Crise do Petróleo: Lobbies, especulação e mercados virtuais 03/08/08
A especulação é responsável por 60% do encarecimento do crude, afirmou o Presidente da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) no 19º Congresso Mundial do Petróleo, realizado no início de Julho em Madrid. Segundo Chakib Jeli, a especulação nos mercados de produtos petrolíferos deveu-se à debilidade do dólar, consequência da crise hipotecária do "sub-prime".De acordo com a opinião expressa pelo seu líder, a subida de preços não interessa à OPEP (que está estruturada em torno de empresas estatais e monopólios públicos, em países com regimes mais ou menos autoritários), porque incentiva a redução da procura e a exploração de outras fontes energéticas. A OPEP vai aumentar, até 2012, a sua produção diária em quatro milhões de barris, devendo nessa altura atingir uma quota de 52% no mercado mundial (actualmente detém 40%). No entanto, historicamente, as tentativas da OPEP para controlar a evolução dos preços do petróleo raramente foram bem sucedidas. Segundo o seu líder, a missão da organização não é definir preços mas assegurar a produção.
As experiências com vista à substituição dos derivados do petróleo por outras fontes energéticas são cada vez mais intensas, por exemplo, no sector dos transportes, onde 90% da energia globalmente consumida provém do petróleo. O desenvolvimento de automóveis movidos pela fusão de células de hidrogénio já se faz há alguns anos e dois consórcios (um formado entre a Peugeot e a Mitsubichi e outro entre a Nissan e a Renault) anunciaram carros movidos a electricidade já em 2011. Uma eventual generalização destas viaturas provocaria, de facto, uma redução muito relevante na procura de produtos derivados do petróleo.Outro exemplo é o da utilização dos bio-combustíveis, actualmente generalizada no Brasil, para satisfação do presidente Lula da Silva. No entanto, a utilização de produtos agrícolas para a produção energética limitou a produção alimentar e criou um vínculo muito apertado entre a dinâmica dos mercados energético e alimentar, com terríveis consequências sobre a população pobre em muitas zonas do planeta, que foram abandonando formas de agricultura familiar, de subsistência ou dirigida a mercados de proximidade, para se verem hoje confrontadas com uma subida de preços dos alimentos incompatível com o seu poder de compra.Sendo ainda pouco visíveis os resultados dos esforços de substituição do petróleo por outras fontes energéticas, mesmo um aumento da oferta petrolífera pode não ser suficiente para contrariar a tendência de subida dos preços: apesar de algumas iniciativas para se diversificarem as fontes energéticas, o certo é que a indústria e os transportes ainda dependem em muito larga medida destes combustíveis, cujo consumo tende ainda a subir muito significativamente nas chamadas economias em desenvolvimento. O caso da China é exemplar: o consumo per capita de petróleo na China deverá atingir os cinco barris em 2012, muito longe dos 17 barris per capita que constituem a média do consumo nos países da OCDE. Mesmo assim, os cinco barris per capita representarão vinte milhões de barris de crude por dia, cerca de 25% da produção actual (86 milhões de barris). A economia do século XX assentou no petróleo e no século XXI ainda não se deu a necessária e inevitável viragem para outras fontes energéticas: o petróleo ainda representa 40% das transações mundiais de energia.
A regulação dos mercado é hoje um tema recorrente na discussão sobre a evolução do preço dos produtos petrolíferos. A campanha presidencial norte-americana é disso um exemplo, com Barack Obama a sugerir uma apertada supervisão da Comissão de Mercado de Valores de Futuros (CFTC, na sigla original) sobre os operadores que compram e vendem energia nos mercados electrónicos, actualmente isentos de vigilância graças a um "regime de excepção" impulsionado pela empresa Enron (antes do seu colapso) e implementado através de uma lei proposta pelo senador Phil Gramm, um dos co-presidentes da campanha de MaCain.É nos mercados de futuros que se faz o essencial da especulação com os produtos petrolíferos. Um contrato futuro corresponde a um compromisso de compra e venda de um determinado activo numa data específica, por preço e condições previamente definidas. As primeiras transações envolvendo petróleo nos mercados de futuros realizaram-se em Nova Iorque (NYMEX) e Londres (IPE) nos anos 80, generalizando-se nos anos 90 a outros países. Originalmente criados para facilitar a redução do risco dos agentes envolvidos nas transações de produtos “físicos”, estes mercados “virtuais”, cujo funcionamento pressupõe a existência de um número alargado de compradores e vendedores e não implica o contacto directo com as mercadorias transaccionadas, tornou-se particularmente apetecível para os especuladores, em particular, naturalmente, nos períodos de subida de preços.Por sua vez, McCain está mais preocupado com a extensão da exploração de petróleo, tendo recentemente solicitado ao Congresso dos Estados Unidos que levantasse a proibição de construção de plataformas de exploração petrolífera em alto-mar, que vigora desde 1982, para evitar impactos ambientais. As grandes companhias petrolíferas também aproveitam o contexto de alta dos preços para justificar uma suposta necessidade de aumentar a intensidade da exploração de petróleo. Um caso muito recente é o da insistente pressão da empresa Exxon no sentido de exigir ao governo do Kazaquistão a aceleração do processo de abertura da exploração de novas jazidas, que estava prevista para 2005 e foi adiada para 2013. O Iraque anunciou a abertura a empresas privadas da exploração dos seus campos de petróleo, o que contrasta com as práticas dos países vizinhos, como a Arábia Saudita, o Kuwait e os Emirados Árabes, onde empresas estatais mantêm um rigoroso controlo sobre o investimento estrangeiro nos sectores petrolíferos. As reservas provadas do Iraque, de 115 mil milhões de barris, são as maiores do mundo depois das da Arábia Saudita e do Irão e os contratos para a sua exploração estão a ser negociados com contratos estão a ser negociados com a Royal Dutch Shell, a BP, a Exxon Mobil, a Shell em parceria com a BHP Billiton e a Chevron em parceria com a Total.Três destas grandes empresas - a Exxon Mobil, a Royal Dutch Shell e a BP - controlam mais de metade da produção internacional de petróleo e em 2005 alcançaram um nível de vendas de cerca de um bilião de dólares, empregando mais de 300 mil pessoas. Estas empresas detêm activos de valor superior a 630.000 milhões de dólares e lideram o ranking dos mercados bolsistas, com a General Electric, a Vodafone e a General Motors.As pressões políticas exercidas por este poderoso lobby, largamente financiado e dirigido pela Exxon, vão-se conhecendo através da imprensa, como foi o caso da influência sobre George Bush para que os Estados Unidos se demarcassem das recomendações sobre desenvolvimento sustentável assumidas globalmente na Cimeira de Joanesburgo, em 2002.Estas empresas, e em particular a BP, tiveram também larga participação na Guerra do Iraque: nos dias anteriores à invasão, uma equipa de engenheiros treinou no Kuwait tropas de combate britânicas para a manutenção de campos petrolíferos no Iraque e logo após a ocupação do país um director da BP foi nomeado pelo governo inglês para a reconstrução das refinarias iraquianas. Hoje, a exploração do petróleo iraquiano está a ser repartida entre as grandes empresas do sector a nível mundial.O controle que as grandes empresas petrolíferas têm sobre a economia e a política internacional foi amplamente contestada em Madrid, por ocasião do 19º Congresso Mundial do Petróleo. Em resposta, diferentes movimentos sociais promoveram o Encontro Social Alternativo do petróleo, protestando contra o poder de um restrito grupo de governos e empresas sobre os recursos, a economia, as condições sociais e a política no planeta.Numa pequena manifestação, algumas dezenas de pessoas vestidas de preto simularam uma "maré negra" que percorreu o centro de Madrid e irrompeu pelas instalações da Bolsa da capital espanhola. Os engravatados frequentadores do edifício pegaram em cadeiras e tentaram agredir os pacíficos manifestantes. Mostraram que a especulação financeira tem amplas defesas contra os ataques populares. Até à cadeirada, se for preciso!