*(LITERATURA CLANDESTINA REVOLUCIONÁRIA)*MICHEL FOUCAULT LIBERTE-ME.

VC LEU MICHEL FOUCAULT,NÃO?ENTÃO O QUE VC ESTÁ ESPERANDO FILHO DA PUTA?ELE É A CHAVE DA EVOLUÇÃO DOS HUMANOS.HISTORIA DA LOUCURA,NASCIMENTO DA CLINICA,AS PALAVRAS E AS COISAS,ARQUEOLOGIA DO SABER,A ORDEM DO DISCURSO,EU PIERRE RIVIÉRE,A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS,VIGIAR E PUNIR,HISTORIA DA SEXUALIDADE,EM DEFESA DA SOCIEDADE,OS ANORMAIS...EVOLUÇÃO OU MORTE!

Tuesday, July 17, 2007

Sites feministas / organizações de mulheres 1707/07


ADVOCACI - Advocacia cidadã pelos Direitos Humanos http://www.advocaci.org.br/AEZM - Articulação de Entendidades da Zona da Matahttp://www.zonadamatape.org.br/AGENDE - Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento http://www.agende.org.br/ANIS http://www.anis.org.br/AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras http://www.articulacaodemulheres.org.br/Articulação Feminista Marcosur http://www.mujeresdelsur.org.uy/Biblioteca Virtual Mulher www.prossiga.br/bvmulher/cedimCampanha 28 de setembro - Pela Descriminalização do Aborto www.campanha28set.org/port/Casa de Cultura da Mulher Negra http://www.ccmnegra.santos.net/Casa Menina Mulher www.ocara.org.br/casameninamulherCasa de Passagem www.casadepassagem.org.br/Católicas Pelo Direito de Decidir http://www.catolicasonline.org.br/Ceert - Centro de Estudos das Relações do Trabalhoe Desigualdades http://www.ceert.org.br/Cefemina - Centro Feminista de Información y Acción http://www.cefemina.or.cr/Cemina - Comunicação, Educação e Informação em Gênero http://www.cemina.org.br/Centro de Documentación de la Mujer 'Betsie Hollants' www.laneta.apc.org/cidhal/cendoc.htmlCentro de Documentación sobre la Mujer - CENDOC/MUJER www.ekeko2.rcp.net.pe/cendoc-mujerCentro de la Mujer Peruana Flora Tristán http://www.flora.org.pe/CEPIA - Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação www.cepia.org.br/Cfemea www.cfemea.org.br/CLADEM - Comite de America Latina y el Caribe para la Defensa de los Derechos de la Mujer http://www.cladem.org/Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde - São Paulo / Medicina Docee Saúde da Mulher http://www.medicinadoce.org.br/Comissão Nacional sobre a Mulher Trabalhadora da CUT www.cut.org.br/f12.htmComitê por uma Convenção Interamericana de Direitos Sexuaise Direitos Reprodutivos www.convencion.org.uy/Cotidiano Mujer http://www.cotidianomujer.org.uy/Criola http://www.criola.ong.org/Dawn - Development Alternatives with Women for a New Era www.dawn.org.fj/Fala Preta! http://www.falapreta.org.br/Feminist Approaches to Bioethics http://www.fabnet.org/Fórum de Mulheres de Pernambucohttp://www.fmpe.org.br/Geledés - Instituto da Mulher Negra http://www.geledes.com.br/Gênero, Direitos Humanos e Saúde http://www.mulheres.org.br/Global Fund for Women http://www.globalfundforwomen.org/Grupo Origem http://www.aleitamento.org.br/Grupo de Teatro Loucas de Pedra Lilás www.elogica.br.inter.net/loucas/index.htmlGrupo Transas do Corpo www.transasdocorpo.org.br/International Women's Health Coalition http://www.iwhc.org/Ísis Internacional - Serviço de Comunicación y información de las Mujeres www.isis.cl/Mama - Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia http://www.mama.org.br/Marcha das Margaridas http://marchamargaridas.contag.org.br/MujerAhora www.chasque.apc.org/mujeraMujeres y Salud http://mys.matriz.net/Mulher: 500 anos atrás dos panos http://www.mulher500.org.br/Mulheres Negras - Do umbigo para o mundo http://www.mulheresnegras.org/IX Encontro Feminista Latino-americano e do Caribe http://www.9feminista.org/9th IWHM - 9º Encontro Internacional Mulher e Saúde/2002 www.iwhm-rifs.org/Nouvelles Questions Feministes www.users.imaginet.fr/~macpaddy/NQF1.htmPagu - Centro de Documentação e Informação http://www.pagu.org.br/Pagu - Núcleo de Estudos de Gênero www.unicamp.br/paguRed de Educación Popular entre Mujeres http://www.repem.org.uy/



Red de Salud de las Mujeres Latinoamericanas y del Caribe www.reddesalud.web.cl/Red Mujer y Hábitat www.redmujer.org.ar/REDEH - Rede de Desenvolvimento Humano http://www.redeh.org.br/Rede Mulher de Educação http://www.redemulher.org.br/Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuaise Direitos Reprodutivos http://www.redesaude.org.br/Redes Humanizadas de Atendimento às Mulheres Agredidas Sexualmente http://www.rhamas.org.br/Redor - Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudose Pesquisas Sobre a Mulher e Relações de Gênero www.ufba.br/~redorRHAMAS - Apoio à criação de Redes Humanizadas de Atendimento às Mulheres Agredidas Sexualmentehttp://www.rhamas.org.br/ SOF - Sempreviva Organização Feminista www.sof.org.br/Themis - Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero http://www.themis.org.br/Um Mundo. Uma Luta. Aids 2003 www.aids2003.net/União Brasileira de Mulhereshttp://www.ubm.org.br/WEDO - Organização de Mulheres, Meio Ambientee Desenvolvimento http://www.wedo.org/WHRNET - Rede de Direitos Humanos das Mulheres www.whrnet.org/Women on Waves http://www.womenonwaves.org/




Wednesday, July 11, 2007

entrevista josê gil.11/07/07 a luta continua.

http://www.youtube.com/watch?v=9NJ5BzyJq7E
Em Portugal ‘não há drama, tudo é intriga e trama’, escreveu alguém num grafiti em Lisboa. José Gil – 65 anos, filósofo – usou a frase para abrir um dos capítulos do seu último livro (edição Relógio D’Água). Para falar do País que temos, socorreu-se de muitos outros elementos retirados da rua: desde conversas de café a anedotas populares. Afinal, o modo como um português se comporta num semáforo é tão revelador da sua portugalidade como a respectiva maneira de praticar o luto. E o que somos afinal? Um país onde – defende o filósofo – nada acontece. Porque, como diz o anúncio, todos falam, falam, mas ninguém faz nada. Livro-mensagem, com o qual o autor quis despertar a consciência dos portugueses, tem sido um inesperado sucesso. Publicado em Novembro do ano passado, antes da queda de Santana Lopes, foi empurrado para os ‘tops’ por uma série (in)feliz de acasos. Primeiro foi o desnorte governamental, que tornou ainda mais evidente a deriva do país (sobre a qual versa o livro); depois saiu um artigo na revista francesa ‘Le Nouvel Observateur’ onde José Gil era considerado um dos 25 pensadores mais importantes do mundo. Começava a bola de neve. Desconhecido de um público mais vasto apesar da longa carreira – o autor tem 15 obras publicadas, fez o mestrado e o doutoramento em Filosofia em França onde viveu muito anos – o discreto professor catedrático da Universidade Nova viu-se transformado numa estrela mediática. Dá entrevistas em série, aparece na TV, é já citado em discussões de bola. Tudo graças a um ‘livrinho’ (a expressão é de José Gil) que vai na quarta edição e continua a esmagar a concorrência de ‘O Código Da Vinci’.


Diz que Portugal vive no nevoeiro, porque nada acontece – ou seja, nada se inscreve. O que é isso da ‘não inscrição’? Um acontecimento increve-se quando transforma o sentido da vida, quando nos marca. Um exemplo. Há uma mulher que o ama e faz tudo para cativá-lo; mas nada do que ela faça o afecta, ou seja, não há inscrição possível. Pode aparecer no entanto uma outra mulher que vai provocar um reboliço na sua vida, que o vai marcar; ou seja, transforma-o, e ao fazê-lo increve-se. Vou falar-lhe de uma coisa que me impressionou muito quando cheguei a Portugal [vindo de França] em 1982. Assisti na televisão ao relato de uma violação feito por uma mulher que tinha sido vítimaa. O jornalista perguntava-lhe: “Se encontrasse agora o seu violador, o que lhe faria?” E ela respondia, com uma voz extremamente ténue e doce: “Eu dir-lhe-ia – ‘mas porque é que fez isso?’”Quando a ouvi caí das nuvens. Porque se fosse o mesmo programa de televisão noutro país, teria ouvido reacções de vingança, de indignação paroxística. Havia ali qualquer coisa que eu não compreendia. Porquê? Porque o acto [a violação] não se tinha inscrito. Defende que Portugal é um país onde nada se inscreve; ou, por outras palavras, onde nada acontece.Veja a guerra colonial. Só há poucos anos é que emergiu à tona enquanto acontecimento, que foi muito trágico. E então descobriu-se que há associações de pessoas psicologicamente traumatizadas, que viveram anos numa espécie de clandestinidade em relação à informação. Porquê?



Esse fenómeno, a ‘não inscrição’, tanto se passa a nível social como a nível privado. Sem dúvida. Uma separação num casal pode ser uma coisa que leva a rasgões internos, a modificações da afectividade, a depressões, etc.. No entanto tentamos dar a aparência de que correu tudo bem. Dizemos: “Nós estamos bem, não houve grandes conflitos...”. Mas isso é verdade apenas no plano da linguagem, serve para mostrar aos outros. Há porém um outro texto, o texto das coisas não ditas, onde se acumulam rancores, ódios, indignações. E como se acumulam, como não podem ser exprimidos, transformam-se em sintomas. Nós queremos sempre dar a aparência de que somos boas pessoas, por isso é que os estrangeiros gostam tanto de nós. E até somos boas pessoas, mas existe uma outra realidade. E seríamos muito melhores se essa outra realidade se exprimisse também.Se uma pessoa guarda em si um rancor qualquer, nasce-lhe uma borbulha. Atribui essa mentalidade aos anos de salazarismo.Sei que Salazar reactivou e generalizou qualquer coisa que nos impediu de crescer. Conheci ainda uma geração dos oposicionistas a Salazar, velhos generais da República que tinham uma coluna vertebral mais rígida do que o aço. Mas essa gente desapareceu. Não estou a dizer que Portugal seja unicamente feito por uma colectividade que não cresceu. Sei que o salazarismo reactivou muito do pior que há em nós - embora tenha conservado, como num frigorífico, muitas das coisas boas que nós temos e que têm vindo a desaparecer agora das sociedades altamente industrializadas. Mas no ponto de vista espiritual, da capacidade de ter força no pensamento, da capacidade de autonomia, da liberdade, nesses aspectos que são absolutamente vitais, Salazar teve uma profunda acção mutiladora.
O que acabou por nos tornar medrosos. De que é que temos medo afinal? Acho que é um medo entranhado de tal forma que muitas vezes nem sabemos do que é que temos medo. O que é fácil de comprender. Se eu me inibo, por exemplo, de felicitar um amigo que escreveu um belo livro, e me limito unicamente a dizer, ‘Olha gostei muito’, há aí uma limitação na minha expressão. Isso acontece constantemente em Portugal, temos medo de nos exprimirmos. Por trás disso há razões muito profundas, históricas e sociais, que foram reactivadas por 48 anos de salazarismo; são razões que não se conhecem, já não estão à flor de pele. E que levaram a que fossem interiorizados em nós esses medos, que são inibições, inexpressões. O seu livro contraria essa tendência lusa, justamente porque é uma forma de expressão. O que o levou a escrevê-lo? Um sentido de missão?O sentido de missão é um termo demasiado nobre para aquilo (a expressão) que todos nós devemos ter. Não vivemos sozinhos. Senti um sufoco perante toda uma série de esquecimentos, senti que era impossível dizer o que queria dizer, por isso escrevi-o. E nesse sentido, nós todos temos uma missão colectiva: exprimirmo-nos.E exprimiu-se no momento certo, como prova o sucesso do livro. Não o surpreendeu?Foi uma conjunção absolutamente coincidente de factores. Escrevi este livro há já bastante tempo, mas por causa de uma conversa que tive peguei nele e dei-o tal e qual ao editor. Ele leu e disse: “Vamos publicar isto já, daqui a dez dias”. Eu escrevi mais umas coisas, como as entradas a respeito de Santana Lopes, e depois publiquei-o.
Ainda antes da queda do Governo...E entretanto aconteceu tudo: a queda, o facto de Santana Lopes enquanto líder se ter esvaziado, etc. Mas a angústia já pairava antes: a saída de Durão Barroso, as perspectivas económicas cada vez piores... Tudo isso provocou nos portugueses uma espécie de desnorte, uma incapacidade de se situarem. Onde estamos? Para onde vamos?Bom, acontece que, imediatamente depois, a coisa agudizou-se com a queda do Governo. A não compreensão do estado presente acentuou-se. Ou seja, o desnorte foi tal que se transmitiu do líder à colectividade; e entretanto aparece um livrinho que apresenta algumas coordenadas Já depois de publicado o livro, o momento político veio dar-lhe razão; confirmou a ‘não inscrição’, o facto de em Portugal ser tudo fogo de vista. Uma parte substancial da campanha foi o discurso sobre a própria campanha. O que se discutiu foram os acontecimentos menos importantes. E a técnica de Santana Lopes, o ‘espelhamento por projecção’. Quer dizer, é o criar de uma situação conjugal, como a discussão entre um homem e a mulher. Ele queixa-se, por exemplo, do café amargo e ela responde: ‘Mas tu é que me disseste’ e ele responde à resposta dela e tudo anda em círculo. A técnica de Santana Lopes é a projecção. Dizem-lhe qualquer coisa e ele reprojecta sobre o outro. E o pior é que o opositor, José Sócrates, às vezes pegava na deixa, entrava nesse espelhamento. Um dizia que estava ofendidíssimo por isto e aquilo, o outro respondia à letra. O que se passou na campanha foi uma discussão conjugal – que é uma técnica de ‘não inscrição’, nada realmente aconteceu. Há uma perversidade na maneira de fazer política de Santana Lopes. Ele é por excelência um indivíduo que cria acontecimentos; ora o acontecimento é por definição um foco emissor de sentido; acontece que este indivíduo, apesar de produzir acontecimentos, não produz sentido nenhum. Esvazia o sentido nessas guerras conjugais. Transforma uma coisa tão séria como o futuro imediato deste país – ao fim ao cabo aquilo que se joga no combate político, e que deveria exigir de nós uma atitude responsável – numa discussão ‘fulanizada’. Quando na verdade uma campanha deveria ser centrada nas políticas de fundo Ao incentivar esse espelhamento [a guerra conjugal], Santana Lopes faz com que nada aconteça, tudo se torna imaginário. A realidade desta campanha tem sido uma discussão do tipo: “Ah, o meu opositor agora fez isto e aquilo”, quando na verdade seria necessário muito mais: uma postura minimamente cívica por parte de todas as pessoas. A campanha foi também o jogo de um malabarista. O malabarista, ao equilibrar os objectos, faz com que eles não caiam. E é isso que o Santana tem feito.
Por outras palavras, o debate em torno do nosso futuro deu lugar a um tu-cá-tu-lá Absolutamente. Não digo porém que toda a campanha tenha sido assim; digo apenas que isso invadiu a campanha de tal maneira que praticamente foi só o que vimos. E por isso não aderimos, não nos sentimos responsabilizados. E por isso vai haver votos negativos em todos os sentidos. É a tal ‘não inscrição’. Existe aqui uma máquina, um dispositivo que cria perversamente, a todo instante, pseudo acontecimentos. Santana poderia ter sido como Salazar, que não criava acontecimento nenhum, que fomentava silêncio. Em vez disso, fez o contrário. Ou seja, nada acontece, mas esses não acontecimentos acabam por ter eco nos media.Exactamente. Repare, nós construímos a realidade através de inscrições. Inscrever uma cidade é fazer casas, ruas, desenvolver actividades num determinado território. Isso tem a ver com o real, não com o imaginário. Acontece que os políticos fazem o contrário, em vez de inscreverem, fazem tudo para desinscrever. Sempre que houve um comício, vimos a acompanhar Santana Lopes a palavra ‘competência’. Ou seja pretendeu-se acabar com aquela aura negativa de Santana Lopes – a incompetência – usando as palavras contrárias: competência, estabilidade, coragem, etc.. No seu livro refere que as manchas na carreira dos políticos e governantes pouca importância têm; no espaço de meses eles são perdoados?Em tão pouco tempo é possível que não se esqueça; mas a propensão para o esquecimento é muito forte. As pessoas estão prontas a esquecer os erros de Santana Lopes, já muitas se esqueceram, só vêem nele a humanidade da personagem, que sabe falar, que não tem aquela rigidez do Sócrates. Olham para o líder do PSD e pensam: “Ele é um bom homem, é um de nós”. E esquecem-se de todo o resto. A ‘não inscrição’ vive do imediato. Nós não vemos mais longe, não temos projectos a longo prazo, nem para as nossas vidas nem para a existência colectiva, mesmo nas empresas pensa-se a muito curto prazo. E essa maneira de viver o tempo tem a ver com a nossa maneira de ser, um constante saltitar.

ENTREVISTA COM GIORGIO AGAMBEN 11/07/07

perspectiva das temáticas e da metodologia de Foucault. Porventura esta sua novapesquisa sobre a teologia econômica se situa no mesmo horizonte? Vejo o meu trabalho sem dúvida próximo daquele de Foucault. Nas minhas duas últimas
pesquisas sobre o “estado de exceção” e sobre a “teologia econômica”, procurei aplicar omesmo método genealógico e paradigmático que praticava Foucault. Por outro lado,
Foucault trabalhou em tantos campos, mas os dois que deixou de fora são, exatamente, odireito e a teologia, e me pareceu natural dedicar minhas duas últimas pesquisasprecisamente nesta direção.Mas como conseguiu redescobrir este conceito “esquecido” da teologia econômica equando decidiu torná-lo “paradigmático” para a sua pesquisa?O ponto de partida da pesquisa o encontrei nos estudos que estava desenvolvendo nos últimos anos sobre Schmitt e a Teologia política e, em especial quando estava estudando melhor o debate entre Carl Schmitt e Erik Peterson, que ocorreu mais ou menos entre 1935 e 1970.Trabalhando sobre os mesmos teólogos com que Peterson faz a análise, no seu livro sobre o monoteísmo, com o objetivo de encontrar a origem daquela teologia política que pretende criticar (desde os primeiros apologetas, Justino e Inácio de Antioquia, até sobretudo Tertuliano), me dei conta de que no centro dos seus textos não havia apenas e nem tanto os conceitos de monarquia e de teologia política, que Peterson reconstrói, mas outro conceito: a oikonomía. Um fato curioso é que toda vez em que este conceito aparecia, Peterson interrompia a citação. Relendo tais textos, perguntei-me porque exatamente, nesta reconstrução, tal conceito era removido. Assim, dei-me conta de que o conceito de oikonomía era central nestes autores e procurei fazer a sua genealogia.Imediatamente tornou-se claro que da teologia cristã derivam dois paradigmas políticos em sentido amplo: a teologia política, que baseia a transcendência do poder soberano no
único Deus, e a teologia econômica, que substitui tal idéia com uma oikonomía, concebida
como uma ordem imanente – doméstica e não política em sentido estrito, tanto da vida
divina como da vida humana. Do primeiro paradigma derivam a filosofia política e a teoria
moderna da soberania: do segundo, a “biopolítica” moderna, até o atual triunfo da economia sobre qualquer aspecto da vida social.O livro que estou escrevendo nasceu desta descoberta. Procurei reconstruir a origem do conceito teológico de oikonomía e, depois, na segunda parte, seguir o seu desaparecimento e a secularização na modernidade. Parece-me que tal conceito num certo momento desaparece, para voltar com o nascimento da economia animal e da
economia política no século XVIII.
Portanto, o senhor põe-se em contraste com a atenção unívoca, dada por Peterson e por Schmitt, à vinculação entre teologia e política. Uma atenção tão especial que lhe parece quase suspeita. Mas, segundo a sua opinião, eles tinham consciência desta“remoção” da oikonomía do horizonte teológico?Sem dúvida! A cultura teológica de Peterson era vastíssima e nem sequer é pensável que ignorasse o problema. De resto, ele interrompe as citações, por exemplo, no caso de Tertuliano, exatamente no ponto em que comparece o termo oikonomía. Schmitt, por sua vez, via com clareza o que poderíamos definir o triunfo da economia e a despolitização do mundo que isso comportava na modernidade; mas para ele era estrategicamente importante negar que tal desenvolvimento tivesse um paradigma teológico. Não só porque equivaleria a conferir uma patente de nobreza teológica para a economia, mas também e sobretudo porque isso poria em questão a possibilidade mesma do paradigma teológico-político que ele considerava importante. Voltemos, porém, ao início da sua investigação reconstrutiva e ao conceito de oikonomía, censurado por Peterson, mas, precisamente, utilizado pela teologia patrística.A referência natural pareceria ser Aristóteles, mesmo que o seu conceito seja bem diferente do significado atual de economia. Mas qual a noção que tinham os Padres da Igreja?Obviamente o termo oikonomía de que se serviam tais teólogos é o mesmo termo de Aristóteles, que no grego designa em primeiro lugar a administração da casa. Mas oikos,a casa grega, é um organismo complexo, no qual se entrelaçam relações heterogêneas,desde os vínculos de parentesco em sentido restrito, até àqueles entre patrão-escravo e à gestão de uma empresa agrícola muitas vezes de dimensões amplas. O que mantém
unidas tais relações é um paradigma que poderíamos definir “gerencial”: trata-se de uma
atividade que não está vinculada a um sistema de normas nem constitui uma episteme,
uma ciência em sentido próprio, mas implica decisões e disposições diferentes em cada
oportunidade para enfrentar problemas específicos. Neste sentido, uma tradução correta
do termo oikonomía seria, conforme sugere Liddel-Scott, management E por que os Padres da Igreja tinham necessidade desse conceito?A exigência nasce no decurso do séc. II, quando se começa a formular aquilo que mais tarde, com os Concílios de Nicéia e de Constantinopla
, se tornará o dogma trinitário. Os Padres que começam a elaborar a trindade tinham diante de si adversários, os assim chamados monarquianistas, que afirmavam que Deus era Uno e que, introduzindo outras duas figuras divinas, se corria o risco de recair no politeísmo. O problema consistia na maneira de conciliar a trindade, de que não se podia prescindir, com a monarquia, ou seja, o monoteísmo, igualmente indispensável. A oikonomía é o conceito, o instrumento, o
órgão que torna possível tal concepção e tal passagem.O raciocínio é simples: Deus,
quanto à sua essência e à sua natureza, é Uno; quanto à sua oikonomía, à gestão do seu
oikos, da sua casa, da sua vida divina, pode por sua vez ter um filho e apresentar-se
numa figura tríplice. O paradigma gerencial da oikonomía é precisamente o que torna
possível a conciliação da trindade com o monoteísmo. Quais são as implicações dessa escolha terminológica?Para Aristóteles, oikos e polis são contrapostos, e economia e política são distintas
assim como a casa é distinta da cidade, ou seja, algo essencial, e não meramente
quantitativo. Em Xenofonte já é diferente; nos estóicos os dois conceitos tendem a ficar
indeterminados. O que é interessante, do meu ponto de vista, é que quando se chega aos
teólogos cristãos, estes transformam o conceito de oikonomía no paradigma teológico
essencial. A pergunta que nesta altura surgia é espontânea: por que os teólogos
compreendem a vida divina e o governo divino da terra como uma economia, e não como
uma política? O senhor dizia antes que, num determinado momento, esta referência econômica
desaparece do conceito trinitário, e por que motivo?
Os motivos são óbvios, mesmo que nunca tenham sido explicitados. Quando se chega a Nicéia, aos grandes Concílios, podemos observar já o desenvolvimento de um
vocabulário filosófico-teológico sofisticado, como a concepção da homoousia, da unidade de substância. A oikonomía, que foi o paradigma através do qual antes se pensava a trindade, de maneira pragmática e não teórica, transforma-se em algo parecido com uma pudenda origo que se deve pôr de parte. Portanto, estamos percorrendo uma história das idéias teológicas, e, numa certa altura,
vemos desaparecer a referência clara à oikonomía da trindade. Para voltar a emergir quando? Devemos esperar por Schelling, como o senhor antecipava de passagem no congresso sobre Benjamin, ou então, mesmo que esporadicamente, noutros períodos e
contextos históricos?Uma parte do trabalho que pretendo realizar consiste em reconstruir esta fase intermediária. Isso porque num determinado momento acontece que o conceito de
oikonomía se funde com o de prónoia, de providência. Com Clemente de Alexandria, a
fusão já está perfeitamente efetuada. Clemente afirma com clareza que a oikonomía seria
irracional e absurda se não assumisse a forma de uma providência divina que guia o
processo da história.E aqui o discurso torna-se, na minha opinião, muito interessante. Foi dito tantas vezes que os antigos tinham uma visão cíclica da temporalidade, enquanto a concepção da história da filosofia e da teologia cristã é linear. Mas as coisas são, na realidade, mais
complicadas. Quando, com Clemente e Orígenes, vemos nascer o primeiro embrião de
uma concepção cristã da história, com uma inversão singular de uma expressão paulina,
ela se apresenta como um “mistério da economia”. A história é, pois, uma economia
misteriosa, um mistério divino que é objeto da revelação cristã e que o ser humano deve
aprender a decifrar. Hegel (e Marx depois dele) retomam este paradigma para desvelar
definitivamente o mistério.Já teve oportunidade de verificar se nos textos de Hegel, por exemplo, nos Escritos Teológicos Juvenis, comparece de algum modo uma referência ao mistério teológico-econômico da história?Penso poder afirmar que a diferença entre Schelling e Hegel reside exatamente na maneira diferente de entenderem a herança teológica da oikonomía.
- Mas, fechando o parêntese hegeliano, e voltando à história como mistério econômico, o
que o senhor considera especialmente interessante nesse conceito?Por um lado, que, no fundo, é através deste mistério da economia que os primeiros embriões de uma concepção da história do cristianismo aparecem. Por outro, que tanto a vida divina quanto o governo divino do mundo e o curso da história enquanto revela tal plano divino do mundo são uma economia e não uma política. Conforme dizia antes, isso significa que da teologia cristã deriva uma teologia econômica, e não uma teologia política. A teologia política pode afirmar-se unicamente com a suspensão da teologia econômica: é daqui que surge a doutrina schmittiana do kat-echon, que é uma
suspensão, um adiamento deste plano econômico que rege o mundo. A teologia política
segundo Schmitt pode basear-se unicamente num prolongamento e num adiamento da
economia. Desta forma, aproximamo-nos do nascimento do novo conceito moderno de economia, no qual Weber encontrará uma raiz em certo sentido teológica na célebre obra A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo. Mas antes de chegar ao século apenas terminado, pergunto—lhe se também abordou uma relação entre ética, economia e teologia em Spinoza, especialmente no Tractatus theologico-politicus? É um problema que ainda não enfrentei. Aquilo de que estou bastante certo é que o paradigma econômico continua presente numa dimensão subterrânea durante toda a Idade Média, com o nascimento da economia animal. Na Encyclopédie, há dois verbetes distintos: économie politique e économie animale. Trata-se de duas coisas que nada têm em comum, pois a économie animale se refere à medicina e às ciências da natureza,enquanto a économie politique se aproxima da nossa economia política. Acredito ser possível demonstrar que a economia animal deriva do paradigma da economia teológica.
E se pensarmos que no séc. XVIII os mesmos autores que estão na origem da economia
política (como Quesnay e outros fisiocratas) também escrevem tratados sobre a economia
animal, poder-se-ia, mesmo com prudência, sugerir a hipótese de uma possível
genealogia teológica da economia moderna. Na terminologia schmittiana, poder-se-ia afirmar que a economia moderna é uma secularização da economia teológica?Não acredito que isso seria exato. O que proponho fazer é, antes, reconstruir a história,freqüentemente esquecida, da economia teológica, encontrando indícios e rastos de uma influência dela no nascimento da economia política. A noção de “mão invisível” em Adam Smith é, sem duvida, um desses rastos.
- Nesta altura, tendo acabado de citar a “mão invisível” de Smith, e seguindo a interpretação que dava da providência, vem à mente a analogia, intuída por Schmitt e retomada por Benjamin
,entre estado de exceção e o conceito teológico de “milagre”.Não existe uma relação entre tal referência ao milagre, o estado de exceção e o paradigma teológico-econômico que parece atravessar a teologia, a economia, a política eo direito?Certamente. Um dos resultados da minha pesquisa sobre o estado de exceção havia sido exatamente a idéia de uma dúplice estrutura da ordem jurídico-política do Ocidente,que parece basear-se ao mesmo tempo num elemento normativo e jurídico em sentido restrito, e também num elemento anômico e extra-jurídico.
A economia teológica,enquanto paradigma essencialmente gerencial e não normativo, está certamente do lado do estado de exceção
Sob os nossos olhos começa a delinear-se uma categoria de interpretação que permitiria ler a situação atual, a globalização, como um texto já escrito, no qual, no final das contas,o direito nunca foi normativo, enquanto foi esse o caso do governo do econômico. O que me parece poder ser observado a partir dessa investigação sobre a teologia
econômica é que a história da nossa cultura, da política ocidental é a história das oposições e dos cruzamentos entre um paradigma econômico e um paradigma político
em sentido restrito. A economia é o aspecto gerencial e não normativo, tanto da vida divina quanto da realidade histórica. Retomando uma citação schmittiana (“le roi règne,
mais il ne gouverne pas”), poder-se-ia denominar “reino” o primeiro paradigma, e“governo” o segundo. Sob esta perspectiva, a história do sistema político do Ocidente
aparece como a história da contínua separação e cruzamento entre os dois paradigmas.É evidente que Foucault trabalhou sobretudo o segundo paradigma, aquele que é denominado le gouvernement des hommes. Eu gostaria de trabalhar sobretudo o cruzamento entre ambos, embora seja evidente que hoje há um predomínio do segundo. Portanto, a economia, num contexto globalizado, é o que governa, é oikonomía?
- Diria que não podemos entender o triunfo da economia hoje em dia se não o entendermos ao mesmo tempo como triunfo do paradigma gerencial da oikonomía teológica. Desta maneira, a economia mostraria a sua verdadeira face: a máscara política é tirada e aparece o governo do oikonomico, ou melhor, do teológico-econômico. Seria possível definir tal processo, segundo uma terminologia schmittiana,como uma des-secularização: da economia para a teologia? Por outro lado, o termo parece o mesmo, e a economia não faria outra coisa senão retomar o lugar do direito e da política, pois no fundo sempre esteve ali. Digamos que o domínio atual da economia já tinha seu paradigma na oikonomía. É verdade que, no passado, reino e governo sempre estiveram entrelaçados e que a história
não é senão tal cruzamento. Mas, do ponto de vista teológico, o que dominava desde o início era o paradigma do governo, da economia da vida divina.Em termos filosóficos, isso corresponde à oposição entre um paradigma ontológico (o ser,
a substância divina) por um lado, e um paradigma absolutamente pragmático, por outro. O predomínio da ontologia escondeu a presença, tão decisiva ou até mais decisiva, do
elemento oikonômico-pragmático. Hoje a situação se inverteu. Mas ambos os elementos
são necessários para o funcionamento do sistema. Continuando no campo filosófico e especialmente nas origens da filosofia, reapareceria assim a dicotomia entre Platão e Aristóteles? Sempre é difícil radicalizar, há sempre tudo em tudo. Mas diria que Aristóteles dá ao
Ocidente a filosofia primeira, a ontologia, a doutrina do ser; em Platão, por sua vez, há a primazia do ethos, do que está para além do ser, do elemento pragmático-político. Voltando por um momento à oikonomía aristotélica, parecia-me que na breve conferência que proferiu no recente congresso internacional sobre Benjamin o senhor procurasse fazer uma interpretação da essência do capitalismo, que, partindo dos conceitos oikonômicos de servo e de escravo delineados no Tratado de Política de Aristóteles, chegasse a ver hoje uma espécie de “imanentização” da própria teologia econômica. Afirmar que procuro reconstruir a essência do capitalismo é sem dúvida demasiado.Certamente a idéia de uma ordem imanente é essencial, e se encontra também na economia antiga, de Aristóteles a Xenofonte. Sabe-se que a economia grega não é uma economia da produção, mas da gestão da casa, da ordem das coisas. A crematística, o lucro, ficava de fora da economia antiga. Creio, porém, que tal idéia de ordem que
estamos acostumados a pensar como secundária na economia moderna, constitui, pelo
contrário, um pressuposto essencial, e isso vincula a economia antiga à economia
moderna. O paradigma teológico representa uma espécie de elemento médio entre as
duas.http://www.youtube.com/watch?v=KWPf2zIRkho










Sunday, July 08, 2007

ENTREVISTA: JACQUES RANCIÈRE 08/07/07

Em nome do dissenso, filósofo francês redefine termos e conceitos na arte e na política.Professor emérito do Departamento de Filosofia da Universidade Paris VIII, Jacques Rancière é autor de A partilha do sensível, livro recentemente lançado pela Editora 34 no Brasil. Com agudeza e "oportuna" impertinência, o filósofo francês analisa e redefine termos e conceitos, dialoga com as manifestações da arte e com o que se pensa sobre ela.

Como refletir sobre o fenômeno do "politicamente correto"?Deve-se utilizar com prudência essa noção de "politicamente correto", que serve um pouco facilmente demais como recusa para desqualificar tudo que se opõe ao consenso dominante. A reivindicação de "correção" está ligada a um aspecto efetivamente essencial do qual a noção de partilha do sensível pretende dar conta: as formas da dominação – de classe, de raça, de sexo – são, a princípio, formas inscritas na paisagem do cotidiano, na maneira de descrever o que se vê, de dar nomes às coisas. O perigo, a partir daí, é praticar uma simples operação cosmética sobre as formas da dominação: camuflar a realidade da dominação sob a representação de um universo de pequenas diferenças no qual cada identidade é provida de seu reconhecimento, seus direitos próprios; fazer reinar, por meio de uma linguagem eufêmica, uma outra forma de consenso.


O revisionismo é uma evidência da dimensão política da escrita? O revisionismo não pode, evidentemente, ser reduzido a uma questão do que é escrito. Há diversos revisionismos, nutridos por argumentos teóricos e paixões diversas. Mas ele tem, incontestavelmente, uma dimensão "escritural". O coração da demonstração revisionista é sempre uma estratégia discursiva que consiste em esmigalhar um evento – a revolução francesa, o genocídio nazista, entre outros – numa profusão de fatos para constatar, em contrapartida, que, somados uns aos outros, não faz nunca a lógica de um encadeamento rigoroso a partir de uma causa primeira até às últimas conseqüências. Ora, esta lógica da cadeia interminável está, de fato, ligada ao regime de escrita próprio ao regime estético. "A besteira é querer concluir": a frase de Flaubert resume uma certa moral da escrita e mostra a ligação dessa moral com toda uma série de implicações políticas, dentre elas o revisionismo.
As palavras, assim como a arte, podem ser revolucionárias?
As palavras têm um poder de ruptura. Elas embaralham a evidência segundo a qual as coisas seriam simplesmente o que elas são. Esse poder de ruptura tem múltiplos usos e, notadamente, permite a constituição de coletivos políticos unidos pela vontade de explorar o significado de palavras como liberdade ou igualdade. Isso quer dizer que não há palavras revolucionárias por si sós. O mesmo acontece com a arte. Saber se ela deve ou não ser engajada é uma questão vazia de sentido. A arte sempre faz política. O regime estético da arte é atravessado pelo projeto de uma arte que realiza suas potencialidades essenciais ultrapassando a sim mesma, criando, como diz Malevitch, não quadros, mas sim formas de vida. A revolução estética não somente se ligou à revolução social, como também lhe forneceu modelos. O que se passou na Rússia soviética não foi o confronto entre a política e a arte, foi o confronto entre uma política da arte revolucionária, criadora de formas de vida, e a visão estática da arte como ilustração da revolução social.

O senhor usa os termos política e polícia, mas não a palavra poder. Por quê ? Não me ocupo do poder como conjunto de dispositivos e técnicas de dominação. O que me interessa é a configuração do comum no seio da qual esses dispositivos e técnicas se inscrevem. Política e polícia são dois modos antagônicos dessa configuração. A polícia não é, para mim, o poder sobre os corpos, e sim a configuração da comunidade como totalidade orgânica, definida de maneira exaustiva por suas funções, seus lugares e suas identidades. A política, ao contrário, é a configuração da comunidade que abre essa totalidade, que faz intervir sujeitos suplementares que não são partes do corpo social, mas formas de subjetivação de um litígio. Pensar em termos de poder ou de tecnologias de poder é esquecer o espaço próprio da política como configuração conflituosa do comum da comunidade.

A democracia nunca passou de uma promessa, um sonho?
Deve-se inverter essa proposição. A democracia e a igualdade não são sonhos. Não são metas a atingir. São potencialidades que só ganham realidade se são atualizadas aqui e agora. A democracia é, seguramente, um sonho se alguém espera que, a partir dos próprios textos que declaram homens e mulheres iguais em direito, a igualdade se torne realidade. Ela deixa de ser um sonho quando mulheres e homens provam sua igualdade, sua competência igual para se ocupar das coisas comuns. Em outras palavras, a democracia não é nunca assimilável a uma forma de governo nem a uma forma de sociedade. Todo governo é oligárquico. Ele tende sempre a privatizar, em seu proveito, a esfera dos negócios comuns. A democracia não se trata de uma promessa, e sim de uma realidade que existe através dos atos sempre precários que a constroem. Para quem ainda não conhece sua obra, por qual livro se deve iniciar?Eu me sentiria tentado a responder recorrendo ao próprio princípio da emancipação intelectual, tal como ele foi desenvolvido em meu livro O mestre ignorante: pode-se começar por qualquer parte; não há iniciação por graus, não há uma via real pedagógica. Escrevi, aparentemente, sobre os assuntos mais diversos: a emancipação operária e a poesia de Mallarmé, a teoria política e a fábula cinematográfica, o discurso da história e a revolução estética. E o fiz segundo modos muito diversos de escrita, do estilo narrativo (A noite dos proletários ou Courts voyages au pays du peuple) ao estilo argumentativo (O desentendimento, Malaise dans l’esthétique), porque a constante do meu trabalho é romper com a separação das disciplinas e a hierarquia dos gêneros a fim de colocar em evidência a partilha do sensível, a maneira como a filosofia ou a literatura, a estética ou a história constitui seu discurso. Pode-se, portanto, começar por onde se queira, de acordo com o próprio interesse: estético ou político, pedagógico ou literário.



Saturday, July 07, 2007

entrevista Giacomo Marramao.07/07/07

Professor de Filosofia Política na Universidade de Roma III, diretor da Fundação Lelio Basso e membro do Collège International de Philosophie (Paris), Giacomo Marramao há décadas reflete sobre os temas e problemas da esquerda. Ficaram famosos os ensaios que escreveu nos anos 70 sobre os desafios da esquerda austríaca e alemã. Marramao é, também, um grande conhecedor de Antonio Gramsci, e, neste ano em que se completam 70 anos da sua morte, aqui reflete sobre o legado gramsciano.
Marramao já é bem conhecido do público brasileiro. Entre seus livros traduzidos, estão O político e as transformações (Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1990); Poder e secularização (São Paulo: Unesp, 1995); Céu e terra (São Paulo: Unesp, 1997) e Fragmento e sistema. O conflito-mundo de Sarajevo a Manhattan (Lisboa: Fim de século, 2003), com Angelo Bolaffi.
Qual é a principal originalidade do pensamento de Gramsci dentro da tradição marxista?A originalidade de Gramsci em relação à tradição marxista da Segunda e da Terceira Internacional deve ser buscada sobretudo em dois aspectos: a análise do poder e o papel dos intelectuais. Em relação ao primeiro aspecto, deve-se sublinhar a enorme extensão que o conceito de poder termina por assumir: Gramsci compreende-o como uma função complexa, não redutível ao monopólio estatal da força. O instrumento analítico ou, se se prefere, a chave interpretativa de que se vale a este propósito é dada pelo par Oriente-Ocidente (sob o qual se oculta o contraste entre a Rússia e a Europa Ocidental). Em sociedades caracterizadas por um elevado grau de diferenciação social, como as sociedades liberal-capitalistas da Europa industrial, o poder apresenta uma articulação e difusão “molecular” estranha à lógica despoticamente simplificada da Rússia czarista.Compreende-se, portanto, a razão pela qual muitos consideraram perceber neste aspecto da reflexão gramsciana uma analogia com a analítica do “poder difuso” desenvolvida algumas décadas mais tarde por Michel Foucault. Com efeito, para Gramsci o poder não pode ser conquistado com um “ato único”, como a tomada do Palácio de Inverno por parte de Lenin. Ao contrário, o complexo sistema de relações no qual o poder se realiza e se exerce pressupõe uma longa luta pela hegemonia, definida na célebre fórmula: “força + consenso”. Mas — e com isso chegamos ao segundo aspecto — a organização do consenso não pode ocorrer sem a mediação da cultura e dos seus funcionários: os intelectuais. Por este caminho, os dois pólos, o da análise do poder e o da “questão dos intelectuais”, são referidos ao tema crucial da hegemonia. Com a conseqüência de um duplo distanciamento: seja do economicismo gradualista da Segunda Internacional, seja do ideologismo insurrecionalista da Terceira Internacional.
Como o senhor considera o pensamento de Gramsci em relação à tradição teórica política italiana? Por exemplo, por que ele se obrigou a acertar as contas com Maquiavel?A referência a Maquiavel tem uma função dupla. Em primeiro lugar, uma função de significado teórico geral: a definição do partido como “moderno Príncipe” serve para assinalar a exigência de que o partido não se reduza a uma mera representação de interesses econômicos nem a um reflexo mecânico de uma lógica de classe, mas, em vez disso, se constitua como um sujeito político capaz de assumir toda a história nacional. Em segundo lugar, uma função específica, ligada ao déficit ético-político da burguesia numa nação culturalmente precoce mas politicamente tardia, como a Itália: neste sentido, cabia ao partido a tarefa histórica de realizar aquela “reforma intelectual e moral” que as burguesias de outros países (como a Inglaterra e a França) haviam desempenhado desde as origens da modernidade, produzindo um “senso comum” tecido de valores compartilhados, uma espécie de acumulação ética originária que acompanha a acumulação capitalista. Explica-se assim o uso positivo, em Gramsci, do termo “conformismo”: um uso incompreensível se não se levar em conta o contexto ético-político da sua argumentação.
Quais são as principais contribuições teóricas de Gramsci no debate da esquerda européia dos anos de 1920 e 1930? O senhor escreveu vários ensaios sobre o debate alemão da esquerda weimeriana e sobre muitos outros marxistas, como Kirchheimer, Neumann, Pollock, etc. Como se pode inserir Gramsci neste grande movimento intelectual inovador do marxismo?Tal como os autores marxistas citados, ou reacionários argutos como Carl Schmitt, Gramsci dirigiu sua atenção para as transformações que envolveram a dimensão do político entre as duas guerras: com a passagem da sociedade de livre concorrência para a sociedade de massas e com o conseqüente aparecimento de novas formas de poder (e de “modernismo reacionário”), baseadas numa organização disciplinar e capilar do consenso.
Em que sentido Gramsci ainda hoje nos interpela?
Gramsci nos leva a pensar nas mudanças da estrutura do mundo, seguindo o rastro das reflexões que nos foram legadas nos Cadernos do cárcere. O ponto de partida destas reflexões é que, no curso dos anos 1920-1930, não se assiste à crise do capitalismo, mas ao declínio do Estado-nação como sujeito histórico “hegemônico” na história da Europa moderna. Uma forma histórica já incapaz de fazer com que se desenvolvam novas formas de vida e de organização social. A análise do americanismo — da sua capacidade de originar formas de disciplinamento, ampliar as funções produtivas e as bases da democracia, tornando-se assim potência hegemônica no mercado internacional — mostra a Gramsci os caminhos através dos quais se estavam desenvolvendo um racionalismo e um industrialismo projetado além do Estado-nação (e além da lógica nacional-estatal das velhas elites dirigentes européias).Em vez disso, cabe-nos hoje uma tarefa adicional e diferente: delinear uma perspectiva a partir, exatamente, da crise da hegemonia americanista e fordista, para favorecer a constituição de uma subjetividade política capaz de compreender, governar e transformar em sentido democrático os mecanismos que regulam a economia-mundo.
O senhor poderia sublinhar quais são as contribuições mais importantes de Gramsci para uma teoria da política nos nossos dias?Difícil relacionar os múltiplos aspectos ainda vitais da reflexão gramsciana para a teoria política moderna. Limito-me a recordar três deles. A noção de “intelectual orgânico”, também definida numa fórmula simples e intensa: “especialista + político”. A idéia da democracia não só como sistema de regras e procedimentos, mas forma de relações — como a res publica de Maquiavel — capaz de reunir num conjunto dinâmico e vital uma pluralidade de sujeitos que interagem na base de mútuo reconhecimento. A perspectiva de um novo cosmopolitismo, capaz de promover a libertação dos indivíduos através de uma práxis de transformação baseada no acréscimo de saber e de ciência.O senhor pode falar algo sobre as relações entre economia e política em Gramsci?À parte as complexas relações com Piero Sraffa, que envolvem aspectos de teoria econômica que é difícil simplificar numa entrevista, uma das contribuições decisivas é constituída pela categoria de “mercado determinado”. Quanto a esta categoria, nunca vai se sublinhar suficientemente o papel desmistificador que tem em relação à ideologia — aliás, em relação a este verdadeiro fundamentalismo ocidental — que vê o Mercado como uma dimensão pura, “auto-regulada”, independente da política e do contexto ético e cultural que dá ao mercado, em cada caso, sua configuração histórica específica. Muito freqüentemente, as ideologias liberistas e neoliberistas são apenas a máscara da lógica de poder que governa a dinâmica da economia.Nesta linha de pensamento, como o senhor analisa hoje a questão cultural no capitalismo contemporâneo, um tema, como sabemos, muito caro a Gramsci?Um dos aspectos mais interessantes do revival internacional da obra de Gramsci é representado — ao lado do tema das transformações do “político”, no qual eu mesmo trabalhei por muito tempo — pela recepção dos Cadernos por parte dos Cultural Studies e dos Postcolonial Studies. Penso em fundadores de escola, como Stuart Hall ou Edward Said, antes de mais nada. Mas também em seus herdeiros e continuadores, como Ranajit Guha, Homi Bhabha, Arjun Appadurai, Gayatri Chakravorty Spivak, Dipesh Chakrabarty e outros. Nestes intelectuais, tornam-se centrais as noções gramscianas de “hegemonia”, “identidade cultural”, “subalternidade”: numa perspectiva em que a política se entrelaça com a antropologia, a abordagem histórico-sociológica com a análise literária comparada. Ainda é cedo para dizer algo definitivo sobre a fecundidade destas novas abordagens. Mas não é um acaso que, também na Itália, estes temas tenham sido retomados nos últimos anos por jovens e interessantes estudiosos (como, por exemplo, Emanuela Fornari, Miguel Mellino e Sandro Mezzadra).
Ressalto que Gramsci tem a dizer ao nosso presente da modernidade-mundo muito mais do que pensávamos. E, sobretudo, revela-se capaz de falar às mais diferentes culturas e gerações, pondo-as face a face na perspectiva do que chamei, nos meus trabalhos recentes, de universalismo da diferença.