*(LITERATURA CLANDESTINA REVOLUCIONÁRIA)*MICHEL FOUCAULT LIBERTE-ME.

VC LEU MICHEL FOUCAULT,NÃO?ENTÃO O QUE VC ESTÁ ESPERANDO FILHO DA PUTA?ELE É A CHAVE DA EVOLUÇÃO DOS HUMANOS.HISTORIA DA LOUCURA,NASCIMENTO DA CLINICA,AS PALAVRAS E AS COISAS,ARQUEOLOGIA DO SABER,A ORDEM DO DISCURSO,EU PIERRE RIVIÉRE,A VERDADE E AS FORMAS JURÍDICAS,VIGIAR E PUNIR,HISTORIA DA SEXUALIDADE,EM DEFESA DA SOCIEDADE,OS ANORMAIS...EVOLUÇÃO OU MORTE!

Saturday, May 31, 2008

"Rússia diz que não motivos para suspeitar de aspirações nucleares do Irã" 31/05/08

"Moscou não tem motivos para suspeitar do Irã sobre armas nucleares"Teerã rejeitou na terça-feira a fiscalização nuclear da ONU, novo relatório sobre o controverso programa nuclear do país.o direito do Irão de enriquecimento de urânio não é negociável."Não creio que os iranianos estão a tentar desenvolver uma bomba nuclear", disse Vladimir Putin. "Não temos motivos para pensar assim." "Formalmente, do ponto de vista jurídico, o Irã.até agora não violou qualquer coisa", disse ele. "Ele ainda tem o direito de enriquecimento de urânio." O Irã tem desafiado até agora três rodadas de relativamente leves sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o seu programa nuclear.
http://en.rian.ru/russia/20080531/108963007.html
putin disse isso pelo simples fato de ser a rússia quem patrocina o progama nuclear iraniano.
Crise no seio do estado maior inter-armas dos Estados Unidos A Casa Branca sacrificaria a 5ª Frota para justificar a destruição nuclear do Irão? http://resistir.info/irao/5_frota_eua.html
Por trás dos tambores da guerra ao IrãoArmas nucleares ou juros compostos?http://resistir.info/financas/brown_10nov07_p.html
A bolsa do petróleo do Irão e a ameaça bushiana
http://resistir.info/energia/currency_war.html
Planos de guerra da administração Bush para o Irã
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=6868
A guerra ao Irã
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=5685
Jogos de guerra iranianos: Exercícios,
testes e ensaios oupreparação e mobilização para a guerra real?http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=6337
A frágil hegemonia do dólar: A Bolsa Petrolífera do Irão pode derrubá-lo
http://resistir.info/eua/hegemonia_fragil.html

Alemanha vai banir imediatamente munição de fragmentação 31/05/08

A Alemanha renunciará a partir de já ao uso de armas de fragmentação, anunciaram os ministros das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, e da Defesa, Franz Josef Jung. A munição desse tipo ainda existente nos arsenais das Forças Armadas alemãs deverá ser destruída o mais rapidamente possível.Steinmeier e Jung saudaram o consenso a que mais de 100 países reunidos em Dublin chegaram quanto ao banimento dos armamentos de fragmentação. Os Estados Unidos, que não participaram das deliberações na capital irlandesa, anunciaram que não vão aderir ao acordo.

Friday, May 30, 2008

entrevista Jean-Bertrand Pontalis 30/05/08

PERGUNTA - Quando "caímos de amores" por alguém, iniciamos uma história?JEAN-BERTRAND PONTALIS - Penso que sim. Gosto muito desse verbo, apaixonar-se ["tomber amoureux", literalmente "cair de amor"], que, entretanto, é menos forte que no inglês, no qual caímos no amor ["fall in love"]. É uma queda. Ficamos muito felizes quando isso acontece mas também sobressaltados. O que está acontecendo comigo, o que vai acontecer comigo? Para onde caímos?Ou, melhor dizendo, de onde caímos? Caímos de nós mesmos, caímos fora de nós mesmos, caímos no outro. Até a alienação, como Swann [personagem de "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust], que cai no ciúme, na inquietação, na preocupação permanente, na busca, na investigação: o ser amado se torna totalmente impossível de ser apreendido, o "ser de fuga", como diz Proust.Ou então é a outra parte de nós mesmos que se exprime...Assim, um de meus personagens começa a vigiar a mulher que ele ama, a desconfiar dela, a segui-la como um detetive... É um outro que nos é revelado dentro de nós mesmos. Como quando escrevemos: não sabíamos que sabíamos aquilo.PERGUNTA - Para o sr., contudo, falar de amor é fazer o elogio do amor.PONTALIS - Um elogio da diferença -da diferença sexual. O outro é verdadeiramente o outro. É o outro que pode descobrir o que temos de outro em nós mesmos, nossa própria feminilidade, talvez.Uma das grandes contribuições da psicanálise é manter a idéia da bissexualidade psíquica, ao mesmo tempo em que afirma a diferença entre os sexos. Somos bissexuados e anatomicamente diferentes do outro sexo. A anatomia é o destino!PERGUNTA - Quando nos apaixonamos, nos aproximamos dos animais ou nos distanciamos deles?PONTALIS - Nós nos distanciamos. Aliás, o sexual não está obrigatoriamente em jogo nesse momento. Inversamente, se você sente o desejo irreprimível de transar com uma garota, não necessariamente está apaixonado por ela.
PERGUNTA - Seu livro é extremamente masculino. Poderia igualmente intitular-se "Nós".PONTALIS - Nós, com elas, contra elas etc. Não posso assumir o ponto de vista de uma mulher. Mas é justamente esse um dos temas do livro: o homem não tem acesso ao gozo da mulher. Ao mistério dos mistérios.PERGUNTA - Ou seja, como você pode ter certeza de que ela gozou?PONTALIS - Exatamente. É claro que existem alguns sinais "objetivos", contrações vaginais, o que eu sei disso? Que, além disso, pode ser histérica. Mas só podemos imaginar o que ela sente. Dizem sempre que é mais localizado no homem e mais geral na mulher, mas isso é vago. O gozo feminino é irrepresentável, logo, de certa maneira, inimaginável."O que deseja a mulher?", pergunta Freud, que, contudo, tinha o ar de saber um pouco sobre isso. Mas o que pede o homem? Para mim, a diferença vem da mãe. Um garotinho tem dificuldade em ligar a mãe e a mulher.Tentamos explicar as coisas, falamos dos corpos, do desejo, do ciúme com relação ao pai, mas é uma maneira de organizar nosso desconhecimento.A pergunta que não quer calar é: com o que sonham nossas mães? Como quando o narrador observa Albertine dormindo e se indaga: como ter acesso a seu pensamento, a seu desejo? Para onde eles a conduzem? Eis o inapreensível: a parte feminina da mãe.PERGUNTA - Com o passar do tempo, a capacidade de amar diminui, assim como o resto?PONTALIS - A libido pode se enfraquecer, mas ela se desloca para outros lugares, para o trabalho, a criação, o poder, pois uma das grandes descobertas de Freud é que a libido não está ligada unicamente ao sexo.Somos apaixonados em qualquer idade. O resto não decorre, necessariamente... [o poeta Paul] Valéry dizia que um velhote apaixonado é "sem pé nem cabeça". Mas nem por isso ele deixa de se apaixonar.PERGUNTA - Por que nos apaixonamos por esta e não por aquela?PONTALIS - É uma pergunta impossível de responder e que nos fazemos freqüentemente em relação aos outros.O que ele vê nela? Ela não tem nada de especial! E ele, o único que poderia responder, tem a capacidade de julgamento falseada por seu amor.Dito isso, você pode muito bem não ser cegado pelo amor, pode enxergar os defeitos do objeto amado, pode enxergar nele o que os outros ignoram e amá-lo apesar de seus defeitos, até mesmo por seus defeitos.
Sou o único a saber disso, sou eu quem a descobriu, eu gosto disso. Não existe cegueira, mas superestimação e, mais ainda, idealização: ela é então a dama do trovador. O amor torna-se casto.PERGUNTA - O amor precede a cegueira ou vem depois dela?PONTALIS - Em "A Anatomia da Melancolia", Robert Burton (1577-1640) diz: "O amante é obcecado por ela: seu rosto doce, seus olhos, seus atos, seus gestos, suas mãos, seus pés, suas palavras, sua altura, sua largura, sua profundidade e todas as suas outras dimensões são, desse modo, revistas, medidas e registradas pelo astrolábio de suas fantasias".Essa palavra chamou minha atenção. Haveria dentro de nós um aparelho que orienta nossa travessia. Se, então, eu não puder responder à pergunta "o que ele vê nela?", é porque não tenho acesso a esse astrolábio de suas fantasias. Não tenho realmente acesso ao meu, tampouco. A escolha não é realmente voluntária e não é nem sequer fixa: ela é móvel, como nossas fantasias.


PERGUNTA - Por que devemos nos esforçar para agradar?PONTALIS - Não agradamos -atraímos. É a imantação da qual fala Burton. Em outras palavras, buscamos fazer o outro sair de si. Como um ator. Não estou dizendo que fazemos de conta. Não é algo artificial, pensado. Mas é esse o princípio.PERGUNTA - Somos desiguais na capacidade de amar, de gozar, de sofrer?PONTALIS - Com certeza, assim como somos desiguais em nossa capacidade de sonhar.PERGUNTA - Quando amamos, somos um ou dois?
PONTALIS - Essa fusão com freqüência é ilusória. Como diz [o cineasta] Woody Allen: "Que noite de amor maravilhosa! Éramos apenas um: eu". Queremos nos fundir no outro, desde que seja em nosso próprio benefício.Em todo caso, não é bom ter sido amado demais, ter certeza demais disso. Freud dizia que tinha tanta certeza de ser amado por sua mãe que isso o tornou conquistador por toda a vida. Ao mesmo tempo, isso pode ser paralisante. Se satisfazemos plenamente a nossa mãe, ficamos paralisados com os outros.O que o amor tem de bom é que ele nunca nos satisfaz totalmente. As mulheres às vezes acreditam que podem ser plenamente satisfeitas. Talvez essa idéia de vazio preenchido.Talvez elas o sejam durante a gravidez? Vemos algumas que estão num estado de realização total. Mas o amor, a sexualidade sempre têm algo de inacabado. Freud diz ainda: existe na pulsão algo que resiste à satisfação plena. Não à satisfação, mas à satisfação completa.PERGUNTA - Quando alguém ainda não fez amor, é um virgem ou um cabaço?PONTALIS - Um garoto é um cabaço, uma garota é uma virgem. Talvez por causa de Maria. Ser virgem é uma escolha. Ao passo que ser cabaço é uma fatalidade. O orgulho do descabaçado.Eu sou alguém, eu não sou mais qualquer um.PERGUNTA - Por falar nisso, o que é "ir longe demais"?PONTALIS - É temer que tudo possa voltar a ser banal. Muitas vezes sinto esse desejo de deixar as coisas como estão, de ser casto. Por medo de que tudo desabe.PERGUNTA - O sr. reserva palavras terríveis para o amor que se queixa.PONTALIS - É a queixa do doente, não a do grande doente, mas, sim, a do hipocondríaco: sinto dor aqui, sinto dor ali. O mundo é injusto, porque ela não me ama, ela me trai, ela é inacessível. É o narcisismo: isso não quer dizer "por que ela não me ama como deveria?", mas "como eu mereço"! Sendo que ela ainda gosta desse imbecil! A raiva, nesses casos, ainda supera muitas coisas. É melhor.
PERGUNTA - Podemos nos apaixonar por uma pessoa que nos faz bem ou nos faz mal. Não sabemos por que o dado cai desse lado ou daquele lado?PONTALIS - É verdade. O amor cai sobre você, independentemente de qualquer projeto, de qualquer plano. É como uma travessia: vai fazer sol ou cairá uma tempestade? Às vezes um único objeto amado dá os dois resultados: apenas aquele que faz você sofrer pode curá-lo de seu sofrimento.
O remédio está no mal. Assim como "eu te amo" também significa que você lança suas garras sobre alguém. Você é minha presa. É tanto uma declaração de amor quanto uma declaração de guerra.

porta-aviões de guerra americano,USS Kitty Hawk 30/05/08 Kitty Hawk tem operado a partir de Yokosuka no japão.





Thursday, May 29, 2008

entrevista Bernard-Henri Lévy 29/05/08

Como teve início sua atração por viagens e aventuras políticas?
Bernard-Henri Lévy: Desde sempre. Meu primeiro ato político e literário foi a viagem. Quando tinha 20 anos, e saí da temporada esquerdista parisiense, três anos depois de 1968, fi z uma grande viagem, parti para Bangladesh e participei da guerra de libertação de Bangladesh contra o Paquistão. Desde aquele momento houve para mim uma identidade entre escrever e viajar. Não sou um escritor sedentário. Meus dois últimos livros, sobre os Estados Unidos e sobre o jornalista Daniel Pearl, mostram isso. Ou mesmo o livro sobre Jean-Paul Sartre, que é uma viagem na cabeça de alguém. Sou um escritor viajante. Creio realmente que um intelectual não deve estar restrito às fronteiras de seu país; um homem, em geral, e um intelectual, em particularé alguém que deve se ocupar do mundo. Mesmo alguém que não escreve livros deve se ocupar do mundo.
O que mudou dos anos 70 até aqui para você e para o cenário político?
Ao menos para mim, não muita coisa. Talvez eu viva na ilusão e na fantasia, mas tenho a impressão de que sou o mesmo. Não mudei de objetivos nem de idéia sobre o que faço ou sonho, meu ideal. Luto pelas mesmas coisas, da mesma maneira e com a mesma energia. Não sei dizer se resta ainda um lugar para o intelectual engajado, porque naquelesanos 70 existia uma figura enorme nesse sentido, a figura de Sartre. Mas essa diferença seria porque ele era maior do que todos os intelectuais franceses hoje ou o espaço do intelectual era mais importante do que é neste momento? Talvez o lugar continue o mesmo, mas antes tínhamos um gigante incomparável: Sartre.Ou talvez a política esteja em um momento medíocre.Durante muito tempo a política se definia em relação à idéia de revolução. O que eram esquerda e direita? A divisão entre os que esperavam a revolução e aqueles que duvidavam dela. A novidade do momento que vivemos hoje, na maior parte do planeta, é que a idéia de revolução se apagou. Não porque pensamos que ela se tornou impossível, mas porque não é mais desejável. Uma grande maioria pensa hoje que o que esperávamos nos anos 60, 70, com a revolução, não é mais desejável.Isso significa o fim da idéia de utopia? Depende do que você entende como utopia. No seu sentido maior, utopia quer dizer desejar um mundo melhor. É claro que isso existe ainda. Os melhores entre nós continuam a desejar um mundo melhor. Isto é, melhor do que aquele que temos. Brasileiro, europeu, americano, pouco importa. O sonho de um mundo melhor é um sonho que fica. E é preciso lutar por essa idéia. Mas a utopia em um senso estrito, a de um mundo perfeito, isso não existe mais.
sua passagem pelos estados unidos mudou o modo como voçê via o país?Mudou tudo. Eu cheguei como qualquer um, como qualquer viajante, com a cabeça cheia de clichês, e essa viagem foi uma demolição de clichês, todos os dias. Cada página do livro, cada capítulo, cada vinheta é como um tiro ao pombo dos clichês. Eles se desfaziam sozinhos, que é sempre o poder das verdadeiras pesquisas, as verdadeiras viagens.Dissolver os preconceitos é uma forma de lutar contra o medo? Hoje há medo dos países árabes, dos Estados Unidos, da China.sim,há coisas das quais temos razões para ter medo, outras não; o medo não é um conceito. Não sou contra ou a favor do medo, isso depende do que falamos. Tenho medo do islamismo radical, mas não tenho medo do Islã. Tenho medo de George Bush, mas não tenho medo dos Estados Unidos. Tenho medo de Mahmoud Ahmadinejad [presidente do Irã], não do povo iraniano. Mas é preciso ter medo da China, de um regime que não respeita os diretos humanos. Não é o caso de ter medo que a China roube dos Estados Unidos a hegemonia mundial, essa não é a questão. Que o centro da história se desloque, por que não? O problema é que a China continua um país totalitário. As Olimpíadas do próximo ano na China terão como pano de fundo uma caça sem precedente aos dissidentes chineses, e nós estamos calmamente aceitando.Por que aceitamos tudo da China?O Deus do Ocidente é o comércio, o comércio antes de tudo. A grande ilusão do Ocidente é acreditar que basta fazer o comércio com uma nação totalitária para que ela se torne uma democracia. Isso não é suficiente, porque existe o comércio da política, da pressão política, da guerra das idéias. Acho que com a China temos sido tolerantes demais. Aceitamos tudo. Talvez essa seja uma grande refl exão a ser feita, sobre as relações entre democracia e guerra. As democracias têm muita difi culdade de defender pela força seus valores.

Wednesday, May 28, 2008

entrevista Bernard Stiegler 28/05/08

- O Sr. faz parte de uma geração posterior àquela que chamou um dia a"Belle Époque", quando havia, entre outros, os seminários de Foucault, Lacan, Deleuze e até recentemente Derrida. Como considera o legado desta geração dos anos 1960?Muitas coisas aconteceram nos anos 1960 na França... Não há apenas Foucault,Deleuze, Lacan e Derrida. Há o estruturalismo, a lingüística, Althusser e o debate político. Há Roland Barthes. Quando penso naqueles anos, indago-me em que medida posso falar deles sem que uma certa nostalgia, um luto imaginativo e uma idealização
invalidem o que ainda guardo hoje. Tanto mais que se trata de uma época que conheci pessoalmente – era minha juventude, tinha 8 anos em 1960, e me tornei adulto em
1970, já trabalhava, em breve seria pai. Foram os anos em que cresci e, ao mesmo tempo, no que diz respeito à vida intelectual francesa, que conheci de ouvir-falar: não
somente porque era jovem demais para ir aos seminários, mas também porque não era intelectual. Eu vinha do meio dito "popular". Todavia, tenho o sentimento de ter
conhecido essa época pessoalmente muito bem, sentindo que então se passavam grandes coisas, também na política. Por exemplo, no início dos anos 1960, durante a terrível guerra da Argélia, houve a mobilização dos 121, redigido por Maurice Blanchot e Dionys Mascolo. Eu sabia que os intelectuais dessa época eram muito engajados na vida política, arriscavam-se. Francis Jeanson tinha, desse modo, organizado uma rede de ajuda à Frente de Libertação Nacional. Era também um momento de verdadeiro debate, de diálogo, entre personalidades tais como Lévi-Strauss, Lacan, Althusser, etc.Lévi-Strauss não era comunista, mas escutava os marxistas e discutia com eles. Lacan debatia com Althusser – e isso pelas vias ou no contexto de uma teoria que se
chamava de estruturalismo. Lamento que hoje esse espírito tenha completamente desaparecido. Com certeza, ele era feito de algumas ilusões, quanto à potência da lingüística, quanto ao marxismo, por exemplo. Mas parece-me que, ao perder tais ilusões – e isso era indispensável – abandonou-se com o mesmo gesto uma ambição igualmente necessária.No fim dos anos 1960, entrei no partido comunista, e foi assim que comecei de fato a conhecer alguns desses debates: a imprensa comunista então os fazia ecoar,especialmente nas Lettres Françaises e sobretudo na revista teórica do partido comunista,La Nouvelle Critique. Os intelectuais se interessavam pelo que se dizia no partido comunista e o partido comunista também se interessava pelos intelectuais, mesmo quando estes não eram comunistas. Apesar de Budapeste, em 1956, e do fato de –após 1956 e a repressão à insurreição da Hungria pelos soviéticos – Claude Lefort,
Jean-François Lyotard, Cornélius Castoriadise e Edgar Morin terem criado "Socialismo
e Barbárie", apesar igualmente da revelação no XX Congresso do partido comunista da União Soviética dos crimes de Stalin, um diálogo continuava aberto entre os chamados "intelectuais" e o "partido da classe operária".Ora, esse diálogo também existia entre as disciplinas e estou certo de que essa abertura disciplinar provinha fundamentalmente da dimensão política do pensamento.
Isso era sustentado por antropólogos, lingüistas, psicanalistas, historiadores,epistemólogos, filósofos. Porém, o estruturalismo se desenvolvia tendo como pano de fundo uma grande ingenuidade filosófica ou metafísica. Primeiramente, havia em alguns estruturalistas a crença de que seria possível se livrar dos falsos problemas da filosofia,
operacionalizando o método estruturalista; por exemplo, em alguns pesquisadores das ciências da linguagem, ou na antropologia, no movimento de Lévi-Strauss, bem como no de Dan Sperber, que em seguida se tornou cognitivista – e é preciso meditar a respeito dessa evolução. A antropologia associada à lingüística, à semiologia, à
textologia e à poética, tinha a ambição de resolver as grandes questões que a metafísica colocara para si, desde Platão – mas que tinham sido mal elaboradas, na ausência de um método adequado. Esse método era o estruturalismo.No final dos anos 1960, apareceram, através de Foucault, Derrida e Deleuze,abordagens provenientes da própria filosofia, que criticavam esse método. O método estruturalista tinha ajudado a realizar a crítica da metafísica do sujeito. Mas o fazia tendendo ele mesmo a perder-se numa outra metafísica, por assim dizer uma metafísica
do método, muitas vezes subestimando a riqueza de conceitos como os originários da
fenomenologia, por exemplo, em relação à qual o cognitivismo – inspirado pelo estruturalismo generativo de Chomsky e pelo pensamento analítico, que se apropria de maneira mais ou menos metafísica de Wittgenstein, Austin e alguns outros, incluindose nisso evidentemente o positivismo lógico – é um avatar, mas um avatar que em seguida terá um papel enorme, pois conseguirá encontrar a realidade do devir tecnológico das "máquinas de linguagem".A crítica dessa metafísica ela mesma provinda de uma crítica da metafísica,resultou, do lado de Derrida, no que logo se chamou de "pós-estruturalismo", o qual,no fim dos anos 1970, quando estava na prisão [antes de sua carreira universitária,Stiegler foi preso por assalto a banco], foi para mim uma revelação. Houve como que uma "supercrítica", o estruturalismo ajudando a "desconstruir" a fenomenologia e esta permitindo apontar a maneira como o estruturalismo reconstruía sua própria metafísica.No entanto, penso que nisso algo se perdeu de uma ambição inspirada por um
pensamento vindo de outro lugar, de Jakobson, de Trubetzkoy, e de toda a tradição
dos formalistas russos e de Saussure.A partir de 1978, eu mesmo trabalhei muito com Saussure, grande inspirador dos conceitos e métodos do estruturalismo, com Trubetzkoi e Hjelmslev, e nunca deixei de pensar, e penso ainda, que a questão saussuriana não se esgotou, e que a
crítica do estruturalismo, proveniente de Foucault, de Deleuze ou de Derrida, não deu conta da questão colocada pela teoria saussuriana, especialmente da divisão entre o sincrônico e o diacrônico. Derrida realizou um trabalho maior, decisivo, com a oposição entre o significante e o significado, e de modo mais geral, aliás, com todo o sistema opositivo pressuposto pela abordagem estruturalista ou a que esta inevitavelmente conduzia. Todavia, a crítica dessa oposição não tratava, a meu ver, do cerne da questão,que é a diferença – e não a oposição – entre o significante e o insignificante; nesse caso, a questão não é mais a do significado, que conduz à estase platônica, mas a da significância, que é um processo – implicado evidentemente no conceito [derridiano]de " différance".Faz 25 anos que trabalho numa teoria alternativa em relação ao que proveio de Saussure ou da crítica deste, retomando suas questões iniciais. Tudo o que escrevi é uma introdução a uma teoria da semiosis, mas que passa – e creio que essa é a
novidade – pela questão da técnica. A esse respeito, cabe assinalar que no âmago dos
anos 1960, enquanto Lévi-Strauss, Derrida, Deleuze, Foucault, Lacan e Barthes realizavam
seus seminários, duas outras personalidades de primeira plana trabalhavam com a maior discrição: Simondo e Leroi-Gourhan. Este último, antropólogo, se dizia também estruturalista. Porém, tratava-se de um estruturalismo alternativo em relação ao de Lévi-Strauss: ele não era formalista e formulava questões de estrutura num estilo que faz pensar no de Braudel, porque punha a questão da duração [ durée] no cerne do
pensamento, a partir do material técnico produzido pela etnografia, pela arqueologia e pela pré-história. Tratava-se de um estudo estrutural das relações entre o vivo e o não-vivo, ou seja, a técnica e a linguagem. Leroi-Gourhan postulava em princípio que a linguagem e a técnica constituem dois aspectos da mesma questão: a projeção do vivo para fora de si mesmo, o que hoje chamo de sua ex-clamação.Ora, naquele momento, ninguém, salvo talvez alguns marxistas, se interessava
por esses trabalhos, com exceção de Derrida, que escreve um artigo a pedido de Jean Piel para a revista Critique, em 1965. Ele escreve também, ainda sob encomenda de Piel, um artigo sobre Rousseau e A Origem das línguas, e em 1967 aparece um livro que é uma combinação desses dois artigos e um desenvolvimento considerável,
constituindo um comentário muito importante de Saussure e de questões da lingüística,ao mesmo tempo que de Heidegger e das aporias da Eigentlichkeit, confrontada à questão do rastro e ao que Derrida nomeia como a lógica do suplemento. Isso resulta no livro capital, para mim, mas sobretudo para a história da filosofia, que constitui a Gramatologia.Coloca-se então a questão de uma gramatologia como "ciência positiva". Mas esta exigiria uma história do suplemento, como o próprio Derrida a anuncia: o suplemento apenas é suplementar precisamente na medida em que é histórico, ou seja, acidental. Diria eu: protético, ou seja, técnico. Ora, essa historicidade do suplemento e a sua tecnicidade nunca será aprofundada. Derrida utilizará Leroi-Gourhan conceitualmente, sem resultar em nenhum diálogo com os arqueólogos, por exemplo, em nenhum trabalho com os antropólogos. No entanto, tudo isso levará Derrida a outras questões bem importantes e apaixonantes.Mas elas deixarão, na minha opinião, todo um programa ocioso, como também o diálogo entre as disciplinas, sem o qual ele não acontecerá.Eis como pude falar de "belle époque": designava com isso uma época em que ocorria um intercâmbio entre as disciplinas, de tal modo que ele repousava no elo consubstancial entre pensamento e política.
Quanto a Simondon, este trabalhará igualmente com os objetos técnicos e com os processos técnicos, no final dos anos 1950 e no decorrer dos anos 60. Mas sobretudo ele desenvolverá um conceito capital, o processo de individuação psíquica e coletiva, em relação ao qual o que diz do processo de concretização para compreender a gênese dos mecanismos industriais é apenas uma aplicação. Simondon se encontra mais próximo de um pensamento sistêmico do que do pensamento estrutural. No entanto, ele analisa as condições de constituição do que chama de estruturas da individuação. O pensamento do que nomeia como a meta-estabilidade é essencial
tanto à compreensão do que chamei há pouco de questão da significância, quanto à
análise da evolução dos sistemas técnicos.Ora, a época não se conscientizará da importância de Simondon, com exceção de Deleuze, que dele tirou proveito mas que não abriu explicitamente a discussão. E creio particularmente que Deleuze não apreendeu bem o sentido da questão técnica
colocada por Simondon.Essas questões devem ser relançadas hoje. Está na hora de retomar as intenções primeiras de pessoas como Leroi-Gourhan e Simondon, a partir das críticas ou das
apropriações propostas por Deleuze e Derrida, ao tempo em que se revisitam as questões
colocadas por Saussure.Gostaria aqui de acrescentar que Roland Barthes desempenhou um papel importante para mim em tudo isso. Desde muito cedo ouvi falar bastante dele: Barthes escrevia artigos para jornais, em particular L’Observateur, que depois veio a ser Le Nouvel Observateur. Esses artigos se tornaram um livro, Mitologias, que eu li bem antes de fazer filosofia. Eram textos magníficos – de algumas poucas páginas, que se dirigiam ao leitor de L’Observateur. Naquele momento, os jornais tinham a audácia de publicar pessoas que, elas mesmas, ousavam se arriscar enormemente. Falando do DS 21, um modelo do fabricante de automóveis Citroën, Barthes iniciava discussões para um público vasto, as quais me foram extremamente úteis. Reli isso na prisão e foi muito excitante. Barthes – e o reprovaram bastante por isso, eu próprio assim o fiz –
parecia um tanto versátil, passando de um assunto a outro e principalmente de um modelo teórico a outro. Ele estava fascinado, apaixonado, excitado com a teoria semiológica de Saussure e, de repente, punha em causa essa teoria – então dizia-se que ele não era sério, não indo muito a fundo nas coisas. Na realidade, ele ia a toda velocidade, sendo de uma extraordinária generosidade, acreditava no pensamento e assumia diversos riscos. Muitas vezes dizia ter-se enganado, desejando passar para outra coisa, e creio que essa era, finalmente, a marca de uma grande honestidade,apoiada numa extrema vivacidade, muito livre em seus movimentos. Evidentemente ele era por vezes ingênuo, mas penso que era uma boa ingenuidade. Era uma ingenuidade generosa que convidava a pensar e que lamento ter desaparecido atualmente. Barthes trabalhou com Saussure e as questões que colocou a partir desse trabalho me fizeram
refletir muito, ainda quando me pareciam bastante ingênuas, em particular como semiologia. Barthes morreu prematuramente: creio que se tivesse vivido mais tempo toda essa Odisséia que realizou com o pensamento dos anos 1960, de que era tão representativo, teria dado o que lhe era próprio e teria assumido sua grande forma –talvez como esse projeto de mathesis singularis, evocado n’ A Câmara clara, o único livro de Barthes que utilizei explicitamente em meu próprio trabalho. Ora, essa idéia de uma mathesis singularis voltou recentemente em meus escritos, como questão da singularidade e sobretudo de uma economia política das singularidades.
- Em sua opinião, quais são as forças e as estratégias de resistência que hoje se podem opor à vaga de violência neofascista – ligadas ou não ao Front Nacional[Partido de Jean-Marie Le Pen], por exemplo –, levando-se em conta que os partidos de esquerda, em todo o mundo, especialmente os socialistas na França, fracassaram em resolver os problemas mais graves das sociedades contemporâneas?Gostaria de nuançar duas palavras na questão: por um lado, acredito que não se trata de resistir ao fascismo, se é que se trata de fascismo. E, por outro lado, não é o caso de se colocar tais movimentos ultra-reativos e reacionários de imediato na categoria historicamente bem conhecida de fascismo – que, além disso, talvez nem seja tão conhecida apenas por isso, mas à qual corresponderam grandes lutas, bem identificadas do ponto de vista histórico, como o fascismo espanhol, resultando numa
guerra, cujo emblema era o de "o fascismo não passará", no passaran, como se dizia contra Franco. A questão de saber o que é o fascismo é muito complicada. Por exemplo,se o nazismo é totalitário, não se pode dizer de maneira absoluta que o fascismo de Mussolini é totalitário e, em todo caso, ele não é totalitário como o que se chama de
totalitarismo nazista ou o totalitarismo stalinista.De qualquer modo, não estou certo de que, por exemplo, o Front Nacional na França seja fascista no sentido próprio do termo. Evidentemente os líderes do Front Nacional reivindicam a herança fascista e cultuam relações com as ligas fascistas
italianas, ou com as que pleiteiam o fascismo, até mesmo com o neonazismo da Alemanha ou dos Países Baixos e do Norte da Europa.[...]Mais uma observação: não é o Front Nacional que me interessa, mas sim as pessoas que se deixam atrair por ele. Esses são meus primeiros interlocutores. É a eles que me dirijo hoje, no momento em que lhe falo, e não aos partidos socialistas. O que me interessa é, através de meus estudantes, colegas, amigos, do Sr. mesmo, me dirigir a essas pessoas – e ao que, deles, já está no Sr., já está em mim, já é o que nos destrói,
enquanto formamos um nós, pois se tal não fosse o caso nem mesmo poderíamos conceber a existência dessas pessoas e elas não nos fariam sofrer, não nos inquietariam tanto. O que me interessa é fazer de todos, meus amigos, intermediários, criando, ao lhes falar, embaixadas que se dirijam a essas pessoas. Sei que elas não me ouvirão.Mas o que me importa, quando o Sr. me coloca uma questão, é responder-lhe tendoas em vista, enquanto, afetando-me, elas me falam de mim, do Sr., de nós.Portanto, essas pessoas são meus principais interlocutores e formam como que um inencontrável interlocutor providencial, se me atrevo a dizer, depois de Mandelstam.
Não posso consegui-lo. É óbvio que se me dirigir a elas, o que lhes disser não será ouvido. Cabe então me dirigir ao Sr. para nós dois tentarmos construir uma inteligência coletiva e compreendermos que o que as faz sofrer é o limite do que nos faz sofrer, ou seja, essa é nossa insuficiência, nossa carência, nossa responsabilidade.Dediquei no ano passado um livro aos eleitores que votaram no Front Nacional em 21 de abril de 2002, na França. Num primeiro tempo, tinha pretendido dar como título "Por que não votei no Front Nacional". É uma maneira de dizer que o espantoso não é que se vote no FN, mas, ao contrário, que não haja outros a agirem da mesma maneira.Espantoso é que algo faça com que eu não vote no FN, quando se observam em toda parte tendências levando a esse caminho: o número de pessoas que conheço há muito tempo e que ouço fazer discursos islamofóbicos ou, de modo mais geral, profundamente
reacionários, não pára de crescer. Ao mesmo tempo, as passagens ao limite e os processos
de ruptura, induzidos por mudanças econômicas, tecnológicas e culturais, são de tal amplitude que, finalmente, é surpreendente não haver mais pessoas que caíam nessa armadilha; ao ponto de nos indagarmos: não caímos nós também, mas de outro modo?A esse respeito, já que o Sr. fala dos partidos socialistas europeus, estes têm uma responsabilidade esmagadora na escalada de tais movimentos. Eles os manipularam,utilizaram-nos em particular na França. Não digo que sejam responsáveis por seu nascimento, isso seria totalmente injusto. Com ou sem razão, muito se acusou François Miterrand de ter manipulado esses partidos. Julgo que, infelizmente, isso não é falso.Não excluo que seja falso, espero que o seja. Mas ao mesmo tempo, esses partidos
progrediram na Itália, na Alemanha, na Bélgica, em inúmeros lugares. E não se deve esquecer que a Direita espanhola, ainda no poder um ano atrás, provinha em parte do fascismo. Isso é muito inquietante. Há movimentos xenófobos no sul da Espanha abominavelmente violentos. Os partidos socialistas não são diretamente responsáveis por tudo isso. Em contrapartida, eles não perceberam a amplitude dos processos e o novo pensamento político que isso exigia, não buscando em absoluto criar um movimento social digno desse nome e renunciando a pensar o porvir do proletariado e, finalmente, a desenvolver qualquer pensamento político. Ao contrário, contribuíram a seu modo para liquidar o político.Tento, neste instante, desenvolver um novo conceito de proletariado, que chamo de proletariado generalizado, pensando o consumidor como uma espécie de proletário.No século XXI, o proletário é o produtor que perdeu sua habilitação específica, pelo fato de não dispor senão de uma pura força de trabalho, reduzida com isso ao
estatuto de mercadoria: o proletário vende seu corpo que se tornou inculto, porque seu saber passou para a máquina. O novo proletário é aquele que perde, já no fim do século XX, suas habilitações, em função da padronização de seus hábitos de consumo,dispondo tão-somente de um poder de compra – este tende, contudo, a se restringir naquilo que se chama de democracias industriais. O consumidor se torna, também ele, uma mercadoria, enquanto sua consciência, como fluxo temporal e modo de acesso aos hábitos do corpo, é vendida no mercado das audiências, em que se forjam hábitos planetários de consumo.Os partidos socialistas acreditaram na estupidez do devir-classe-média de toda a sociedade, sabendo-se hoje tratar-se de uma fábula. Atualmente as classes médias estão se tornando proletárias, a um só tempo por terem empobrecido financeira e economicamente e, sobretudo, por terem mergulhado na miséria simbólica, resultante das perdas de habilitação específica. Foi a isso que os partidos socialistas renunciaram a pensar do ponto de vista político, contentando-se em administrar economicamente a dinâmica de crise do capitalismo.É a partir desse contexto que uma releitura do que se debateu nos anos 1960 deve ser reativada. Cabe revisitar tudo isso de uma maneira decididamente crítica e sem tabu. Mas é preciso fazê-lo a partir de uma questão que os partidos políticos e a maioria dos intelectuais renunciaram a pensar ou foram incapazes de fazê-lo: o que Nietzsche chama de niilismo, ou seja, a igualação tal como esta conduz a uma proletarização
generalizada. A extensão, mas também a complexificação desse niilismo, é o que se traduz como reino do ressentimento. É esse ressentimento que se exprime atualmente,em toda parte e cada vez mais, em particular, bem entendido, como votos de extrema direita nacionalista, populista etc. Mas não há somente tais formas de expressão: há muitas outras, menos chocantes, porém talvez mais perniciosas. Nossa grande questão é o niilismo que produz as figuras atuais do ressentimento e que produz a gregariedade,também chamada de igualação por Nietzsche. Esse ressentimento é expresso contra todos os tipos de aspecto da grande transformação que estamos vivendo, ligada a uma mutação do capitalismo, a uma nova forma do capitalismo que não é mais em absoluto aquele de que fala Marx, e essa novidade permanece subanalisada. Tanto quanto eu
saiba, não há nenhum debate sério sobre isso entre os filósofos.Ora, além disso, não se pode analisar essa situação sem levar em conta o fato de que esse ressentimento se exprime contra o porvir técnico e tecnológico. O que a esfera política em geral não consegue pensar é a técnica – mas essa carência da política apenas traduz a da filosofia.
- A ficção, a técnica e o político estão no cerne de sua conferência no Rio de Janeiro. Qual o lugar da ficção, no momento em que justamente se vê a " hipertécnica" produzir cada vez mais efeitos ficcionais, substituindo de certo modo a narrativatradicional (epopéia, romance, crônica, conto)?É preciso, justamente, pensar a ficção a partir da técnica e não a técnica a partir da ficção. Ou, antes, é preciso pensar a técnica como ficção e a ficção como técnica, inclusive como tekhné, implicando assim Platão de imediato.
Isso quer também dizer que a questão da técnica é a questão da memória; o que a metafísica e, com ela, o pensamento político nem sempre compreenderam, cujas conseqüências teóricas e práticas nunca souberam mensurar – embora a questão tenha
sido colocada desde Platão, como questão da hypomnésis, como apontou magnificamente Derrida. Foucault a reabriu, por sua vez, como a questão das técnicas de si e como a prática das hypomnémata nos estóicos e nos primeiros cristãos.A técnica foi recalcada como objeto de pensamento justo porque foi declarada
como sendo estrutural e irredutivelmente fictícia. Foi também por isso que se apagou o pensamento da técnica como ficção e da ficção como técnica, em proveito de um pensamento da ficção na linguagem e como o oposto da verdade na linguagem, como pseudos, como mentira e como questão moral. Se é uma operação que foi evidentemente iniciada por Platão, o grande recalcador da questão da técnica que de alguma maneira proibiu a existência da técnica como objeto de questão, tornando-a um objeto trivial,
25 séculos de filosofia consolidaram essa posição e hoje a questão da técnica, essencial
como é para o político, chega profundamente deformada pela ficção metafísica, que
fez dela um problema de moral e de linguagem.Digo que, de fato, a questão é essencial para o político, no sentido de ser definidora: o que é o político, com efeito, senão a questão colocada aos seres humanos enquanto vivem juntos e enquanto, vivendo juntos, devem tomar decisões, ou seja,criar ficções? Pois tomar decisões não pode ser outra coisa senão criar ficções,transformar o mundo – e fazê-lo dentro das condições da tekhné de que dispõem ou que dessa maneira inventam. Eles não estão de acordo quanto a essas decisões e é esse desacordo que abre o debate político enquanto tal.Marx tinha dito que a questão não era mais de interpretar o mundo, mas de
transformá-lo. Nietzsche esclarece que toda transformação do mundo é uma interpretação, e o contrário. Essa é a questão de uma performatividade generalizada,no sentido que Derrida a inaugurou, mas que significa uma tecnicidade fundamental da linguagem.Pelo fato de a cidade precisar tomar decisões e, portanto, produzir ficções que transformem o mundo ao interpretá-lo, procuram-se pontos de acordo; mas na metafísica buscam-se pontos de acordo fundamentados num texto que não seria uma ficção, o texto transparente de uma verdade fundacional, um texto que, em outras palavras, não seria técnica ou que denegaria sua própria tecnicidade, o texto de constituição da boa cidade, da cidade ideal, o qual vai repousar na exclusão dos poetas, precisamente na medida em que ele é constituído (mas também invalidado de antemão) pela denegação da constitutividade da técnica – justamente como poder de ficção.Sendo assim, vai-se opor o fictício ao verdadeiro.Ora, atualmente, ou seja, depois da revolução industrial e de dois séculos de capitalismo operando o maquinismo, a questão é de saber distinguir as boas das más
ficções e não de purificar a verdade de toda ficção. Mas isso passa por uma consideração
inteiramente nova da questão da técnica.Derrida é um pensador maior justamente porque articulou a questão da ficção com a questão da técnica. No entanto, para muitos de seus leitores, esse avanço extremamente poderoso se dissimulou numa textológica da ficção, ali onde a literatura é uma região, um país, um recanto dessa questão, num imenso oceano de questões
ligadas à ficcionalidade técnica e em particular dentro dos domínios econômicos,
jurídicos e científicos.Deve-se, contudo, levar em conta a necessidade de certo privilégio da literatura e, de uma maneira mais geral, da letra: elas gozam de um privilégio maior porque é na
letra e, portanto, numa literalidade do pensamento, e finalmente de todo pensamento
ocidental, que se constitui qualquer pensamento político – essa constituição sendo
constitutiva apenas pela denegação, e o mesmo se pode dizer do direito. Hoje quando a tecnologia se torna numérica e discretiva, ou seja, como explico em De la misère siymbolique, "gramatizante", o que não é do domínio de uma gramatologia – ou então seria preciso desenvolver aí uma história do suplemento –mas de um processo de gramatização, toda a tecnologia se torna uma mnemotecnologia:informática, biotecnologia, numerização das tecnologias outrora analógicas etc. É isso que constitui o horizonte de um novo capitalismo. Nisso tudo, tramam-se tecnologias da memória ou se relança de um outro modo a questão da relação entre técnica e memória, numa perspectiva justamente irredutível à técnica literária ou literal, e tal como ela ficciona a memória de maneira bastante inédita. Aqui isso só funciona na medida em que ficciona, e o contrário. Ficcionar é performar, e essa performance enquanto trans-forma é tecno-lógica.A grande questão política hoje é a do que chamo em La Faute d’Epiméthée a
dupla reduplicação epocal da técnica. A técnica como tecnologia industrial e mesmo hiper-industrial vem suspender os programas sócio-étnicos e sócio-políticos em vigor,e essa suspensão é uma epokhé no sentido dos filósofos: uma interrupção, um pôr em suspenso. Mas ela exige uma segunda suspensão, uma segunda epokhé. O que engendra a reatividade de que falava, o ressentimento, é o bloqueio que impede a realização dessa reduplicação. Não posso desenvolver aqui um ponto que no entanto faço questão de sublinhar: essa reduplicação deve ser pensada junto com o conceito de processo de individuação de Simondon, no sentido de – pelo fato de a técnica não conhecer mais nenhuma estabilidade – a individuação que é sua reduplicação efetiva
deve ela mesma se traduzir politicamente como processo; e como processo de interpretação enquanto transformação.A esse respeito, cabe sublinhar, para concluir, que a questão da ficção também é inevitavelmente a questão da crença. Quando decido por uma ficção, isso significa que decidi acreditar nessa ficção. Como vimos, toda decisão é uma ficção. Portanto,toda decisão é uma crença e necessidade de uma crença. Mas, por outro lado, toda crença é um querer acreditar: só posso acreditar naquilo em que quero acreditar. Em suma, a questão é ultrapassar a crítica da vontade como subjetividade do sujeito metafísico e repensar a questão da vontade como ficção na tecnicidade original,
constituindo o que chamei de falta originária de origem.
É porque estamos mergulhados na ficção que somos seres submetidos à obrigação de acreditar e ao que chamo, na conferência do Rio de Janeiro, o quereracreditar.O que falta é querer acreditar – mas em negativo: noutras palavras, não se
trata em absoluto de uma nova figura da mestria.Duas questões se colocam desse modo atualmente junto com a questão da
ficção como tecnicidade ou tecnologia geral: a questão da crença e a questão da vontade. Devemos acreditar e devemos querer acreditar. Em relação ao que é de
nossa responsabilidade, ainda que esteja para além de nossa vontade, e justamente
porque está para além de nossa vontade, é o que podemos do que devemos. É a questão de nossa potência.Eis o que falta re-articular, ultrapasando a simples crítica da vontade como uma
categoria metafísica, a qual se tornou hoje manifestamente sumária...
- De um modo surpreendente, Kant continua sendo uma referência maior
para se refletir sobre as questões do mundo "hiper-industrial", embora ele tivesse como horizonte de reflexão uma etapa inicial do capitalismo. Como explicar a permanência de um pensamento tão denso num tempo em que as coisas vão tão rápido? O que resta ainda da "imaginação transcendental" num espaço-tempo tão virtualizado e midiatizado?
Kant coloca a questão de hoje: a questão do critério e, com isso, da crítica
como poder de decisão. Acredito e quero acreditar que é preciso atualmente elaborar uma nova crítica. Não acredito de forma alguma que a categoria da crítica seja caduca e metafísica. Porém, isso supõe uma crítica do esquematismo kantiano. Kant pensa o sentido interno como fluxo e como distinções no fluxo, permitindo – com a condição
de o reler a partir de Husserl e também de criticar Husserl com Derrida – pensar o devir-mercadoria das consciências. Além do mais, Kant, como disse Deleuze, já está pensando a morte de Deus, em outras palavras, a "fissura" do eu. É ele quem abre, no final das contas, todas as grandes questões que ainda temos diante de nós. Mas ele não vê que o esquema é suplementar – sendo apreendido numa lógica do suplemento, que é também uma história do suplemento; chamei isso de história de escoras do entendimento. Quanto a mim, tento pensar o esquema como o que chamo de retenção terciária, que é, enquanto espacialização do tempo e temporalização do espaço, o suplemento que "assombra" as retenções primárias e secundárias do presente vivo husserliano. Esse "assombramento" é a virtualização tal como já começou desde sempre,enquanto ela é o morto, que apreende o vivo, para citar Marx, mas a contrario.- O Sr. trabalha num dos institutos mais prestigiosos do mundo sobre pesquisa
musical, o Ircam, fundado por Pierre Boulez. No entanto, não há muita reflexão da parte
dos filósofos sobre a importância da música para o pensamento. Por que essa falta?Não se pode, justamente, pensar a música sem esse conceito de retenção terciária,sem pensar o fluxo da consciência a partir desse banho organológico que constitui um horizonte de esquemas, em que se dá a experiência sensível do musical como experiência do instrumental. Foi isso que toda a filosofia sempre rejeitou. No Ircam,atualmente faço com que avance a idéia do que chamo de organologia geral para conceber tais questões. Esse também foi o tema de um colóquio que aconteceu nessa primavera em Cerisy. A questão é da mais alta importância na medida em que a
principal preocupação do capitalismo contemporâneo é desenvolver tecnologias de controle, para falar como Burroughs e Deleuze, mas que se torna cada vez mais um controle da sensibilidade, e leva a substituir a experiência do sensível por um condicionamento estético a serviço do controle comportamental. É isso que faz com que o capitalismo tenha se tornado a um só tempo cultural e hiper-industrial.


exercícios militares na europa 28/05/08 tudo o que existe nesse mundo é fruto da guerra.se o brasil não se armar a amazônia será conquistada.

a amazônia é o maior potencial científico do planeta.
Renato Rabelo: A Amazônia é dos brasileiros .Trata-se de uma grande provocação e um verdadeiro atentado à soberania de nossa Pátria. O governo brasileiro reagiu prontamente, numa declaração contundente do próprio Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião no auditório do BNDES, no Rio de Janeiro: “O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono, e que o dono da Amazônia é o povo brasileiro. São os índios, são os seringueiros, são os pescadores e também nós, que somos brasileiros e temos consciência de que precisamos desenvolver a Amazônia”.
De fato, não se pode cair na armadilha de que o problema da Amazônia é fruto de uma contradição entre “ambientalistas” versus “desenvolvimentistas”. A questão é de dimensão e gravidade muito maior. Alguns poucos acham que a Amazônia deve ser uma grande floresta vistosa e intocável, enquanto outros pensam que o negócio é depredar a região para dela extrair tudo o que se possa. Os brasileiros, entretanto, em sua grande maioria, sabem que devemos mesmo é desenvolver a região amazônica de forma sustentável, preservando seu ecossistema e respeitando os direitos dos que lá vivem e trabalham.


Para que essa imensa tarefa tenha pleno êxito será preciso mobilizar as forças avançadas da nação, os cientistas e intelectuais, os movimentos sociais, para se chegar a um plano de desenvolvimento sustentado da Amazônia, que garanta a soberania nacional, que coloque as riquezas da biodiversidade e do solo amazônico a serviço do povo brasileiro, e não daqueles que foram incapazes de produzir um desenvolvimento sustentado, sendo os maiores poluidores do planeta e que até hoje sequer respeitam o que foi assinado no protocolo de Kyoto, no Japão, em 1997. Aliás, como disse o presidente Lula na abertura do XX Fórum Nacional do Instituto de Altos Estudos (Inae), “quem tinha que tomar medidas para cumprir o protocolo de Kyoto, nem o referendou. Fomos nós que referendamos. E fomos nós, com a utilização de 100% de etanol, que tiramos do ar 800 milhões de toneladas”.




luta dos pescadores na frança.28/05/08

em protesto contra a subida dos preços do combustível. O governo francês tem impulsionado um pacote de ajudas para o sector da pesca.








Tuesday, May 27, 2008

uma passagem para atenas.27/05/08 Entrevista com Ken Wilber

Pathways: Por que você acha que o Espírito escolheu se manifestar, já que a manifestação traz, inevitavelmente, o sofrimento e exige que Ele (o Espírito) se esqueça de Sua própria Identidade? Em outras palavras, por que Deus encarna?Ken Wilber: Bem, vejo que você está começando com a pergunta mais fácil. Darei umas poucas respostas teóricas, que já foram oferecidas ao longo dos séculos, e depois darei minha experiência pessoal a esse respeito. Eu também já fiz esta pergunta a vários mestres espirituais, e um deles me deu uma resposta rápida e clássica: “Não tem graça nenhuma jantar sozinho.” Esta é uma resposta petulante, eu acho, mas quanto mais você pensa sobre ela, mais ela vai fazendo sentido. Agora, vou cometer uma blasfêmia... digamos que eu e você fizéssemos de conta, só por alguns momentos, que somos o Espírito, aquele Tat Tvam Asi dos hindus? Se fosse Deus Todo Poderoso, por que você manifestaria um mundo? Um mundo que, conforme você disse, é necessariamente um lugar de separatividade, conflitos e dor? Por que, sendo o Absoluto, o Um, você daria espaço para emergir os Muitos?Pathways: Porque não tem graça jantar sozinho?Ken Wilber: Não começa a fazer sentido? Aqui está você, o Único, o Absoluto, o Infinito. O que é que você tem para fazer? Você se banha na própria Gloria por toda a eternidade, se entrega ao seu próprio deleite por anos e anos. E daí, o que acontece? Bem, mais cedo ou mais tarde vai chegar à conclusão de que seria divertido, simplesmente divertido, fazer de conta que você não é você. E aí, o que você faria?Pathways: Manifestaria um mundo.
Ken Wilber: Não é mesmo? Mas é aí que começa a ficar interessante. Quando eu era criança, eu tentava jogar damas sozinho. Você já tentou ?Pathways: Sim, lembro que brincava assim também.
Ken Wilber: Funcionava? Pathways: Não muito porque eu já sabia qual seria o movimento do meu “oponente”. Eu jogava dos dois lados, portanto eu nunca poderia me surpreender. Eu sabia o que iria fazer em ambos os lados, daí que não chegava a ser um jogo. Você precisa de outra pessoa para jogar.Ken Wilber: Sim, é exatamente este o problema. Você precisa de um “outro”. Portanto, se você é o único Ser em toda a existência, e você quer jogar – jogar qualquer tipo de jogo – você tem que fazer o papel do “outro” e esquecer que está jogando em ambos os lados. Senão o jogo não faz sentido, como você mencionou. Você tem que fingir que é o outro jogador com tal convicção que até esquece que está fazendo os dois papéis. Se não esquecer não há jogo, não é divertido.
Pathways: Portanto, se você quer jogar – acho que a palavra na Índia é Lilá – tem que esquecer quem é você. Amnésia total.Ken Wilber: Eu acho que sim. E esta é exatamente a essência da resposta dada pelos místicos do mundo inteiro. Se você é o Absoluto e com toda a sua exuberância, plenitude e superabundância, deseja jogar, celebrar, se divertir, então a primeira coisa que tem que fazer é manifestar Outros e a segunda é esquecer que esses “Outros” é você mesmo. Senão, não há jogo. Manifestação, encarnação é, portanto, o grande jogo do Absoluto brincando de ser Outros, pelo simples esporte e por entretenimento.Pathways: Mas não é sempre tão divertido assim.Ken Wilber: Bem, sim e não. O mundo manifesto é um mundo de opostos – de prazer e dor, de altos e baixos, bem e mal, sujeito e objeto, luz e sombra. Se você vai jogar o grande Jogo Cósmico, é isso que você coloca em movimento. De outra forma, como poderia fazê-lo? Se não há lados e não há jogadores, se não há sofrimento e se não há Outros, Muitos, então você simplesmente permanece como o Único e Absoluto. Sozinho e distante. Mas não há graça nenhuma em jantar sozinho.
Pathways: Então, criar o jogo da manifestação é criar o mundo do sofrimento?Ken Wilber: Parece que é mais ou menos assim, não é? E os místicos parecem concordar. Mas há uma saída para a dualidade “prazer x sofrimento”, um caminho para se libertar dos opostos. Este caminho supõe a percepção e a realização direta de que Espírito não é o bem versus o mal, ou prazer versus dor, ou luz versus escuridão, ou vida versus morte, ou todo versus parte, ou holístico versus analítico. O Espírito é o Grande Jogador que dá inicio a todos os opostos equanimente. “Eu, o Senhor, faço a Luz cair sobre o bem e sobre o mal igualmente; Eu, Deus Todo Poderoso, faço todas essas coisas”... e os místicos do mundo inteiro concordam.
O Espírito não é a parte boa dos opostos, mas o solo de todos os opostos. E, quanto à nossa “salvação”, a questão não é encontrar o lado bom do dualismo, mas encontrar a Fonte de ambas as partes do dualismo, pois é isso que nós somos na verdade. Nós somos ambos os lados no grande Jogo da Vida, porque nós—você e eu, no mais profundo do nosso verdadeiro Eu – criamos ambos os opostos para poder jogar o grande jogo de damas cósmico. Esta, digamos, seria a resposta teórica que os místicos sempre deram. “Nãodualidade” significa, como diz os Upanishads*, “ficar livre dos pares”. Quer dizer, a grande liberação consiste em ficar livre dos pares de opostos, livre da dualidade – encontrando, dessa maneira, o Único Sabor (One Taste) nãodual, que dá origem a ambos. Isto é liberação porque quando conseguimos ficar livres dos pares, cessamos o sonho impossível, sofrido, de passar nossa vida inteira tentando encontrar um em cima sem o em baixo, um dentro sem um fora, um bem sem o mal, o prazer sem o sofrimento inevitável.Pathways: Você mencionou que teria uma resposta pessoal também. Ken Wilber: Sim, vou dizer como vejo. Quando eu experimentei pela primeira vez, ainda vacilante, o “nirvikalpa samadhi” – que significa absorção meditativa na Unidade sem forma – eu lembro de ter tido um vago sentimento, muito sutil, muito tímido, de que eu não queria estar sozinho naquela vastidão. Eu lembro do sentimento, muito difuso mas muito insistente, de querer partilhar aquilo com alguém. Resumindo, o que alguém faria naquele estado de solidão?Pathways: Manifestaria o mundo.
Ken Wilber: Foi isso que me ocorreu. E eu sabia, embora amadoristicamente, que se eu saísse daquela Unidade sem forma e reconhecesse o mundo da Multiplicidade, que então eu sofreria, porque os Outros sempre magoam uns aos outros, assim como ajudam uns aos outros. E sabe o que mais? Eu ficaria contente de abrir mão da paz da unidade, mesmo isso significando cair na dor do Muitos. Acho que o que tive foi só um gostinho na ponta da língua do que os Místicos perceberam, mas minha experiência limitada parece de acordo com o grande pronunciamento deles: de que somos o Absoluto dando origem livremente aos Muitos – à dor e ao prazer e a todos os opostos – porque escolhemos não permanecer naquela deliciosa solidão do Infinito, e porque não queremos jantar sozinhos à noite.
Pathways: E sobre a dor que está envolvida nesta escolha?Ken Wilber: Ela é escolhida livremente como parte necessária do Jogo da Vida. Não pode haver um mundo manifesto sem os opostos prazer e dor. E para se livrar da dor – o pecado do cristão, o sofrimento do budista, duhkha do hinduísta – você tem que recordar quem você é realmente. Esta recordação, esse resgate, esta anamnesia – tem a ver com o que os hindus chamam de “Faça isso em Memória do Self que Você É” (Tat Tvam Asi).As grandes religiões místicas do mundo consistem numa série de práticas profundas para aquietar o pequeno self que nós fingimos ser – causa do sofrimento e da dor que experimentamos – e despertarmos para o Grande Self que é o nossa verdadeira origem e meta e destino – “Que esta consciência esteja em você assim como esteve em Jesus Cristo”.
Pathways: Esta realização acontece de uma só vez? Ken Wilber: Nem sempre. Geralmente acontece como percepções esparsas do Gosto Único (one Taste) – relances, instantâneos do fato de que você está unido com absolutamente toda a manifestação, nos seus aspectos bom e mau, tanto em seu lado gélido quanto no fervente, em sua maravilha como em sua dor. Você é o Kosmos, literalmente. Mas você tende a compreender este fato em relances graduais, compreender a infinitude que você é, e você se dá conta exatamente do motivo de ter começado este terrível e maravilhoso Jogo da Vida. No entanto este não é de forma alguma um Jogo cruel, de jeito nenhum, porque foi você mesmo quem instigou este Drama, este Lilá, esta Kenosis.* Pathways: Há uma corrente que considera que esta experiência de “Gosto Único” ou “Consciência Cósmica” são apenas subprodutos da meditação e, portanto, não são “realmente reais”?Ken Wilber: Bem, isso pode ser dito de qualquer tipo de conhecimento que dependa de um instrumento. “Consciência Cósmica” sempre depende do instrumento da meditação. E daí? Enxergar o núcleo de uma célula depende de um microscópio. Por acaso dizemos que o núcleo da célula não é real porque é apenas um subproduto de um microscópio? Por acaso consideramos que as luas de Júpiter não são reais porque só podem ser vistas através de um telescópio? As pessoas que levantam estas objeções são geralmente pessoas que não querem olhar através do instrumento da meditação, assim como os homens da igreja se recusavam a olhar através do telescópio de Galileu e assim tornarem-se conscientes das luas de Júpiter. Deixe-os viver na sua recusa! Mas deixem-nos – da melhor forma possível e, rogamos, impulsionados pelo verdadeira caridade e compaixão – tentar convencê-los a olhar, só por um minutinho, e ver por eles mesmos. Não forçá-los, mas convidá-los. Eu tenho a impressão que um mundo diferente se abriria para eles, um mundo que já foi bastante observado por todos os que olharam através do telescópio, e microscópio e meditação.Pathways: Você poderia nos dizer...
Ken Wilber: Desculpe interrompe-lo, você se importa que eu cite um dos meus textos favoritos de Aldous Huxley?Pathways: Por favor... Ken Wilber: É do livro “Também o cisne morre”.
“Eu gosto das palavras que atribuem relação aos fatos. Por isso estou interessado na eternidade – eternidade psicológica. Porque ela é um fato”. “Talvez seja para você,” disse Jeremy. “Para qualquer um que escolha preencher as condições para que ela seja experimentada.” “E por que alguém se interessaria em preenchê-las?” “Por que alguém se interessaria em ir para Atenas para ver o Parthenon? Porque vale a pena vê-lo. E o mesmo é verdadeiro com relação à eternidade. A experiência da bondade atemporal vale qualquer problema que isso envolva.” “Bondade atemporal” repetiu Jeremy meio enfastiado. “Não sei o que isso significa.” Pra que você quer saber?” disse Mr. Propter. “Você nunca comprou sua passagem para Atenas.”
Pathways: Quer dizer que meditação é a passagem para Atenas?Ken Wilber: Você concorda?
Pathways: Definitivamente. Estou aqui pensando, conte-nos um pouco sobre sua passagem para Atenas. Um pouco sobre suas experiências com meditação. O que significa “prática integral” e o que isso oferece ao buscador espiritual moderno?Ken Wilber: Sobre a minha historia, não acho possível dizer algo significativo tão resumidamente. Eu já medito há 25 anos e acredito que minhas experiências não sejam tão diferentes daqueles que tentaram um caminho semelhante. Mas falarei um pouco sobre a “prática integral”, porque acredito que isto seja a “onda do futuro”. A idéia é bastante simples, e Tony Schwartz, autor do livro “O que realmente importa: busca de sabedoria na América”, resumiu como “o casamento de Freud e Buda”. Isto aponta para a tentativa de integrar as contribuições da “Psicologia Profunda” do ocidente com as grandes tradições de sabedoria da “Psicologia Elevada” – uma tentativa de integrar o Id e o Espírito, a sombra e Deus, libido e Brahman, instinto e a Deusa, o mais baixo e o mais elevado – quaisquer que sejam os termos que você escolha, a idéia é bastante clara, eu acho.Pathways: Como uma prática verdadeira? Ken Wilber: Sim, a prática verdadeira é baseada em algo mais ou menos assim: tomando como base um “Grande Ninho do Ser” – que vai da matéria para o corpo, para a mente, para a alma e para o espírito – como reconhecer, honrar e exercitar todos os níveis do nosso ser? Se conseguíssemos contactar todos os níveis de nosso potencial, isso não nos ajudaria a recordar a Fonte do Grande Jogo da Vida, que não é outra coisa senão nosso verdadeiro Self? Se o Espírito é a base e a meta de todos esses níveis, e se nós somos, na verdade, Espírito, o engajamento total nesses níveis não nos faria lembrar o que somos realmente?Bem, esta é a teoria, que estou colocando em termos bem simplista. A idéia concreta é: Pegue uma prática (ou práticas) de cada um destes níveis e se engaje em tal prática com todo o fervor. Para o nível físico, inclua yoga, levantamento de peso, vitaminas, nutrição, corridas diárias, etc. Para o nível emocional/corporal, tente a sexualidade tântrica, uma terapia que o ajude a fazer contato com seus sentimentos, gestalt, bioenergética, etc. Para o nível mental, terapia cognitiva, terapia da palavra, terapia psicodramática, etc. Para o nível da alma, meditação contemplativa, contemplação sutil, oração. E para o nível do espírito, práticas mais não-duais como Zen, Dzogchen, Vedanta, Shivaismo, Cristianismo místico, etc. Eu hesito em dar listas porque, como você sabe, existem milhares de práticas maravilhosas para todos os níveis e receio excluir algumas delas. O importante é focalizar a idéia geral: pegue uma ou mais práticas de cada um dos níveis do seu ser – matéria, corpo, mente, alma, espírito – e exercite todas elas, dando o melhor de si, individual e coletivamente. E o que vai acontecer é que, além de você começar a se sentir melhor no nível mundano, verá aumentar dramaticamente suas chances de aprofundar no seu Estado radical, que é o próprio Espírito, onde moram seus impulsos e sua identidade mais profunda.Pathways: Existe hoje algum instrutor que ofereça este tipo de prática?Ken Wilber: Bem, infelizmente não existem muitos instrutores, no mundo de hoje, que faça isso. Na verdade, este tipo de prática integral seria a união de Oriente e Ocidente, e estes só recentemente foram apresentados um ao outro. Mas existem muitos instrutores soberbos que lidam com um ou mais níveis do seu próprio ser – daí que, por enquanto, você tem que “juntar e misturar” – ou escolher o melhor instrutor para você, para cada nível. Escolha um bom tipo de exercício físico que funcione para você e um programa nutricional decente. Tente se engajar numa boa prática psicoterapêutica – mesmo que seja algo simples como escrever seus sonhos ou participar de um grupo de estudos. Tente uma boa prática de meditação e participe de algum serviço comunitário. Não quero que isso soe como uma coisa facista, horrorosa – mas tente, da melhor forma possível, investir o máximo de si para que possa despertar todas as suas partes.Pathways: Existe algum instrutor que esteja, pelo menos, indo em direção à esta prática integral?Ken Wilber: Sim. Existem alguns poucos escritores que enfatizam a importância de uma abordagem integral, e embora todos eles sejam ainda muito preliminares, são um bom meio para começar. Pode tentar o livro de Michael Murphy e George Leonard “A vida que nos é dada” ou “O que realmente importa” de Tony Schwartz, ou ainda “Caminhos além do Ego”, de Francês Vaughan e o meu livro “O olho do Espírito”.Mas a idéia é bastante simples: praticar apenas um nível do seu ser não trará a iluminação. Se você apenas meditar, seu “lixo” psicodinâmico não será eliminado. Se você apenas meditar, seu trabalho e seu relacionamento com sua esposa não irão melhorar automaticamente. Por outro lado, se você apenas fizer psicoterapia, não espere se livrar do pavor da morte e do sofrimento. Dê a Freud o que é de Freud, e dê a Buda o que é de Buda. E, o que é mais importante, dê ao Divino tudo de você, investindo tudo o que você é. Ô meu Deus, isso está parecendo um comercial de convocação de Reservistas: Seja tudo o que você pode ser!... Mas, na verdade, quanto mais dimensões suas você investir no que diz respeito a encontrar a Origem deste louco Jogo da Vida, mais capaz você será de descobrir o fato desconcertante de que você é o único e verdadeiro Autor daquele Jogo. E esta não é uma proposição teórica, mas a melhor chance que temos de conseguir nossa passagem para Atenas.