileiros que chegam a ter propriedades de até 30 mil hectares.
De acordo com o ministro de Desenvolvimento Rural, Agropecuário e Meio Ambiente, Hugo Salvatierra, a reforma agrária de Evo Morales beneficiará 2,5 milhões de pessoas. Quase 30% da população. E atingirá inicialmente um total de 14 milhões de hectares. Algo um pouco menor do que o território do Uruguai.
Para Salvatierra, no entanto, existem alguns brasileiros que estão na Bolívia explorando ilegalmente a extração da borracha e da madeira. Enquanto outros plantam em áreas tipicamente de florestas. Estes, sim, devem se preocupar. As terras que forem confiscadas serão redistribuídas sob forma coletiva ou comunitária.
À SOMBRA DE CHE GUEVARA
Único vereador do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, em Santa Cruz de La Sierra, Oswaldo Chato Peredo afirmou que as primeiras fazendas a serem retomadas pelo governo serão 14 latifúndios improdutivos de famílias que já ocuparam importantes cargos públicos.
Chato Peredo, é irmão do guerrilheiro Inti Peredo, que morreu, em 1968, tentando reorganizar a guerrilha iniciada por Che Guevara na Bolívia. Inti, foi um dos seis guerrilheiros que conseguiram escapar com vida ao cerco que resultou na morte do revolucionário argentino-cubano um ano antes.
Segundo informações do jornal boliviano La Prensa, entre 1997 e 2005, o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) realizou um levantamento que atingiu 47% da extensão do território boliviano – que é de 109 milhões de hectares. Das 100 mil fazendas visitadas, somente 9% possuíam títulos de propriedade autênticos.
Morales seguiu exemplo de Chávez e Kirchner
Presidente boliviano nacionaliza reservas de gás e petróleo em meio a uma conjuntura favorável no continente.
Além da pressão do movimento social boliviano, o presidente boliviano, Evo Morales, contou, ainda, outro fator que o apoiou na decisão de nacionalizar as reservas de gás e petróleo: uma conjuntura política favorável no continente.
A recente reestatização do serviço de água na Argentina e a utilização do sistema de empresas mistas (a exemplo do que a Bolívia pretende fazer) na Venezuela são exemplos da existência de um cenário propício a medidas que defendam a soberania nacional em detrimento do interesse privado. Além disso, estão inseridas em um contexto de uma integração mais pautada em políticas sociais. "Vivemos um momento histórico que sinaliza a possibilidade de alavancar um outro tipo de integração" analisa Fátima Mello.
De acordo com ela, há dois movimentos contraditórios em curso no continente. Um deles é encabeçado por países que assinaram tratados de livre comércio (TLCs) com os Estados Unidos, como Peru e Colômbia. Já o outro busca uma integração mais solidária "e tem Evo como exemplo", agora.
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Bolívia exercita sua soberania
Presidente Evo Morales cumpre com o prometido e nacionaliza as reservas de gás e petróleo, como exigem os movimentos sociais bolivianos.
A guerra do gás, a derrocada de dois presidentes e manifestações que deixaram mais de 70 mortos não foram em vão. Exatamente 100 dias após a posse, o primeiro presidente indígena da Bolívia, Evo Morales, decretou a nacionalização da exploração de recursos naturais de hidrocarbonetos (petróleo e gás) do país, em resposta às reivindicações históricas dos movimentos populares.
A medida foi recheada de elementos simbólicos, como a ocupação das usinas pelo exército e a data escolhida pelo anúncio: o Dia do Trabalho. Para um país que acumula os piores indicadores sociais da América do Sul, a decisão representa uma via para se garantir um projeto soberano de desenvolvimento, avaliam especialistas.
A vez do povo
"O decreto simboliza a concretização de uma luta histórica do povo boliviano e a utilização dos recursos nacionais pelo seu próprio povo", afirma Fátima Melo, Assessora da área de relações internacionais da organização não governamental Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase). "Esse é o caminho que devemos seguir", recomenda.
Para o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Emir Sader, a nacionalização simboliza uma vitória de todos os movimentos sociais da América Latina e indica um avanço importante no processo de integração regional. "Se a Bolívia tivesse propriedades privadas no setor de gás, não teria condições de ter uma participação soberana, ou seja, do seu povo na definição do que pretendem com o processo de integração energética regional".
O sociólogo lembra ainda que a nacionalização das reservas de gás e petróleo é uma antiga bandeira dos movimentos populares do país. (Leia aqui a íntegra da entrevista com Emir Sader).Soberania nacional Diferentemente do que a mídia brasileira alardeou, a Petrobras não é a única empresa que terá de rever sua participação na Bolívia. Morales ordenou que as forças armadas do país ocupassem as 53 instalações petrolíferas e refinarias da Bolívia, controladas também pela espanhola Repsol, a britânica British Gás, a estadunidense Exxon Mobil, a francesa Total, entre outras.
De acordo com o decreto supremo 28.701, o Estado boliviano passa a controlar todo o processo produtivo do petróleo e do gás do país. A estatal Jazidas Petrolíferas Fiscais Bolivianas (YPFB, da sigla em espanhol) assume a parte majoritária (50% mais 1) das ações de todas as filiais de companhias petrolíferas estrangeiras. Morales já havia inclusive acenado com essa possibilidade ao dizer, em meados de abril, durante visita ao Brasil: "não queremos patrões, mas sim sócios".
O governo deu às transnacionais e à Petrobras 180 dias para renegociarem seus contratos, sob o novo decreto. Após esse prazo, as companhias que não chegarem a um acordo com a YPFB terão que se retirar do país.
O decreto do governo boliviano eleva, também, para 82% os tributos arrecadados pelo Estado com a venda de gás e petróleo. "Acabou-se o saque", definiu Morales, após cumprir o prometido em campanha presidencial. "A hora chegou, o dia esperado, um dia histórico quando os bolivianos reassumem o controle absoluto de seus recursos naturais", afirmou
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